Acórdão nº 8910/17.0T9PRT.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 11 de Maio de 2022
Magistrado Responsável | MARIA JOANA GRÁCIO |
Data da Resolução | 11 de Maio de 2022 |
Emissor | Court of Appeal of Porto (Portugal) |
Proc. n.º 8910/17.0T9PRT.P1 Tribunal de origem: Tribunal Judicial da Comarca do Porto – Juízo de Instrução Criminal do Porto – Juiz 2 Acordam, em conferência, na 1.ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto I. Relatório No âmbito do Inquérito n.º 8910/17.0T9PRT, a correr termos na 9.ª Secção do DIAP do Porto, por despacho de 04-06-2021, foi determinado o arquivamento dos autos iniciados com a denúncia apresentada por AA, na qualidade de sócia gerente da empresa D..., Lda, contra BB, por se ter entendido que das diligências probatórias realizadas não resultaram indícios suficientes de que a arguida tenha praticado os factos denunciados.
*Por requerimento de 30-04-2021, veio AA requerer a sua constituição como assistente e a abertura de instrução.
*Por despacho de 07-07-2021, a Senhora Juiz de Instrução do Juízo de Instrução Criminal do Porto, Juiz 2, não admitiu a constituição da queixosa como assistente e, consequentemente, por inadmissibilidade legal, não recebeu o requerimento para abertura da instrução.
*Inconformada, a queixosa AA interpôs recurso desta decisão, solicitando a respectiva revogação e a sua substituição por uma outra que lhe reconheça legitimidade para requerer a abertura da instrução.
Apresenta em apoio da sua posição as seguintes conclusões da sua motivação (transcrição): «1.
O presente processo iniciou-se com a denuncia de factos que consubstanciam, no entender da ofendida, a prática de um crime de abuso de confiança por parte da arguida, p. e p. pelo artigo 205º do CPP.
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A ofendida constituiu a sociedade D..., Lda em 29/10/2009 com a atividade principal de representação de marcas têxteis, sendo que, posteriormente, a arguida passou a deter parte do capital social da sociedade e a exercer funções na qualidade de trabalhadora dependente da D... e, de seguida, como gerente da sociedade.
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A arguida cessou funções de gerente em março de 2017, tendo sido a ofendida nomeada gerente em sua substituição, tendo feito a denuncia na dupla qualidade de sócia e gerente da D..., e como forma de proteção dos seus próprios interesses e os da sociedade.
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A legitimidade para a constituição de assistente deve ser aferida na valoração casuística da possibilidade de ao mesmo tempo ser também imediatamente protegido um interesse passível de ser materializado num sujeito concreto.
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Acontece que, deverá ser dada relevância além do elemento literal, sendo uma tendência da sociedade uma maior proteção e participação processual da “vítima” no âmbito do processo penal.
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Nos crimes de abuso de confiança o bem jurídico “particularmente” visado é património social, sendo de realçar um outro elemento que também entra na conformação do bem jurídico tutelado pelo crime sub judice, ou seja, a relação de confiança existente entre o agente e o proprietário da coisa ou entre o agente e a própria coisa, e que o agente viola com o crime.
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Ora, o abuso de confiança é um crime contra o património que afeta indubitavelmente os sócios da sociedade D..., como a ofendida, pois que a mesma lesada de forma a ser quase impossível a manutenção da sua atividade, sendo que era esta a fonte de rendimento e atividade profissional da ofendida.
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Até porque, esta foi uma sociedade constituída pela ofendida tendo sido esta sempre titular do respetivo capital social, tendo convidado a arguida para fazer parte do seu projeto de empresa, primeiro na qualidade de sócia e depois mesmo de gerente.
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Existindo, assim, uma manifesta relação de confiança entre as sócias da sociedade, confiança essa que foi manifestamente violada pela arguida com o comportamento da mesma melhor descrito na denúncia e no requerimento de instrução.
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Por outro lado, como se disse acima e resulta dos autos, a ofendida foi nomeada gerente da D... em março de 2017, sendo, desta forma, a legitima representante da empresa e dos respetivos interesses patrimoniais.
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Desta forma, existe um interesse determinado da ofendida coincidente com o interesse que a norma pretende proteger.
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Assim, e dado o bem jurídico da confiança bem como os interesses patrimoniais, serem protegidos pelo legislador, não se deve negar à ofendida que foi atingida e prejudicado pelos comportamentos do arguido que preenchem cabalmente a norma incriminadora supra mencionada, a legitimidade para requerer a abertura de instrução.»*A arguida BB respondeu ao recurso, pronunciando- se no sentido da sua improcedência.
*O Ministério Público junto do Tribunal recorrido respondeu ao recurso, pugnando igualmente pela respectiva improcedência e pela manutenção do despacho recorrido.
*A Senhora JIC manteve o despacho recorrido.
*Neste Tribunal da Relação do Porto, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer onde sufragou o entendimento do Ministério Público junto do Tribunal recorrido, defendendo igualmente a improcedência do recurso.
*II. Apreciando e decidindo: Questões a decidir no recurso É pelas conclusões que o recorrente extrai da motivação que apresenta que se delimita o objecto do recurso, devendo a análise a realizar pelo Tribunal ad quem circunscrever-se às questões aí suscitadas, sem prejuízo do dever de se pronunciar sobre aquelas que são de conhecimento oficioso[1].
A única questão que a recorrente coloca à apreciação deste Tribunal de recurso é a de saber se lhe deve ser reconhecida legitimidade para se constituir...
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