Acórdão nº 362/22 de Tribunal Constitucional (Port, 12 de Maio de 2022

Magistrado ResponsávelCons. Lino Rodrigues Ribeiro
Data da Resolução12 de Maio de 2022
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 362/2022

Processo n.º 103/22

3.ª Secção

Relator: Conselheiro Lino Rodrigues Ribeiro

Acordam, em conferência, na 3.ª Secção do Tribunal Constitucional

I - Relatório

1. Nos presentes autos, vindos do Tribunal da Relação de Lisboa, em que é recorrente A. e recorrido o Ministério Público o primeiro veio interpor recurso de constitucionalidade, ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro (LTC), do acórdão proferido por aquele tribunal no dia 15 de abril de 2021, que se pronunciou sobre a reclamação deduzida pelo arguido relativamente ao acórdão proferido pelo mesmo tribunal no dia 11 de março de 2021, que negou provimento ao recurso pelo mesmo interposto da decisão da 1.ª instância que, para o que aqui mais releva, o condenou numa pena de 6 (seis) anos de prisão pela prática em coautoria material de um crime de tráfico de estupefacientes.

2. O recurso de constitucionalidade apresenta o seguinte teor:

«A., coarguido, inconformado com o douto acórdão com a referência 16844282, datado de 15/04/2021, vem, dele interpor recurso para o Tribunal Constitucional, posto que a ratio decidendi do indeferimento da reclamação que interpôs (segundo o aviso dele arguido), nos termos do disposto nos artigos 4º, 380º/1 do CPP e 616.º/2/a do CPC , residiu na interpretação deste segmento legal, ao contrário do que impõe o artº 1º e 20/4 da CRP, no sentido de não permitir em processo penal, a Reclamação por erro palmar de julgamento, com a finalidade de poder ser atingida uma melhor e mais perfeita justiça do caso.

O Recorrente, alegou esta infração ao due process of law, nos números da questão prévia que levou à justificação do pedido de reforma do Acórdão, nos pontos 11 a 13 da peça.

Está por conseguinte em causa, a constitucionalidade do artº 380/1 do CPP, quando entendido, como foi pelo acórdão recorrido, como instituindo um sistema fechado sem abertura ao artº 4º do CPP, das modalidades de impugnação das decisões penais.

O recorrente, pede vénia para discordar entretanto da opinião levada ao acórdão recorrido com base na decisão do que tomou o Tribunal Constitucional no seu acórdão 359/1999.

Com efeito, o citado acórdão não faz jurisprudência obrigatória, e a argumentação do recorrente seguirá um modelo diferenciado, de argumentos que não foram utilizados no recurso não recebido então.

Por outro lado, o recorrente na parte final da reclamação, pontos 33º a 35º que o julgamento (inimpugnável), por íntima convicção do Juiz de 1ª Instância contraria o princípio constitucional da recorribilidade em pelo menos 1 grau, retirado do conjunto de artigos, que nos direitos e liberdades fundamentais se referem ao processo penal - artigos, 1º, 20/4, 32/1.2 da CRP.

Arguiu a correspondente inconstitucionalidade, mas no acórdão recorrido consta apena sobre o tema o seguinte:"... não é este o meio próprio para suscitar tal questão, mas sim o recurso para o Tribunal Constitucional".

Põe-se por conseguinte o problema de saber se o recorrente está em tempo de no presente recurso, fazer valer o argumento da inconstitucionalidade do artº 412 do CPP, na vertente de impedir o recurso por indocumentação (segundo a natureza das coisas), aplicado como o aplicou o acórdão reclamado, e ao artº 129º CPP, conjugados, isto é, conferindo-lhe o sentido normativo, de impedir o recurso pelo menos de 1º grau, da decisão fundada pelo tribunal na intima convicção dos julgadores.

O recorrente entende que sim, que está em tempo, porque a reclamação, ainda que indeferida, faz remontar o trânsito da sentença reclamada, para a data e tempo do acórdão que veio a considerar que ela reclamação não cabia (tema inicial desta interposição de recurso para o Tribunal Constitucional).

Logo, o recorrente argui, aqui, também, contra o acórdão reclamado, esta inconstitucionalidade do modo de concretização decisória do julgamento (irrecorrível) por intima convicção do juiz, alegada segundo o formalismo e ainda aberta ao conhecimento de (in) constitucionalidade.

V. Ex.a, receberá este recurso, interposto ao abrigo dos disposto do art.º 70º/1.b), 72º/1-b) e 75º/1 e 75-A/1.2 LTC, que subirá nos próprios autos, imediatamente, e com o efeito suspensivo que é do lei.»

3. A referida reclamação, deduzida pelo arguido relativamente ao acórdão proferido pelo tribunal recorrido no dia 11 de março de 2021, apresenta o seguinte teor:

«A., coarguido, com os demais sinais dos autos da epígrafe, notificado do acórdão de 11/03/2021, vem, ao abrigo do disposto no art.º 616.º/2/a do CPC ex vi art.º 4º do CPP, pedir a reforma do mesmo, por erro manifesto da identificação do problema de facto e de direito levado à minuta do recurso que interpôs.

