Acórdão nº 02676/21.6BEPRT de Tribunal Central Administrativo Norte, 13 de Maio de 2022

Magistrado ResponsávelMaria Fernanda Antunes Apar
Data da Resolução13 de Maio de 2022
EmissorTribunal Central Administrativo Norte

Acordam, em conferência, na secção de contencioso administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte: RELATÓRIO RO...

, casada, cidadã de nacionalidade Brasileira, natural de Brasília, residente na Rua (…), contribuinte fiscal n.º (…), portadora do Passaporte n.º (…), emitido em 02.02.2017, pela República Federativa do Brasil, válido até 01.02.2027, instaurou contra o MINISTÉRIO DA ADMINISTRAÇÃO INTERNA e a PRESIDÊNCIA DO CONSELHO DE MINISTROS, SERVIÇO DE INFORMAÇÕES DE SEGURANÇA, Intimação para a protecção de Direitos, Liberdades e Garantias, pedindo a condenação do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras a i) deferir o seu pedido de autorização de residência para investimento e emitir o título de residência num prazo máximo de 10 dias e, ii) caso se entenda não estarem reunidos os pressupostos da intimação, emitir e entregar à requerente um título de residência provisório que lhe permita permanecer, entrar e sair do território nacional sem quaisquer obstáculos.

Por despacho de fls. 745 e ss. do SITAF, foi a Autora notificada para substituir a p.i. apresentada por requerimento de adopção da providência cautelar, nos termos do artigo 110.º-A, n.º 1, do CPTA, visto não estarem preenchidos os pressupostos da intimação para a protecção de direitos, liberdades e garantias, previstos no n.º 1 do artigo 109.º do CPTA.

Em cumprimento do despacho referido, a Autora requereu a adopção de providência cautelar de “reconhecimento, provisório e até ao trânsito em julgado da decisão definitiva, do pedido de autorização de residência para o investimento, apresentado pela requerente e a condenação do SEF a emitir e entregar à requerente um título de residência provisório que a permita permanecer, entrar e sair do território nacional sem quaisquer obstáculos”.

Por sentença proferida pelo TAF do Porto foi decidido assim: a) julgar procedente a excepção de ilegitimidade processual da requerida Presidência do Conselho de Ministros e, em consequência, absolvê-la da instância; b) julgar improcedente o presente processo cautelar e, em consequência, absolver do pedido o requerido Ministério da Administração Interna.

Desta vem interposto recurso.

Alegando, a Requerente formulou as seguintes conclusões: A. A douta sentença recorrida padece, com o devido respeito, de nulidades que importa invocar em sede recursiva.

B. Desde logo, o despacho que antecedeu a sentença e pelo qual o tribunal a quo veio recusar a produção da prova requerida pela Recorrente, encontra-se desprovido de qualquer fundamentação suficiente para que se possa aceitar (ou entender) a decisão do Tribunal – assim se violando o disposto no n.º 5 do artigo 118.º do CPTA.

C. A sentença recorrida incorreu também em nulidade adjetiva relevante e em omissão de pronúncia porquanto se absteve de conhecer e proferir decisão sobre os factos alegados pela aqui Recorrente no seu requerimento cautelar – mormente, os alegados nos artigos 47.º, 48.º, 53º a 59.º, 63.º a 99.º - e que deveriam forçosamente ter sido apreciados e conhecidos pelo Tribunal no seu julgamento de facto – assim se violando o disposto no artigo 615.º, n.º 1, alíneas b), c) e d) do CPC.

D. Omitem-se os factos que não foram dados por provados… E. … e merecerá também reparo a sentença recorrida no plano da sua fundamentação porque dela se omite por completo a valoração crítica da prova que terá sido determinante para a boa decisão da causa.

F. Tudo para se dizer, logo liminarmente, que a douta sentença padece das indicadas nulidades.

G. Também no plano do mérito, errou a sentença, ao desconsiderar por completo os vícios assacados ao ato pelo qual veio o SEF negar à Recorrente o seu direito a obter uma autorização de residência.

H. A sentença recorrida assumiu, assim, na perspetiva da Recorrente, uma visão amplamente redutora dos direitos fundamentais em tutela e que nos parece profundamente questionável.

I. É inequívoco que nestes autos pretende efetivar-se uma defesa direta dos seguintes direitos, liberdades e garantias da Recorrente: o direito ao desenvolvimento da personalidade, bem como o direito à capacidade civil (cf. artigo 26.º da CRP), o direito à liberdade (cf. artigo 27.º da CRP); o direito à integridade psíquica (cf. artigo 25.º da CRP), o princípio da equiparação dos estrangeiros, consagrado no art.º 15.º, n.º 1, da CRP, o direito a um procedimento justo e equitativo (cf. artigo 20.º da CRP); o direito a uma decisão que cumpra o dever de fundamentação dos atos administrativos (cf. artigo 266.º, n. º 2 da CRP), o princípio da presunção da inocência (cf. artigo 32.º da CRP); o direito à estabilidade no trabalho – cf. 47.º e 58.º da CRP; o direito fundamental à livre circulação.

