Acórdão nº 374/22 de Tribunal Constitucional (Port, 12 de Maio de 2022

Magistrado ResponsávelCons. Mariana Canotilho
Data da Resolução12 de Maio de 2022
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 374/2022

Processo n.º 572/19

2.ª Secção

Relatora: Conselheira Mariana Canotilho

Acordam na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional:

I. Relatório

1. Nos presentes autos, vindos do Tribunal Administrativo e Fiscal de Aveiro, em que é recorrente o Ministério Público e recorrido A., foi pelo primeiro interposto recurso de constitucionalidade, ao abrigo do disposto na alínea a) do número 1, do artigo 70.º da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro, na sua atual versão (Lei do Tribunal Constitucional, adiante designada LTC), da sentença proferida naquele tribunal, em 17 de abril de 2019, que, sustentando-se na jurisprudência do Tribunal Constitucional exarada no Acórdão n.º 328/2018 (retificado pelo Acórdão n.º 447/2018), recusou a aplicação das normas constantes dos n.ºs 4 e 8 do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 59/2015, de 21 de abril.

2. No que ora releva, importa notar, em síntese, que o processo a quo teve origem em uma ação administrativa proposta pelo ora recorrido, em que pediu que o Fundo de Garantia Salarial fosse condenado a pagar determinados créditos salariais devidos pela sua entidade patronal, insolvente, decorrentes da cessação do respetivo contrato de trabalho.

A decisão recorrida sustentou o seguinte:

“os prazos do art. 2.º, n.ºs 4 e 8, do DL n.º 59/2015, de acordo com o art. 329.º do CC, são prazos que, a não serem cumpridos, determinam a caducidade do direito. O início da contagem do prazo que se afigura de caducidade, parece resultar da letra da lei e corresponderá ao momento a partir do qual a autora pode pedir ao Fundo o pagamento dos créditos laborais em dívida.

A insolvência do empregador pode, porém, de uma forma indireta, implicar a cessação dos contratos de trabalho, no caso de o processo de insolvência culminar com o encerramento total e definitivo da empresa ou do estabelecimento.

[…]

Com efeito, a existência de sentença de declaração de insolvência do empregador constitui requisito de pagamento ao trabalhador de créditos laborais pelo Fundo, mas não condiciona a apresentação do requerimento de pagamento.

[…]

E não faria sentido que, por um lado, previsse o pagamento pelo Fundo, com o objetivo de garantis um rápido acesso às prestações devidas, e depois sujeitasse o interessado à prévia obrigação de obter uma sentença judicial transitada em julgado como sua condição, decisão que amiudadas vezes demora alguns anos.

[…]

O que, no caso dos autos se avista ser incomportável, atendendo ao cotejo de passos, procedimentos, entre outros, que o autor teve que promover antes de poder requerer a insolvência da sua entidade patronal. Como que, no caso dos autos, a proceder a decisão do Réu, nos termos que a produziu, nunca o Autor poderia obter o pagamento dos seus créditos salariais que a Constituição e lei consagram.

[…]

Assim, e à semelhança da declaração de inconstitucionalidade do nº 8 do artigo 2º do novo regime do Fundo de Garantia Salarial, também o n.º 4 do artigo 2.º do mesmo regime se mostra materialmente inconstitucional, por ofensa de princípios do Estado de Direito, da igualdade e da preservação da justa remuneração, com os mesmos fundamentos decididos pelo Colendo Tribunal Constitucional no Acórdão n.º 328/18. Na verdade, assim decidido, e com a devida vénia aderindo-se aos fundamentos de tal Acórdão, por manifestamente violadora dos princípios da igualdade, certeza e segurança jurídica e da justa remuneração, serão de desaplicar as normas em causa ao caso concreto dos presentes autos” (fls 898-905, verso).

3. Perante tal decisão, que desaplicou as normas citadas pelos transcritos fundamentos de inconstitucionalidade, o Ministério Público apresentou requerimento de recurso obrigatório (fls. 910), que foi admitido pelo tribunal a quo.

Nesta sequência, distribuídos os autos no Tribunal Constitucional, por despacho de 18 de junho de 2019 (fls. 919-920), foi delimitado o objeto do recurso da seguinte maneira:

“O objeto do presente recurso, tal como enunciado no requerimento respetivo, incide sobre as normas dos n.ºs 4 e 8 do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 59/2015, de 21 de abril.

Relativamente ao n.º 4 do referido artigo, atendendo à necessidade de se verificar uma exata coincidência entre a ratio decidendi da decisão recorrida e o objeto do recurso, e tendo em conta que o tribunal a quo não enunciou a específica dimensão normativa dele extraída, é ainda possível delimitar o objeto do recurso vertente à norma contida no artigo 2.º, n.º 4, do Novo Regime do Fundo de Garantia Salarial, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 59/2015, de 21 de abril, na interpretação segundo a qual o Fundo apenas assegura o pagamento dos créditos previstos no n.º 1 do mesmo artigo que se tenham vencido nos seis meses anteriores à propositura da ação de insolvência, sendo este prazo insuscetível de qualquer interrupção ou suspensão.

No que respeita ao n.º 8, pese embora no requerimento de interposição do recurso e na parte decisória da sentença recorrida também não se enuncie expressamente a exata dimensão normativa, extraída daquele preceito legal, resulta do teor da mesma decisão que está em causa a dimensão normativa que foi julgada inconstitucional pelo Acórdão n.º 328/2018 deste Tribunal (retificado pelo Acórdão n.º 447/2018), ou seja, «a norma contida no artigo 2.º, n.º 8, do Novo Regime do Fundo de Garantia Salarial, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 59/2015, de 21 de abril, na interpretação segundo a qual o prazo de um ano para requerer o pagamento dos créditos laborais, certificados com a declaração de insolvência, cominado naquele preceito legal é de caducidade e insuscetível de qualquer interrupção ou suspensão»”.

Nesses termos, preenchidos os pressupostos processuais e admitido neste Tribunal o requerimento de interposição de recurso de fiscalização concreta de constitucionalidade, as partes foram notificadas para apresentar as suas alegações.

4. Apenas o recorrente veio alegar (fls. 922-935), no sentido de reiterar a jurisprudência do Tribunal Constitucional, no que toca ao n.º 8 do artigo 2.º do Novo Regime do Fundo de Garantia Salarial, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 59/2015, de 21 de abril, designadamente nos Acórdãos n.º 328/2018, 583/2018, 251/2019, 270/2019, que julgaram “inconstitucional tal dispositivo legal, na interpretação segundo a qual o prazo de um ano para requerer o pagamento dos créditos laborais, certificados com a declaração de insolvência, cominado naquele preceito legal é de caducidade e insuscetível de qualquer interrupção ou suspensão”.

Por outro lado, quanto à inconstitucionalidade do n.º 4 do artigo 2.º do Novo Regime do FGS, o recorrente afirma que a questão “se coloca nos mesmo termos e fundamentação que sustentou a apreciação relativa ao n.º 8 do mesmo artigo” (fls. 931).

Com interesse para os autos, lê-se nas suas conclusões:

“A...

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