Alega:

I - Questão prévia

1. Tem sido proposta, como solução exclusiva de processo penal, que o acórdão não é reclamável senão no sentido do disposto no art.º 380.º/1 do CPP.

2. Esta disposição contempla, no entanto, apenas o tradicional pedido de esclarecimento das sentenças, como bem se vê do n.º 2 do preceito, integrando a problemática requerida no mero campo dos recursos.

3. Desta forma, em paralelo com o que sucede em processo civil.

4. Porém, e sendo certo que em processo civil também não era conhecida outra figura que não a do pedido de esclarecimento, com a entrada em vigor da reforma do antigo CPC (introduzida pelo DL 329-A/95, de 12/12) foi criada, tomando corpo legislativo no art.º 669.º/2.

5. A partir de então, a teoria processual passou a admitir a válvula de escape de reclamação contra erro palmar do juiz.

6. Ora, o CPP, entrado em vigor pelo DL 78/87, de 17/02, remete no art.º 4.º para um preenchimento de lacunas através da subsidiariedade do processo civil.

7. À data de entrada em vigor do CPP, na verdade, ainda não era conhecida o remédio legal da reclamação a que alude, hoje, o art.º 616.º/2/a do CPC, em tudo idêntica à que foi introduzida pela reforma processual de 1995.

8. Assim, esta inovação, perante a fórmula geral do art.º 4.º do CPP, identificou de imediato uma lacuna processual-penal.

9. E, em face deste percurso histórico-legislativo, não é possível defender, de um ponto de vista de uma correta metodologia jurídica, que atualmente o art.º 380.º/1 do CPP encerra todo o campo da discordância das decisões penais, mesmo que irrecorríveis.

10. Este o argumento histórico-sistemático, mas pode e deve argumentar-se do ponto de vista constitucional.

11. No art.º 20.º/4 da CRP é estabelecido o direito fundamental ao due process of law que pressupõe uma base consolidada e igual dos debates judiciários.

12. Por aqui, é inconstitucional a proibição de reclamar, frente a erro palmar do juiz, sustentado que seja apenas caberem, na reforma de sentença penal irrecorrível, os temas (i) de infringida estrutura formal e (ii) do erro, lapso, obscuridade ou ambiguidade cuja eliminação não importe modificação essencial.

13. Fica, desta forma, cristalina, alegada a inconstitucionalidade do art.º 380.º/1 do CPP, no sentido jurídico que lhe seja dado, em ordem a não caber reclamação ao abrigo do disposto nos artºs 4.º do CPP e 616.º/2/a do CPC.

II - A reclamação anunciada

14. A., coarguido, no recurso que interpôs para V. Ex.as alegou: (i) vício de tipicidade perante a matéria assente; (ii) vício de raciocínio probatório.

15. No que diz respeito ao primeiro dos vícios, defendeu o aqui reclamante que a circunstância de ter sido dado como não provado ter tido qualquer interesse comercial no estupefaciente que o coargudio B. transportou do Brasil para Portugal, era obstáculo determinante à integração pelos factos deste debate judiciário da prática do crime pp. no art.º 21.º do DL 15/93, de 22/01.

16. A este argumento respondeu o acórdão reformando que, tratando-se, no caso do tráfico de droga de um crime exaurido, o delito de empreendimento não era caso de não ter ocorrido a integração criminal, em face daquele não provado intento comercial, nem por motivo de o reclamante alguma vez ter tido mão no estupefaciente em causa.

17. Porém, um delito exaurido ou de empreendimento tem de seguir ponto por ponto a tatbestand incríminatória.

18. Ora, da descrição típica do "tráfico e outras atividades ilícitas", provinda do art.º 21.º do DL 15/93, de 22/01, são excluídas, neste caso concreto, as atividades "cultivar, produzir, fabricar, extrair, preparar, obedecer, puser à venda, vender, distribuir, ceder, proporcionar a outrem", conceitos precisos levados à redação legislativa.

19. Ficam-nos, pois, "comprar, receber, transportar, Importar, fazer transitar" estupefacientes.

20. "Comprar" tem de ser posto de lado, porque, da matéria assente, não resultam quaisquer elementos de onde se possa inferir uma transação aquisitiva, pré-ordenada pelo reclamante.

21. "Receber" e "importar" são requisitos objetivos do tipo que também não decorrem da matéria assente, a qual, no caso do reclamante, se lhe não refere, peio menos em consumação, como qualquer dos conceitos exige.

22. "Transportar" e "transitar", sem mais, tudo que nos resta nesta análise, também não corresponde a qualquer concreto ato, sequer de mandante, que a matéria assente descreva no comportamento apurado no julgamento do reclamante.

23. Aceitando de qualquer modo o ponto de vista teórico do crime de tráfico de estupefacientes como delito de empreendimento, ou crime exaurido, certo é que a matéria provada tem de conter esse primeiro ato, previsto e querido contra a lei, da parte do condenado.

24. Não é, neste caso, nada disso que resulta da matéria assente, a qual se refere a um financiamento de viagem e estadia, sem que impute à previsão e vontade do reclamante ter o perfil desse financiamento da viagem e estadia, expressa e expressivamente a figura de um primeiro ato, por exemplo, de "compra, recebimento, transporte, importação, trânsito" de estupefacientes.

25. Logo, a improcedência do...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT