Acórdão nº 6108/21.1T8VNF-A.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 19 de Maio de 2022
Magistrado Responsável | JOS |
Data da Resolução | 19 de Maio de 2022 |
Emissor | Tribunal da Relação de Guimarães |
Acordam na 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães I. RELATÓRIO [1] A Sociedade X, Ldª, instaurou procedimento de injunção – nº 75131/21.2YIPRT – através do qual pediu a notificação de Y, Construção, Ldª, para lhe pagar a quantia de 11.410,00€, de capital, juros e acréscimos, invocando, como fundamento, o fornecimento a esta, mediante contrato, de bens e serviços, no âmbito da sua actividade (construção civil), conforme facturas alegadamente vencidas.
Apesar de ali constar como notificada, a requerida não deduziu qualquer oposição a tal requerimento.
Com base nele e em lhe ter sido atribuída a força inerente mediante aposição da “fórmula executória”, a requerente instaurou a respectiva acção executiva.
Nesta, a requerida, em 14-12-2021, deduziu embargos, pedindo a extinção da execução ou, caso assim se não entenda, a sua suspensão até decisão da questão da notificação do requerimento injuntivo.
Alegou, como fundamentos da sua oposição, além da falta de entrega e de conhecimento do expediente relativo ao acto de notificação da injunção, sem prescindir, mais o seguinte: “C. Da inexigibilidade da obrigação 23. Aceita-se apenas como verdadeira a matéria constante dos pontos 1 e 2 dos factos alegados no requerimento de injunção, impugnando-se tudo o mais. 24. No âmbito da sua atividade, a Exequente realizou trabalhos para a ora Executada numa única obra, denominada “….-Escritórios da …”. 25. Do orçamento inicial, o valor total dos trabalhos executados foi de 18.984,72€ – Cfr. Documento 1.
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Posteriormente foi acordado entre as partes a execução de mais trabalhos para além dos contratados, no valor de 5.243,90€ – Cfr. Documento 2.
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No entanto, a Exequente não executou a totalidade dos trabalhos contratados, nomeadamente o fornecimento e aplicação de isolamento térmico entre pisos da fachada e parte do teto falso interior em sistema continuo de placa de gesso cartonado Standard da "KNAUF" ou equivalente – cfr. Documento 1.
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Para além destes trabalhos não executados, a Exequente executou defeituosamente vários trabalhos contratados - Cfr. Documento 3.
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A ora Executada interpelou a Exequente para proceder à execução e reparação dos trabalhos suprarreferidos – cfr. Documentos 4 e 5.
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No entanto, a Exequente nada fez, o que levou à necessidade da sua execução/reparação por parte da Executada, com o dispêndio da quantia de 4.124,14€ - Cfr. Documento 3.
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Assim, a Exequente incumpriu as suas obrigações contratualmente definidas.
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O que gera responsabilidade da Exequente pelos danos que causou à Executada.
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Consequentemente, a Executada informou a Exequente do valor de 4.124,14€ respeitante a trabalhos a deduzir ao valor acordado, pelo seu não cumprimento – cfr. Documento 3.
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Posto isto, o valor total devido à Exequente seria de 21.728,62€, correspondente à soma dos valores constantes dos documentos 1 e 2, deduzida do valor dos pontos 2 a 5 do documento 3.
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A Executada já pagou à Exequente o montante de 19.682,56€ - Cfr. Documentos 6 a 11.
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Pelo que se encontra apenas em dívida o montante de 2.046,06€.
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Assim, a Executada impugna o valor do capital alegadamente em dívida indicado no requerimento executivo, por já ter sido liquidado grande parte do mesmo.
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Ora, não só não é devido pela Executada o valor peticionado pela Exequente, como existe um contracrédito da Executada que deriva dos trabalhos não executados e executados defeituosamente.
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Nos termos dos artigos 857.º e da alínea h) do artigo 729º do CPC, é possível à Executada fundamentar a presente oposição à execução na existência de um “contracrédito sobre a exequente, com vista a obter a compensação de créditos”.
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Acresce que não é admissível que sejam contabilizados juros no presente requerimento executivo sobre o valor de 11.410,50€, visto que este valor inclui juros desde a falta de pagamento do requerimento de injunção apresentado, ao qual não foi deduzida oposição por facto não imputável à Executada.
Continuando sem prescindir, 41. Para uma ação executiva é necessário existir uma obrigação certa, líquida e exigível, o que não se verifica neste caso.
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Como foi referido no Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães 4, “Num contrato de empreitada perante a existência de um defeito na obra, o direito imediato que a lei concede ao dono dela é o de exigir a sua eliminação pelo próprio empreiteiro ou, se não poder ser eliminado (o que, em primeira linha, compete ao empreiteiro aferir), uma nova construção (art. 1221º nº 1 do CCivil).
Não acedendo a tanto o empreiteiro, poderá ainda o dono da obra exigir ou a redução do preço ou a resolução do contrato (posto que, e neste último caso, o defeito torne inadequada a obra para o fim a que se destina). Tem ainda o dono da obra o direito a ser indemnizado, na medida em que o seu dano não se mostrar expurgado pelos descritos meios, ou não tenha sido possível efectivar tais meios.VI- Após o credor/dono da obra ter indicado por qual ou quais dos direitos opta, é que nasce o crédito à pretensão e, só a partir desse momento, se pode deduzir a exceptio”.
