Acórdão nº 408/21.8T8VRL.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 19 de Maio de 2022

Magistrado ResponsávelPEDRO MAUR
Data da Resolução19 de Maio de 2022
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

ACÓRDÃO (1) ACORDAM OS JUÍZES DA 1ª SECÇÃO CÍVEL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES, * * *1. RELATÓRIO 1.1. Da Decisão Impugnada O Requerente J. S.

intentou a presente acção especial de acompanhamento de maior contra M. G.

, pedindo que se «I - Dispense o Requerente do consentimento da Beneficiária; II - Declare a Beneficiária necessitada de acompanhamento para todos os atos de administração dos seus bens», fundamentando a sua pretensão, essencialmente, no seguinte: «o Requerente é filho da Beneficiária, a qual tem 87 anos de idade, não sabe ler, nem escrever e não conhece o dinheiro, vê muito mal ou quase não vê e ouve muito mal ou quase não ouve, pelo que não consegue perceber o que lhe é dito ou reconhecer as pessoas que a ela se dirigem, estando totalmente incapaz de reger a sua pessoa e de administrar os seus bens».

Por decisão de 17/03/2021, determinou-se o suprimento da autorização.

Citado, o Ministério Público contestou, terminando nos seguintes termos: «a concluir-se a final, pela necessidade de se aplicarem à requerida medidas de acompanhamento, sejam as mesmas as mais adequadas, a definir após audição pessoal e direta da mesma, ponderadas as diligências de prova a ordenar pelo Tribunal e bem assim em consonância com o exame pericial médico a realizar».

Citada, a Requerida contestou, pugnando para «a presente ação ser julgada improcedente por não provada, com as legais consequências, e subsidiariamente, se assim não se entender, seja designado como acompanhante o filho da Requerida, A. G., com quem reside na rua …, n.º …, Mondim de Basto e, bem assim, para integrar o Conselho de Família a sua filha M. C. e genro M. R., residentes na rua do …, …, Santo Tirso», fundado a sua defesa, essencialmente, no seguinte: «tem noção do valor do dinheiro e dos bens, bem sabendo gerir o seu património; encontra-se lucida e tem capacidade suficiente de memorização, percebendo perfeitamente o que lhe é dito; tem, há mais de 15 anos, um tumor cerebral, benigno, “shwannoma vestibular direito”, que sempre se manteve inalterado, não tendo afetado de todo as suas capacidades físicas e psíquicas; com a idade de 87 anos, carece de auxilio, colaboração, proteção e acompanhamento comuns, sendo certo que tal é assegurado de forma cabal por parte do seu filho A. G. e da sua companheira M. N., com quem a Requerida vive, e de uma outra filha e genro, respetivamente, M. C. e M. R., residentes em Santo Tirso mas que a visitam praticamente todos os fins de semana; e não deve ser sujeita a quaisquer limitações judiciais à sua capacidade.

Procedeu-se à audição da requerida, à realização de exame pericial e à produção das demais provas consideradas necessárias pelo Tribunal a quo.

Foi proferida sentença com o seguinte decisório: “Em face do exposto, nos presentes autos decide-se: a) Determinar a protecção de M. G., mediante a aplicação de medida de acompanhamento, sujeita ao regime de representação especial relativa aos actos supra indicados; b) Declarar que as medidas de acompanhamento se tornaram convenientes pelo menos desde 07/07/2021; c) Nomear para o exercício das funções de acompanhante A. G.; d) Para exercerem as funções de protutor e de vogal do conselho de família, designam-se J. S. e o Sr. Presidente da Junta de Freguesia de ..., respectivamente; e) Determinar que a presente sentença seja revista no prazo de 5 (cinco) anos, a contar da data da sua prolação; f) Determinar que, caso a beneficiária M. G. não venha a residir com o acompanhante A. G., deverá este manter com a beneficiária um contacto permanente, devendo as visitas ocorrer com uma periodicidade não inferior a três meses, salvo se a acompanhante se encontrar emigrada, caso em que deverão as visitas ocorrer uma periodicidade não inferior a um ano; g) Não autorizar a intervenção do acompanhante A. G. nos termos preceituados no artigo 2082.º, n.º 2, do Código Civil…”.

*1.2. Do Recurso da Requerida Inconformada com a sentença, a Requerida interpôs recurso de apelação, pedindo que a sentença recorrida seja “revogada e substituída por outra nos exatos termos peticionados” e formulando as seguintes conclusões no final das respectivas alegações: “A- O actual regime jurídico do maior acompanhado, aprovado pela Lei n.º 49/2018, de 14 de Agosto, “ veio introduzir um regime monista e flexível, norteado pelos princípios da “ primazia da autonomia da vontade da pessoa, cuja vontade deve ser respeitada e aproveitada até ao limite possível e da subsidariedade de quaisquer limitações à sua capacidade, só admissíveis quando o problema não possa ser ultrapassado com recurso aos deveres de proteção e de acompanhamento comuns”, citando Ac. Do TRG de 12.11.2020.

B- E, conforme discorre o Ac. Do TRL de 04.02.2020, “A medida de acompanhamento de maior só é decretada se estiverem previstas duas condições: - uma positiva (princípio da necessidade): tem de haver justificação para decretar o acompanhamento do maior e uma das medidas enumeradas no Art.º 145.º, n.º2, do C.C.), sendo que na dúvida, não é decretada nenhuma medida de acompanhamento; - uma negativa (princípio da subsidariedade): a medida de acompanhamento é subsidiária perante deveres gerais de cooperação e assistência, nomeadamente de âmbito familiar (Art.140.º n.º2 , C.C.), não devendo o tribunal decretar essa medida se estes deveres forem suficientes para acautelar as necessidades do maior.

C- A regra geral é de reconhecer a capacidade da pessoa humana para exercer de forma livre os seus direitos pessoais (Art. 147.º n.º2 do C.C.), sendo as restrições ou limitações ao seu exercício a exceção, que sempre deverá ser bem fundamentada.” D- Isto também, na senda dos princípios essenciais consagrados na Convenção de Nova Iorque sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, e que foram acolhidos na ordem jurídica portuguesa, designadamente, entre outros, o princípio da necessidade.

E- Com efeito, “o n.º2 do Art. 140.º do Código Civil prevê a inaplicabilidade de qualquer medida, caso a mesma se revele desnecessária, concretizando um princípio essencial consagrado no Artigo 12.º da Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência – o princípio da necessidade -, do qual decorre imperativamente que as medidas de apoio apenas devem ser tomadas se forem absolutamente necessárias e proporcionais. “ In Ac. do TRP de 13.01.2020) F- Da matéria de facto provada nos autos, designadamente dos factos vertidos em 13, 18, 22, 24, 27, 31 e 33, resulta que embora a Requerida necessite de auxílio para gerir os seus bens patrimoniais e assistência nas “tarefas do dia-a-dia, como vestir, asseio, higiene e idas à casa de banho”, tais limitações são supridas pelos deveres de assistência e cooperação, prestados pelos seus filhos A. G. e M. C., e pela companheira do primeiro, M. N.

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G- Ora, face aos factos provados, resulta que a recorrente se encontra com capacidade crítica, tem vontade própria, tem uma apreciação racional sobre o comportamento dos filhos, tem noção do mundo que a rodeia teve um diálogo normal com o Sr. Juiz, tem consciência dos seus direitos pessoais, sabe quem são os filhos e os conflitos que os envolvem e manifesta pesar por esse conflito, não apresenta sintomatologia psicótica, tal como se encontra provado de 13º a 18º, ambos incluídos, além disso identifica o valor facial do dinheiro (facto provado sob nº 10) e sabe que está em pandemia (facto nº 6).

H- Destarte, deverá ser revogada a aplicação da medida de acompanhamento de M. G., porquanto, a sua protecção é assegurada pelos deveres de assistência e cooperação, prestados em contexto familiar, preservando-se desta forma, a autonomia da sua vontade.

Caso assim não se entenda, o que só por mera hipótese se admite.

I- A douta sentença proferida pelo Tribunal a quo sobre o regime de representação especial relativa aos atos supra indicados designadamente, “Em decorrência, revela-se proporcional e adequado autorizar o acompanhante a movimentar a conta bancária de que é titular a requerida (identificada nos factos provados n.º26, 28 e 29), até ao montante mensal correspondente ao salário mínimo nacional aplicável ao ano respetivo, ficando sujeita a autorização específica do Tribunal a movimentação de montantes que mensalmente excedam essa ordem de grandeza (cfr. Artigos 150.º, n.º3, do Código Civil, 891.º, n.º1, 987.º e 988.º do C. P.C.), não se concebe a razão de fixação de tal limite, tão baixo, quando a Requerida possuía, no início do ano de 2021, uma aplicação financeira no Banco …, no valor de €388.000,00, a que acrescem pensões/prestações mensais, no valor global de €504,04 (factos provados 26 e 29).

J- A recorrente realiza, mensalmente, despesas normais que ascendam a um total, mínimo, de 950 euros.

K- Acresce que tem o direito de presentear os seus netos, ir ao restaurante com filhos e netos uma vez por semana pagando a despesa, e não deve pedir autorização ao Tribunal para o fazer.

L- Tendo em conta que, conforme é referido no Ac. Do TRP de 29.04.2021 “o regime do maior acompanhado introduziu no sistema jurídico português uma mudança de paradigma e uma nova filosofia no estatuto das pessoas até então tidas como portadoras de incapacidade, o qual passou a centrar-se exclusivamente na defesa dos interesses das mesmas, quer ao nível pessoal, quer ao nível patrimonial, reduzindo a intervenção ao mínimo possível, isto é, ao necessário e suficiente a garantir, sempre que possível, a autodeterminação e a capacidade da pessoa maior com limitações relevantes.”, não se compreende porque se limita a autorização do acompanhante, para movimentar mensalmente a conta bancária da requerida, ao valor do salário mínimo nacional, para com tão frugal e espartano montante, suprir todas as despesas desta última.

M- Ora atendendo aos valores de 388 mil euros que tem depositados, bem como ao que recebe mensalmente, 504 euros, o Tribunal parece ter atendido aos interesses dos filhos que querem não só a herança a que têm direito mas os bens próprios da recorrente enquanto viva e não...

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