Acórdão nº 01637/21.0BEPRT de Tribunal Central Administrativo Norte, 13 de Maio de 2022

Magistrado ResponsávelRog
Data da Resolução13 de Maio de 2022
EmissorTribunal Central Administrativo Norte

EM NOME DO POVO Acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte: A VC--- S.A.

interpôs RECURSO JURISDICIONAL da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, de 09.02.2022, que julgou totalmente improcedente a acção administrativa de contencioso pré-contratual contra o Instituto da Segurança Social, I.P.

e em que indicou como Contra-Interessada, entre outras, a SO---, S.A.

, para anulação da deliberação do Conselho Diretivo do Instituto da Segurança Social, I.P. (ISS, I.P.), datada de 17.06.2021, de exclusão da proposta que apresentou e de adjudicação à proposta apresentada por esta Contra-Interessada, no concurso público com publicidade internacional para fornecimento de género alimentar “Bolacha Maria” no âmbito do Fundo de Auxílio Europeu às Pessoas Mais Carenciadas (FEAC).

Invocou para tanto, em síntese, que a decisão recorrida à revelia do facto provado sob o n.º 22, colocou em causa o texto da procuração e a sua suficiência, apesar de para o Júri do procedimento a procuração junta pela Autora conferir poderes a JP.... para vincular a Recorrente, embora, para si, existisse, erradamente, outra causa excludente, o que se traduz numa violação do princípio da separação de poderes, ao imiscuir-se o Tribunal a quo numa tarefa puramente administrativa como é a interpretação de uma procuração.

O Instituto da Segurança Social contra-alegou a defender a manutenção da decisão recorrida.

Também a Contra-Interessada apresentou contra-alegações, de igual modo no sentido do não provimento do recurso.

O Ministério Público neste Tribunal não emitiu parecer.

*Cumpre decidir já que nada a tal obsta.

* I - São estas as conclusões das alegações que definem o objecto do presente recurso jurisdicional: A. O Tribunal a quo entendeu que, assente a suficiência da assinatura dos documentos da proposta apenas no momento da sua submissão, a questão central se traduzia em saber se o teor da procuração e junta ao procedimento concursal através da plataforma electrónica permite concluir que a representada pelos dois outorgantes ali identificados, concedeu a favor da pessoa mencionada como seu representante, (I) poderes de representação da sociedade no procedimento pré-contratual em causa e (II) poderes para obrigar a sociedade representada”.

B. Convocando os critérios normativos previstos nos artigos 236.º a 238.º do Código Civil, o Tribunal a quo decidiu que não foram conferidos ao procurador que assinou os documentos da proposta e a submeteu na plataforma eletrónica de contratação pública, poderes para obrigar a recorrente, mas tão só para a representar ao nível da assinatura e submissão de documentos em plataformas eletrónicas, revelando-se, estes, insuficientes para vincular a recorrente, o que implica reconhecer que os documentos da proposta não foram assinados por representante legal com poderes para a vincular.

C. A recorrente não se conforma com a decisão proferida.

D. Com efeito, de acordo com os normativos citados pelo Tribunal a quo e nos quais assenta a decisão proferida, a procuração deve ser interpretada de acordo com o sentido que um declaratário normal, colocado na posição do real declaratário, possa deduzir do comportamento do declarante.

E. Conforme resulta do facto n.º 15, a recorrente atribuiu ao seu representante “os poderes necessários para, individualmente, em nome e por conta da Mandante, assinar e submeter documentos nas Plataformas Electrónicas”.

F. Atendendo ao sentido em que um declaratário normal, esclarecido, zeloso e sagaz, iria outorgar uma procuração com o sobredito texto, e tendo em consideração a finalidade da sua utilização, isto é, no contexto de procedimentos de contratação pública tramitados em plataformas eletrónicas, G. Forçosamente se tem que entender que a recorrente, ao conferir os poderes necessários para o seu representante assinar documentos e, sublinhe-se, quaisquer documentos no âmbito destes procedimentos, isto é, documentos da proposta, documentos de habilitação ou mesmo contratos em que a outorga decorra por meios eletrónicos, em plataformas, H. Quis que, com a sua assinatura, o seu procurador a vinculasse.

I. Caso assim não fosse, o texto da procuração não mencionaria os poderes para assinar documentos, mencionaria apenas os poderes para os submeter, sem prejuízo de se entender que a própria assinatura no momento da submissão é suficiente para vincular a mandante/recorrente.

J. Neste sentido, caso a recorrente não quisesse ter atribuído poderes ao seu procurador para, em seu nome, assinar documentos, esta teria, simplesmente, conferido poderes para submeter documentos nas Plataformas Electrónicas e não, como sucedeu, poderes para “assinar e submeter”.

K. De facto, a conjunção “e” indica, sem margem para qualquer dúvida interpretativa, que pela procuração em discussão foram atribuídos poderes para dois efeitos: 1) assinar documentos e 2) submeter documentos (em plataformas eletrónicas de contratação pública).