4 Acórdão de 10 de Janeiro de 2012, proferido no processo nº 528/10.0TBCMN-A.G1, disponível em www.dgsi.pt.
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Tratando-se de um contrato sinalagmático, a obrigação de pagamento da Executada está dependente do cumprimento da obrigação por parte da Exequente.
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Tendo em conta que a Exequente violou o nexo sinalagmático ao não cumprir a prestação contratualmente assumida, não executando parte dos trabalhos acordados e recusando a reparação dos defeitos dos que executou, como lhe foi solicitado pela Executada, tem esta a faculdade de se eximir da respetiva contraprestação, neste caso o pagamento dos trabalhos não executados e executados defeituosamente.
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Por existir um incumprimento por parte da Exequente da prestação contratualmente definida e tendo essa prestação prejudicado integralmente a satisfação do interesse da credora (Executada), é possível a esta recorrer à exceção de não cumprimento, prevista no n.º 1 do artigo 428º do Código Civil.
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Conforme realça Lebre de Freitas, “No caso das obrigações sinalagmáticas, a lei processual equipara a falta de realização ou oferta da prestação a efectuar pelo exequente a uma situação de inexigibilidade”. 5 5 Autor citado no Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 14 de Dezembro de 2004, proferido no processo nº 1238/04-3, disponível em www.dgsi.pt.
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Assim sendo, a obrigação exequenda é inexigível nos termos peticionados e, conforme estipulam os artigos 857.º e a alínea e) do artigo 729º do CPC, é possível à Executada fundamentar a presente oposição à execução na inexigibilidade da obrigação exequente.”.
Em 19-01-2022, foi proferido o seguinte despacho liminar, que é o recorrido: “Consigna-se que procedi, através da funcionalidade permitida pelo sistema citius, à consulta do procedimento de injunção n.º75131/21.2YIPRT, verificando que a notificação da aqui embargante, requerida naquele procedimento, foi efetuada por via postal registada, com aviso de receção, assinado por “A. R.”, com a expressa advertência para o efeito cominatório estabelecido no artigo 14.-ºA, n.ºs1 e 2, do regime anexo do Decreto-lei n.º269/98, de 01.09 [«Se não pagar nem responder dentro do prazo: • Não poderá dizer mais tarde por que motivos considera não ter a obrigação de pagar o valor que é exigido, com exceção dos motivos previstos no n.º 2 do artigo 14.º-A do Decreto-Lei n.º 269/98, de 1 de setembro»].
Extraia-se da referida funcionalidade cópia da notificação/citação da embargante – ref.ª26072130 - e respetivo aviso de receção – ref.ª26120806 - e junte aos presentes autos.
*Pelos elementos existentes nos autos, a presente oposição à execução por embargos foi deduzida tempestivamente (cf. artigo 732.º, n. º1, alínea a), a contrario, do Cód. Proc. Civil e artigo 856.º, n. º1, do mesmo diploma legal).
*Y CONSTRUÇÃO, LDA., melhor identificada nos autos, deduziu a presente oposição à execução, mediante embargos de executado, contra X, LDA., melhor identificada nos autos, alegando, em síntese: - a nulidade da citação/notificação no procedimento de injunção onde se formou o título dado à execução; - o incumprimento parcial da exequente/embargada do contrato de empreitada subjacente ao crédito reclamado; - o cumprimento defeituoso, pela exequente/embargada, de vários trabalhos contratados; - a existência de um contracrédito sobre a exequente/embargada, decorrente do custo que suportou para a execução/reparação dos trabalhos não executados e dos executados defeituosamente, com vista a obter a compensação de créditos; - a exceção de não cumprimento.
*A questão que importa, desde já, apreciar é a da admissibilidade dos fundamentos da oposição à execução, nos termos previstos no artigo 732.º, n. º1, do Cód. Proc. Civil.
A exequente/embargada deu à execução um título executivo formado a partir de um requerimento injuntivo, que deu entrada no BNI em 05.08.2021, não foi objeto de oposição e ao qual foi atribuída força executiva em 22.10.2021. Trata-se do título executivo emergente do disposto no artigo 14.º, n. º1 do Anexo ao DL 269/98, de 01.09, reconhecido pelo artigo 703.º, n.º1, alínea d) Cód. Proc. Civil, ou seja, um dos denominados por Lebre de Freitas1 como “títulos parajudiciais” e por outros autores por “títulos judiciais impróprios”2.
É um requerimento de injunção ao qual foi aposta a fórmula executória, mas que não pode, todavia, ser equiparado a uma sentença, uma vez que se perfectibiliza sem qualquer decisão judicial e sem análise e conhecimento das razões de facto ou de direito, dos fundamentos invocados ou da verdadeira existência da obrigação, antes assentando na ausência de oposição expressa que faz presumir a existência da dívida que se executa.
A Lei n. º117/2019 alterou quer o regime anexo do Decreto-lei n.º269/98, de 01.09...
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