Acórdão nº 02303/11.0BEPRT de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 18 de Maio de 2022

Data18 Maio 2022
Órgãohttp://vlex.com/desc1/1541_01,Supremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam os juízes da secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo: A………… – SOCIEDADE GESTORA DE PARTICIPAÇÕES SOCIAIS, S.A., (doravante, “A…………” ou “Recorrente”), tendo sido notificada do Acórdão de 11 de Março de 2021, proferido pelo Tribunal Central Administrativo Norte (doravante, apenas, o TCA Norte), constante de fls., e com ele não se conformando, vem do mesmo interpor RECURSO DE REVISTA, o que faz, nos termos previstos no artigo 285.º do Código de Procedimento e Processo Tributário (CPPT), na redacção dada pela Lei n.º 118/2019, de 17/09, desde logo, por considerar que está em causa a apreciação de questões que, pela sua relevância jurídica e social, se revestem de importância fundamental, e porque, em qualquer caso, a admissão do recurso é claramente necessária para uma melhor aplicação do direito.

Alegou, tendo concluído: A. A presente revista visa submeter à apreciação desse ilustre Tribunal, nos termos do artigo 285.º do CPPT, a seguinte questão: se, quanto à desconsideração do proveito extraordinário apurado por efeito da concretização de uma operação de cessão de créditos futuros para titularização, é conforme à lei a interpretação ditada pelo acórdão recorrido, de acordo com a qual i) não será de considerar como verdadeira e plena, nos termos e para os efeitos do n.º 6 do artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 453/99, de 5 de Novembro, a cessão de créditos futuros em cujo contrato que a titula se estipulam mecanismos de reposição de activos e de ajustamento de preço, e se prevê que se mantenha a cargo do cedente a cobrança dos créditos cedidos, e se essas soluções, em abstracto e em concreto, determinam que permaneçam na esfera da cedente os créditos futuros cedidos; e, por conseguinte, ii) não cabendo naquele regime, não se lhe aplica o regime fiscal das operações de titularização de créditos, introduzido pelo Decreto-Lei n.º 219/2001 de 4 de Agosto, caindo, assim, no regime geral de IRC, com a consequente especialização dos proveitos.

  1. Resulta clara e inequívoca a importância fundamental da análise desta questão nesta sede, mormente em face da sua inquestionável relevância jurídica e social.

  2. Esta é uma questão de complexidade jurídica superior ao comum em razão da dificuldade das operações exegéticas que cumpra efetuar, no contexto de um enquadramento normativo particularmente complexo e em que há, em concreto, a necessidade de compatibilizar diferentes regimes potencialmente aplicáveis e se exija ao intérprete e ao julgador complexas operações de natureza lógica e jurídica indispensáveis à resolução das questões suscitadas.

  3. A titularização de créditos (“securitização”, de acordo com o anglicismo aplicável) é um dos mais relevantes sectores da indústria financeira mundial.

  4. Em Portugal, à imagem do que acontece no mundo e em particular na Europa, esta é uma indústria que tem crescido exponencialmente nas últimas décadas, mormente desde a introdução do Decreto-Lei n.º 453/99, de 5 de Novembro.

  5. A relevância deste mecanismo e as repercussões que a interpretação sustentada pelas instâncias poderá ter no sistema financeiro, não deixam margem de dúvida sobre a relevância social fundamental deste instrumento de financiamento da economia e, por conseguinte, da questão concreta em análise, que se pretende ver revista, sendo esta uma questão estruturante para a definição do regime legal que enquadra as operações de cessão de créditos futuros para titularização.

  6. Assim, analisar em sede de revista se se deve considerar como verdadeira e plena, para efeito de enquadramento no regime legal (especial) vigente (Decreto-Lei n.º 453/99, de 5 de Novembro) – e consequente aplicação do regime fiscal especial –, a cessão de créditos futuros para titularização em cujo contrato que a titula se estipulam mecanismos de reposição de activos e de ajustamento de preço e se prevê que se mantenha a cargo do cedente a cobrança dos créditos cedidos (mesmo sabendo que, em concreto, o dito mecanismo de reposição de créditos nunca foi utilizado), e, ainda, se essas soluções, aplicadas à luz das regras do sector, em abstracto e em concreto, determinam que permaneçam na esfera da cedente os créditos futuros cedidos, pelo seu carácter inovador e definidor, consubstancia, de forma paradigmática, a necessidade de apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se reveste de importância fundamental e que, por isso, se enquadra no âmbito do artigo 285.º.

  7. Pelo carácter fracturante da interpretação colhida no acórdão objecto de revista, a análise da questão impõe-se como uma irrenunciável exigência de clarificação, sendo esta a primeira vez que o STA é chamado a pronunciar-se, nesta sede, sobre a mesma, pelo que, também por isso, sempre será de admitir a revista.

    I. A relevância jurídica da questão resulta, ainda, da ligação intrínseca entre a interpretação e aplicação de quadros normativos de outra área de direito, em concreto, o direito civil e a subsunção, daí, para aplicar normas fiscais especiais.

  8. A existência de um acórdão do STJ sobre a questão civilística abordada pela decisão objecto de revista de forma contraditória, reforça a necessidade de admissibilidade da presente revista (cfr. a este propósito, o Acórdão do STA, no processo n.º 0237/11, de 26/04/2011, disponível em www.dgsi.pt).

  9. Quanto à interpretação do n.º 6 do artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 453/99, de 5 de Novembro, e daquilo que se deve considerar como sendo uma cessão de créditos futuros verdadeira e plena, com os efeitos fiscais daí resultantes, estamos, claramente, perante uma questão extremamente complexa, com ressonância em vários casos e com previsível recorrência no futuro, pelo que se impõe uma análise estabilizadora em sede de revista.

    L. Pelo peso jurídico e social da questão, pelo carácter inovador já evidenciado e por haver, salvo melhor opinião, um claro desacerto na interpretação assumida pelo tribunal a quo quanto à matéria em análise, entendemos que quanto à questão da cessão de créditos futuros para titularização se exige a admissão da revista “…para uma melhor aplicação do direito…”, uma vez que a questão, nos termos do já citado acórdão do STA, de 10 de Setembro de 2014, foi tratada pelo tribunal recorrido de forma pouco consistente e contraditória, com recurso a interpretações insólitas, ou por aplicação de critérios que aparent[a]m erro ostensivo, impondo-se, assim, a intervenção uniformizadora do STA.

  10. Por fim, a necessidade da melhor aplicação do direito, em concreto, resulta ainda da necessidade de proteger a congruência do sistema jurídico e das instituições que o integram, uma vez que não se pode desconsiderar que a operação em análise foi analisada e previamente validada por várias entidades públicas, gerando legítimas expectativas de conformidade nos seus intervenientes e nos demais operadores do mercado, em concreto, num contexto de mercado particularmente adverso e depois de auscultadas e de consideradas as posições de várias entidades...

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