Acórdão nº 098/20.5BALSB de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 19 de Maio de 2022
Magistrado Responsável | CARLOS CARVALHO |
Data da Resolução | 19 de Maio de 2022 |
Emissor | Supremo Tribunal Administrativo (Portugal) |
Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo: RELATÓRIO 1.
A…………, devidamente identificada nos autos [doravante A./reclamante], instaurou neste Supremo Tribunal a presente ação administrativa contra o Conselho Superior do Ministério Público [CSMP] [doravante R./reclamado], peticionando, pela motivação inserta na petição inicial [cfr. fls. 04/63 - paginação «SITAF» tal como as ulteriores referências a paginação], que: «a) Seja declarado nulo o ato administrativo praticado pela Secção Disciplinar do Conselho Superior do Ministério Público (CSMP) de 26.02.2020, que arquivou a participação disciplinar apresentada pela aqui Autora contra o magistrado do Ministério Público aqui participado; subsidiariamente: seja anulado o ato administrativo praticado pelo Secção Disciplinar do CSMP praticado em 26.02.2020,que arquivou a participação disciplinar apresentada pela aqui Autora contra o magistrado do Ministério Público aqui participado; b) Seja anulado o ato administrativo praticado pelo Plenário do Conselho Superior de Magistratura, no dia 16.06.2020, que julgou improcedente a reclamação apresentada pela Autora; c) Devendo o Conselho Superior do Ministério Público ser condenado a praticar novo ato administrativo que julgue procedente a participação disciplinar apresentada pela aqui Autora contra o magistrado do Ministério Público participado, daí extraindo todas as legais consequências».
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O R./reclamado citado veio apresentar contestação [cfr. fls. 687/727], no âmbito da qual se defendeu por exceção [ilegitimidade processual ativa e passiva] e por impugnação, concluindo pela procedência das exceções arguidas ou, então, pela total improcedência da ação com a sua consequente absolvição dos pedidos contra o mesmo deduzidos.
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A A./reclamante apresentou réplica [cfr. fls. 1188/1200], nos termos do disposto no artigo 85.º-A do Código de Processo nos Tribunais Administrativos [CPTA], pugnando pela sua legitimidade ativa ao abrigo do disposto no art. 55.º, n.º 1, al. a), do CPTA, sendo que quanto à exceção de ilegitimidade passiva do R./reclamado requereu, ao abrigo do art. 07.º-A, n.º 2, do CPTA, o suprimento da falta do pressuposto processual, ou seja, que o contrainteressado B…………, devidamente identificado nos autos [doravante Contrainteressado] fosse citado e lhe fosse concedido um prazo para contestar.
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Por despacho de fls. 1202 foi determinada a citação do Contrainteressado e uma vez esta devidamente efetivada não veio a ser produzida pelo mesmo qualquer contestação [cfr. fls. 1203 e segs.
].
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Foi proferido despacho saneador pela Exm.ª Conselheira Relatora titular a julgar procedente a exceção de ilegitimidade ativa e, em consequência, a absolver o R./reclamado da instância [cfr. fls. 1206/1211].
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Inconformada com a referida decisão a A. reclamou para a conferência [cfr. fls. 1218/1241], requerendo a revogação da mesma e pugnando pela sua legitimidade processual, sendo que tal reclamação uma vez objeto de contraditório não mereceu qualquer resposta [cfr. fls. 1242 e segs.
].
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Com dispensa de vistos legais, mas com prévio envio do projeto de acórdão, foram os autos submetidos à Conferência para julgamento.
DAS QUESTÕES A DECIDIR 8.
Nesta sede constitui objeto de apreciação o determinar do acerto da decisão reclamada no segmento em que na mesma se julgou procedente a exceção ilegitimidade ativa da A., aqui reclamante, por alegada infração pela mesma do que se mostra disposto nos arts. 03.º, n.º 1, 09.º, n.º 1, e 55.º, n.º 1, al. a), do CPTA, 26.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa [CRP] e 08.º da Convenção Europeia dos Direitos Humanos [CEDH] [cfr. arts. 01.º e 02.º da Lei n.º 45/2019, de 27.06].
FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO 9.
Com relevância para a apreciação da impugnação sub specie resulta como assente o seguinte quadro factual: 9.
1) A A., em 30.05.2019, apresentou no CSMP participação disciplinar contra o Contrainteressado, magistrado do Ministério Público em funções no Tribunal Judicial de ……….
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2) A Secção Disciplinar do CSMP deliberou, em 26.02.2020, arquivar liminarmente a referida participação disciplinar.
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3) A A. reclamou para o Plenário do CSMP tendo este, por deliberação de 16.06.2020, mantido a decisão de arquivamento da referida participação disciplinar.
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4) A A. instaurou neste Supremo Tribunal contra o CSMP a presente ação administrativa nos termos e pelos fundamentos de fls. 04/63 dos autos e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, deduzindo pedido nos termos supra descritos.
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5) No decurso da tramitação da presente ação foi proferido, em 12.07.2021, despacho saneador a julgar «procedente a exceção de ilegitimidade ativa» e a absolver «a Entidade Demandada da instância», decisão essa cuja motivação aqui se tem também como integralmente reproduzida.
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6) A A., inconformada com a decisão referida no ponto antecedente, deduziu reclamação, inserta a fls. 1218/1241 dos autos, e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
DE DIREITO 10.
Presente o quadro factual antecedente passemos, então, à apreciação da questão suscitada no quadro da presente reclamação.
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Sustenta a A./reclamante que a decisão alvo de impugnação firmou uma incorreta/errada interpretação e aplicação do que se mostra disposto nos arts. 03.º, n.º 1, 09.º, n.º 1, e 55.º, n.º 1, al. a), do CPTA, 26.º, n.º 1, da CRP e 08.º da CEDH, porquanto enquanto participante disciplinar e tendo invocado aquando da instauração da ação administrativa sub specie estar e visar defender através da mesma os seus direitos «à honra e ao bom nome», «à reputação profissional e social» e «à vida familiar sem ingerências infundadas e abusivas» entende-lhe assistir legitimidade processual ativa para a deduzir, impugnando a legalidade dos atos impugnados.
Vejamos.
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Através do pressuposto processual relativo à legitimidade visa-se proceder à seleção dos sujeitos de direito que são admitidos a participar ou a intervir em cada processo e litígio submetido a tribunal.
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Cotejando e convocando o quadro normativo alegado e tido por pertinente prevê-se, desde logo, no n.º 1 do art. 09.º do CPTA que «[s]em prejuízo do disposto no número seguinte e do que no artigo 40.º e no âmbito da ação administrativa especial se estabelece neste Código, o autor é considerado parte legítima quando alegue ser parte na relação material controvertida», extraindo-se do n.º 1 do art. 03.º do mesmo Código que «[n]o respeito pelo princípio da separação e interdependência dos poderes, os tribunais administrativos julgam do cumprimento pela Administração das normas e princípios jurídicos que a vinculam e não da conveniência ou oportunidade da sua atuação».
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Ainda em sede do regime contencioso deriva da al. a) do n.º 1 do art. 55.º do mesmo Código a atribuição de legitimidade processual ativa para impugnar um ato administrativo a «[q]uem alegue ser titular de um interesse direto e pessoal, designadamente por ter sido lesado pelo ato nos seus direitos ou interesses legalmente protegidos», estipulando-se no n.º 3 do mesmo preceito «[a] intervenção do interessado no procedimento em que tenha sido praticado o ato administrativo constitui mera presunção de legitimidade para a sua impugnação».
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Em termos do regime procedimental disciplinar e no que releva para os termos da questão em discussão extrai-se, desde logo, do n.º 3 do art. 222.º da Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas [LGTFP] [aprovada e anexa à Lei n.º 35/2014, de 20.06] aplicável ex vi do art. 216.º da Lei n.º 47/86, de 15.10 [Estatuto do Ministério...
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