Acórdão nº 10578/20.7T8LSB.L1-8 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 19 de Maio de 2022

Magistrado ResponsávelLUÍS CORREIA DE MENDONÇA
Data da Resolução19 de Maio de 2022
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Decisão Texto Parcial:


Acordam no Tribunal da Relação Lisboa G, residente em Lisboa, instaurou acção declarativa, com processo comum, contra M Ireland, pedindo a condenação desta a reativar a conta de Instagram do A – g… .portugal – recuperando este o acesso a todo o seu histórico (a), a reativar a conta de facebook do A (b) a pagar-lhe o valor de 40.000 € (quarenta mil euros), a titulo de indemnização por danos não patrimoniais c).

A ré excepcionou a incompetência do tribunal em razão da nacionalidade No saneador foi proferido o seguinte despacho: «O Regulamento (CE)1215/2012 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 12.12.2012, relativo à incompetência judiciária, ao reconhecimento e á execução de decisões em matéria civil e comercial, manteve no essencial a disciplina do regulamento(CE) 44/2001, de 22.12.200, que veio substituir, introduzindo porém disposições destinadas a facilitar o acesso à justiça, nomeadamente, para unificar as regras de conflito de jurisdição em matéria civil e comercial e a fim de garantir o reconhecimento e a execução rápidos e simples das decisões proferidas num dado Estado-membro, quando tal seja necessário para o bom funcionamento do mercado interno.

Em termos gerais, o citado Regulamento estabelece no artigo 4º que: “sem prejuízo do disposto no presente regulamento, as pessoas domiciliadas num Estado-Membro devem ser demandadas, independentemente da sua nacionalidade nos Tribunais desse Estado-Membro.

A presente acção tem indiscutivelmente natureza civil.

No que “respeita a repartição da competência internacional, o regime instituído pelo Regulamento estrutura-se em torno de cinco princípios fundamentais: a protecção das pessoas domiciliadas nos Estados membros, a proximidade ou fórum conveniens, a proteção da parte mais fraca na relação jurídica, a soberania estadual e a autonomia da vontade” (Dário Moura Vicente, no estudo “Competência Judiciária e reconhecimento de Decisões Estrangeiras no Regulamento (CE) n,º 44/2001”, publicado na revista Sciencia Juridica, n.º 293, pág.360).

Assim, o critério de conexão fundamental adotado pelo Regulamento em matéria de competência internacional é o domicilio do réu (artigo 2º do Reg. N.º44/2001, que corresponde ao artigo 4º do Reg. 1215/2012), visando poupar ao réu as dificuldades inerentes à condução da sua defesa perante um tribunal estrangeiro (obra citada ,pág.360).

Cumulativamente, no Considerando (16) é estabelecido que “O foro do domicílio do requerido deve ser completado pelos foros alternativos permitidos em razão do vínculo estreito entre a jurisdição e o litígio com vista a facilitar uma boa administração da justiça. A existência de vínculo estreito deverá assegurar a certeza jurídica e evitar a possibilidade de o requerido ser demandado no tribunal de um estado -Membro que não seria razoavelmente previsível para ele. Este elemento é especialmente importante nos litígios relativos a obrigações extracontratuais decorrentes de violações da privacidade e de diretos de personalidade, incluindo a difamação.

Assim, o Autor poder optar pelo tribunal que for mais favorável aos seus interesses, de acordo com o princípio da protecção da parte mais fraca (consagrado no já citado considerando 18), e desde que a acção directa seja possível, o que sucede na situação presente, pelo que julga-se improcedente a excepção de incompetência absoluta do tribunal em razão da nacionalidade».

Inconformada, interpôs a ré competente recurso, cuja minuta concluiu da seguinte forma: A. Em 9 de fevereiro de 2022, o tribunal a quo proferiu Despacho Saneador, em sede de Audiência Prévia, no qual considerou improcedente a exceção de incompetência invocada pela Ré.

  1. Salvo o devido respeito, que é muito, tal entendimento não poderá proceder, verificando-se erro de julgamento.

  2. O Autor é um utilizador português que admite ter-se registado e aceite os termos aplicáveis ao Serviço do Facebook e ao Serviço do Instagram.

  3. Tal como afirmado pelo Autor (artigo 2.º da Petição Inicial), a Secção 4.4 dos Termos do Facebook e os Termos do Instagram (“Como Lidaremos Com Litígios”) (o “Pacto de Jurisdição contante dos Termos”), determinam: “Se fores um consumidor com residência habitual num Estado-Membro da União Europeia, as leis desse Estado-Membro serão aplicadas a qualquer reclamação, ação ou litígio que tenhas contra nós e que surja de ou esteja relacionado com estes Termos ("reclamação"). Assim, poderás resolver a tua reclamação em qualquer tribunal competente nesse Estado-Membro que tenha jurisdição sobre a reclamação. Em todos os outros casos, concordas que a reclamação tem de ser resolvida num tribunal competente na República da Irlanda e que a lei irlandesa vai reger estes Termos e qualquer reclamação, independentemente das disposições referentes ao conflito de leis.” (evidenciado por nós) E. Por outras palavras, o Autor aceitou que o presente litígio, relativo a uma relação que não é de consumo, fosse dirimido na Irlanda e não em Portugal.

  4. O contrato celebrado entre o Autor e a Ré é vinculativo e, de acordo com o artigo 25.º, n.º 1, do Regulamento (EU) 1215/2012, dá lugar a uma competência exclusiva em relação aos pedidos incluídos na Petição Inicial.

  5. O Autor não é um consumidor para os efeitos do acordo celebrado com a Ré, dado que sustenta os pedidos deduzidos contra a mesma com base no prejuízo alegadamente sofrido no âmbito do seu negócio. Encontra-se, por isso, obrigado a intentar toda e qualquer ação contra a Ré em que inclua pedidos emergentes da sua profissão (nomeadamente o pedido de indemnização por danos profissionais alegadamente sofridos), derivados do uso dos serviços de Facebook e Instagram, na República da Irlanda.

  6. De facto, o Autor admitiu usar a sua conta de Facebook para gerir a página de Facebook do “... Bar”, que corresponde a um negócio seu.

    I. O Autor não só promove o seu negócio através de uma página de Facebook específica e separada, como ainda estabelece contactos profissionais através das suas contas de Facebook e Instagram (ambas em causa nos presentes autos), de forma a promover o seu negócio.

  7. De facto, a causa de pedir nestes autos deriva de alegados danos profissionais. O Autor alega que, como resultado da perda do acesso às suas contas Facebook e Instagram, sofreu danos profissionais e perdeu a capacidade de gerir a página Facebook do seu negócio e contactos que tinha estabelecido em benefício do seu negócio (artigos 47 e 48 da P.I.). O Autor menciona repetidamente que a desativação da sua conta de Facebook o impediu de gerir a página de Facebook do seu negócio e que desde fevereiro de 2020 que não consegue publicar conteúdo na...

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