J. Direitos e liberdades jus-fundamentais que foram direta e inequivocamente atingidos pela decisão de indeferimento do pedido de autorização de residência da Recorrente, por força dos vícios que se seguem.

K. Comecemos a este propósito por notar que o Tribunal parte de um equívoco manifesto quando vem dizer que a Recorrente não colocou em causa a legalidade do caráter confidencial da informação do SIS. Na verdade, a partir do momento em que os “fundamentos” da decisão do SEF se escoram na “informação classificada” resulta dessa relação, assim determinada e incorporada pelo SEF, uma integração direta da fundamentação no ato sindicado nestes autos, nos termos claros do artigo 153.º, n.º 1 do CPA.

L. É, por isso, completamente falacioso, dizer que a Recorrente não colocou em causa tal classificação ou informação, sendo certo que, com tal conclusão, o Tribunal a quo viola o artigo 153.º/1 do CPA.

M. Errou também o Tribunal no juízo que expendeu a respeito da apreciação do vício resultante da preterição do direito de audiência prévia do Recorrente.

N. Na verdade, não se pode aceitar, nem entender, a conclusão do Tribunal quando afirma sobre este ponto – cf. pp. 24 e ss. da douta sentença – que: «tal direito foi assegurado no procedimento…» O. Com efeito, é inequívoco que não foi cumprida a fase de audiência prévia contanto que o CPA é explícito na imposição dos elementos que devem ser dados a conhecer para o exercício de tal direito, como serão, desde logo, «… o projeto de decisão e demais elementos necessários para que os interessados possam conhecer todos os aspetos relevantes para a decisão, em matéria de facto e de direito, indicando também as horas e o local onde o processo pode ser consultado.

» - cf. n.º 2 do artigo 122.º do CPA.

P. No caso vertente, tal disposição foi claramente violada pelo entendimento da sentença recorrida, pois não foi transmitido à Recorrente pois esta desconhece, até à presente data, quais as razões de segurança que obstarão ao seu pedido de autorização de residência.

Q. Realce-se, ademais, que o direito de audiência prévia é, à face da lei, a regra em qualquer procedimento administrativo e só em casos muito excecionais a lei consente na sua dispensa. Concretamente, os casos de dispensa de audiência dos interessados encontram-se tipificados no artigo 124.º do CPA, sendo absolutamente apodítico que não consta em nenhum dos casos aí enumerados qualquer norma habilitante que permitisse ao SEF dispensar a realização da mesma neste caso.

R. Do que resulta que não estava sequer à face da lei o SEF habilitado a dispensar tal fase procedimental essencial.

S. De resto, cremos que a fase da audiência prévia era aqui de imperativa realização pois que, estando em causa o exercício de uma liberdade jus-fundamental da Recorrente e o direito a um procedimento justo e equitativo, a negação do direito de audiência prévia equivaleu in casu à violação de direitos fundamentais da Recorrente, com a consequente nulidade do procedimento e de qualquer decisão final aí exarada.

T. Ora, para excluir a conclusão antecedente e que, como se viu, se ampara na letra e no espírito da lei, pretende o Tribunal a quo na sentença recorrida justificar o modo como foi cumprida (ou, melhor dizendo, omitida!) a fase de audiência prévia com a circunstância de a informação ser confidencial e de, perante tal qualificação, o SEF não estar legalmente obrigado a transmiti-la à Recorrente.

U. Com o devido respeito, tal interpretação edifica uma narrativa que não se compadece minimamente com a plena proclamação da garantia fundamental do direito de audiência prévia e, em casos com esta natureza, de verdadeiro direito de defesa.

V. Efetivamente, se o fim legal da audiência prévia é o de proporcionar aos interessados a possibilidade efetiva de se pronunciarem sobre o projeto de decisão, para isso, os destinatários da mesma devem conhecer na plenitude todos os aspetos que foram relevantes para a decisão, nas matérias de facto e de direito. Daí que, no caso vertente e embora o Tribunal a quo venha negá-lo, não oferece a menor dúvida que os motivos reais para o indeferimento nunca tenham sido dados a conhecer à Recorrente.

W. Como se viu acima, a lei (no CPA) consagra os termos da dispensa da audiência prévia em moldes absolutamente excecionais daí que não possa o SEF erigir novos casos, nela não previstos, para pura e simplesmente denegar um direito procedimental tão fundamental para a Recorrente.

X. Portanto, se a lei, como diz o Tribunal a quo, habilita o SEF a não divulgar a informação confidencial, é essa mesma lei, a não permitir ao SEF dispensar a fase da audiência prévia no caso vertente, impondo-lhe, em termos bem claros, que notificasse à Recorrente os fundamentos concretos e específicos para o indeferimento da sua pretensão.

Y. Tal não tendo ocorrido – ou, tendo ocorrido em direta violação da lei e por recurso a chavões conclusivos como “razões de segurança” –, torna-se evidente que a audiência prévia foi aqui completamente precludida, com a consequente conclusão de que foram assim violados pelo SEF e pela sentença recorrida os artigos 121.º, 122.º e 124.º do CPA.

Z. No mesmo erro incorreu a sentença recorrida, agora por violação dos artigos 10.º e 38.º do CPA, já que os autos elegem que tais normativos e o princípio da boa-fé...

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