L. Porém, o Tribunal a quo coloca em causa se a procuração confere poderes para o representante apresentar propostas em nome da mandante e, através delas, obrigar ou vinculá-la.

M. Ora, sendo certo que foram atribuídos poderes para assinar e para submeter documentos em plataformas eletrónicas, certo é também que um declaratório normal, esclarecido, zeloso e sagaz não iria atribuir poderes a um seu representante para assinar documentos sem que essa assinatura o vinculasse.

N. Se assim não fosse, o efeito útil da atribuição de poderes para, “individualmente, em nome e por conta da Mandante” assinar documentos, seria nulo.

O. Se não, faça-se a seguinte pergunta: qual é o objetivo ou propósito de uma procuração que confere poderes para assinar documentos (e submeter os mesmos, isto é, proceder à sua apresentação ou envio) sem que essa assinatura vincule o mandante? P. Ou então: há procurações a atribuir poderes para, individualmente, em nome e por conta de, assinar sem que essa assinatura vincule o mandante? Q. Naturalmente que a resposta é negativa a ambas as questões.

R. A assinatura de um documento consiste numa das formas de manifestação da vontade negocial, e, por conseguinte, na celebração de um negócio jurídico.

S. Nessa medida, se o procurador, em nome e no interesse da mandante, assina, subscreve, uma determinada declaração negocial, essa declaração vincula o mandante e é esse o efeito jurídico pretendido.

T. Por outro lado, como referido, a procuração não discrimina os documentos que, no âmbito de procedimentos de contratação pública, podem ser assinados pelo procurador.

U. Nessa medida, caso a procuração particularizasse que o representante apenas estava mandatado para assinar os documentos de habilitação, naturalmente, das citadas normas de interpretação da declaração negocial não se podiam extrair poderes para assinar documentos da proposta.

V. Porém, o elemento literal, ponto de partida na interpretação da declaração negocial, não restringe os documentos abrangidos.

W. Assim, por maioria de razão, a expressão utilizada, ao contrário do que consta da sentença recorrida, não deixa qualquer dúvida quanto à conclusão pela abrangência dos poderes para a apresentação de propostas: se o procurador as pode assinar e submeter, pode, necessariamente, apresentar propostas e vincular o mandante com a sua assinatura.

X. Ademais, no domínio da Contratação Pública, quando a lei não faça exigências formais, designadamente e para o que ora importa, quanto ao texto que as procurações dos representantes dos concorrentes para efeitos do n.º 4 do artigo 57.º do CCP, deve observar-se o princípio do favor participationis, ou do favor do procedimento, que impõe que, em caso de dúvida, se deve privilegiar a interpretação da norma que favoreça a admissão do concorrente, ou da sua proposta, em detrimento da sua exclusão.

Y. O Supremo Tribunal Administrativo, mencionando-se, para o efeito, os acórdãos de 1911-2020, proferido no âmbito do processo n.º 185/19.2BEPDL (Relatora: Susana Tavares da Silva) e de 28-04-2021, proferido no âmbito do processo n.º 15/20.2BEFUN (Relator: Cláudio Ramos Monteiro), tem sido assertivo no seu entendimento quanto à matéria da interpretação das procurações neste contexto.

Z. Com efeito, no primeiro dos referidos acórdãos, a procuração em discussão nos autos tem o seguinte texto: “poderes para negociar, enviar propostas e outorgar contratos”.

AA. Por seu turno, a procuração em discussão nos autos do segundo acórdão referido tem o seguinte texto: “poderes para negociar propostas de contratos, para proceder ao seu envio e para outorgar os contratos referidos na indicada procuração”.

BB. Em ambos os acórdãos, o Supremo Tribunal Administrativo afirma que, estando em causa um problema de interpretação das procurações, isto é, de determinação da amplitude dos poderes conferidos ao procurador, é necessário convocar as regras de interpretação dos negócios jurídicos estabelecidas nos artigos 236.º e 238.º do Código Civil e que o n.º 4 do artigo 57.º do CCP não exige que os poderes de assinatura da proposta tenham que ser referidos em termos expressos e explícitos no respetivo mandato, limitando-se a exigir que a proposta seja assinada por quem tenha poderes para obrigar o concorrente.

CC. O Supremo Tribunal Administrativo defende ainda que quem tem poderes para negociar propostas, enviar/submeter propostas, ou para outorgar contratos, tem também poderes para assinar propostas, vinculando o mandante, ainda que a procuração não o refira textualmente.

DD. Ora, as procurações em discussão naqueles autos nem previram expressamente o poder de assinar documentos e o Supremo Tribunal Administrativo julgou, apesar disso, em ambos os casos, que entre os poderes conferidos na procuração se compreendia o poder para assinar documentos da proposta.

EE. Segundo o que se pode ler nos sobreditos acórdãos, a existência desse poder é inferida através da aplicação das regras de interpretação dos negócios...

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