Acórdão nº 11484/21.3T8LRS.L1-8 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 12 de Maio de 2022

Magistrado ResponsávelCARLA MENDES
Data da Resolução12 de Maio de 2022
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Decisão Texto Parcial:


Acordam na 8ª secção cível do Tribunal da Relação de Lisboa A [ Francisco ….] intentou no Cartório Notarial de Loures, inventário para partilha de bens por óbito de B [ Maria de Lurdes …..] e marido C [ Fernando .... ] (cumulação de inventários).

Em 17/11/2016, foi prestado compromisso de honra e declarações pelo cabeça-de-casal tendo por ele sido dito ser o único herdeiro dos falecidos, indicando como bens o recheio da casa e o imóvel sito na Rua Dr. …, nº …, 1º, em Loures, declarando ter sido efectuada uma doação pelos inventariados a favor do cabeça-de-casal e de D [ Maria Amélia …… ] (adopção restrita), pretendendo a redução por inoficiosidade da doação, em virtude da donatária, Maria Amélia, não ser herdeira legitimária e a parte que lhe compete na doação ser muito superior à quota disponível - fls. 14 e sgs.

E [ Maria …… Almeida] , filha adoptiva (adopção restrita, em 26/6/68) dos inventariados reclamou da relação de bens, no respeitante ao imóvel (verba nº 2), pretendendo a sua subtracção da relação de bens.

Sustentou que, em 4/8/88, os inventariados doaram aos seus dois filhos, por força da quota disponível, com dispensa de colação, o prédio indicado.

O cabeça-de-casal, maior, aceitou e consentiu na doação, consentimento esse que operou como renúncia expressa ao direito de exigir a redução pela eventual inoficiosidade da doação (facto extintivo do direito).

Além do mais, durante todos estes anos, nunca o cabeça-de-casal se insurgiu/manifestou contra os termos da doação pelo que, ao solicitar a redução por inoficiosidade, age em abuso do direito.

Acresce que o imóvel é composto por r/c, residência do cabeça-de-casal com a sua família e 1º andar, residência da requerida e família, ambos de utilização independente.

Antes da doação, em 1988, já a requerida/interessada aí residia, pelo que se concluísse pela inoficiosidade da doação, a sua posse confere-lhe o direito à aquisição da parte reduzida por usucapião.

Concluiu solicitando a suspensão da tramitação do processo, ex vi art. 16/1 RJPI, devendo as partes ser remetidas para os meios comuns e, caso assim se não entendesse, deverá ser recusado o pedido de redução por inoficiosidade – fls. 18 e sgs.

Na resposta, o cabeça-de-casal concluiu como na p.i., aditando as verbas 3, 4 e 5 como valor dos depósitos à data da morte dos inventariados e do recebimento do subsídio de funeral e duas verbas do passivo, valores pagos por si, sustentou que compete ao Cartório Notarial colocar termo à comunhão hereditária, através do processo de inventário – fls. 22 e sgs. e 40 e sgs.

A Sra. Notária, 13/10/19, após audição de testemunhas, deferindo parcialmente a reclamação à relação de bens, considerou, para efeitos de liquidação, como fazendo parte do acervo hereditário, além das verbas constantes da relação de bens as verbas nºs 3 (depósito de valores na CGD, de € 547,92), nº 4 (depósito de valores junto do Banco Santander Totta S.A., de € 895,90), nº 5 (pagamento do reembolso de despesas do funeral, de € 1.257,66) e como passivo as verbas nº 1 (despesas como funeral do inventariado, de € 1353,00) e nº 2 (despesas de saúde do inventariado, de € 943,73).

Afastou o “consentimento” do cabeça-de-casal à doação feita pelos inventariados a D, como constituindo facto extintivo do direito, uma vez que aquele não consentiu na doação, nem o poderia ter feito por não ser titular da propriedade do bem doado, a validade do acto (doação a ambos) não depende de qualquer autorização ou consentimento legal, recíproco (ambas as doações) dos beneficiários.

O cabeça-de-casal é herdeiro legitimário dos inventariados, o que não sucede com D, assistindo aquele o direito de pedir a redução das liberalidades que ofendam a legítima, sendo o processo de inventário (pôr termo à comunhão hereditária) a sede para a sua apreciação – inoficiosidades de qualquer deixa testamentária ou de doação determinada pelo de cujus.

A redução por inoficiosidade não constitui abuso de direito, inexistindo lugar à aquisição por usucapio.

Não há lugar à remessa do processo para os meios comuns – fls. 52 e sgs.

D interpôs recurso do despacho da Sra. Notária que indeferiu a remessa do processo para os meios comuns, ex vi art. 16/4 RJPI, concluindo pela nulidade do processo de inventário por erro na forma de processo e, caso assim se não entenda, declarar-se a suspensão da tramitação do processo, remetendo-se as partes para os meios judiciais comuns até decisão definitiva – fls. 72 v e sgs.

Nas contra-alegações, o cabeça-de-casal pugnou pela confirmação da decisão - fls. 80 v e sgs.

A Sra. Notária, em 21/1/20, indeferiu o requerimento do recurso, ex vi art. 641/2

  1. CPC, sustentando que a questão suscitada pelo recorrente não se subsume ao normativo do art. 16/4 RJPI, tendo ainda sido suscitada fora do âmbito da reclamação apresentada, subsumindo-se o despacho de indeferimento a uma decisão interlocutória e, como tal, só recorrível nos termos do art. 76/2 RJPI – fls. 90 e sgs.

    O imóvel constante da relação de bens foi avaliado (perícia), perícia essa que foi objecto de reclamação, valor de € 564.000,00 – fls. 99 e sgs.

    Elaborado o mapa, em 14/10/20, coube ao herdeiro/cabeça-de-casal (quinhões e quota disponível) € 423.187,52 e à donatária a quantia de € 141.062,51, tendo sido doado à donatária D 1/ 2 da verba nº 2 no valor de € 282.000,00, excede o seu direito em € 1.410.937,49 – fls. 118.

    Em 5/1/21, foi proferido despacho que, face às contas constantes do mapa, considerou-se por verificada a inoficiosidade da doação de 1/ 2 da verba nº 2 à donatária D ; Igualmente verificado o facto da importância da redução a efectuar (€ 140.937,49) não exceder metade do valor da doação que ascende a € 282.000,00 e que o direito doado à donatária é indivisível (arts. 203 e 209 CC), o dito direito pertence integralmente à donatária (arts. 2174/2 in fine CC e 52/3 b) RJPI) ficando a mesma constituída na obrigação de pagar ao cabeça-de-casal a importância da redução, a qual ascende a € 140.937,49 – fls. 119.

    Reclamou a donatária do despacho concluindo pela rectificação do mapa, declarando-se a inexistência de qualquer inoficiosidade na doação da verba nº 2 – fls. 122 e sgs.

    Na resposta o cabeça-de-casal pugnou pela confirmação do mapa e despacho – fls. 124 e sgs.

    Em 14/5/21, a Sra. Notária indeferiu a reclamação efectuada pela donatária, fundamentando o seu despacho da seguinte forma: Consta da escritura da verba nº 2 – pela presente escritura (…) pelas forças da quota disponível (…) doam aos seus dois únicos filhos (…) em comum e em partes iguais… Resulta da declaração que a doação ao filho Francisco ….. também foi feita por conta da quota disponível, pelo que não pode ser aceite o entendimento segundo o qual teria sido vontade dos inventariados que a quota disponível das suas respectivas heranças revertesse exclusivamente a favor da reclamante.

    Assim afigura-se claro que os inventariados quiseram, expressamente, que as suas quotas disponíveis revertessem, em partes iguais, a favor de ambos os filhos.

    Destarte, a...

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