Acórdão nº 375/22 de Tribunal Constitucional (Port, 12 de Maio de 2022

Magistrado ResponsávelCons. Assunção Raimundo
Data da Resolução12 de Maio de 2022
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 375/2022

Processo n.º 972/21

2.ª Secção

Relatora: Conselheira Assunção Raimundo

Acordam na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional:

I. Relatório

1. Nos presentes autos, vindos do Supremo Tribunal de Justiça, em que é recorrente o A., S.A., e recorrida, B., veio o primeiro interpor recurso de constitucionalidade, ao abrigo da alínea b), do n.º 1, do artigo 70.º, da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro (Lei do Tribunal Constitucional, abreviadamente, «LTC»), do acórdão proferido naquele Tribunal, a 14 de julho de 2021, que negou provimento ao recurso de revista deduzido, per saltum, da sentença proferida no Juízo do Trabalho de Valongo, que julgou procedente a ação declarativa de condenação emergente de contrato individual de trabalho, sob a forma comum, interposta pela ora recorrida.

Nessa decisão, o recorrente foi condenado: « a) a reconhecer à Autora o direito a pensão completa do Centro Nacional de Pensões, deduzida – a pensão do CNP sem complemento social – do valor correspondente à percentagem de 22,22%; b) a pagar à A. o valor de € 259,59, a título de pensão do CNP de Julho de 2020, retroativos do 13.º e 14.º meses, e ainda de € 385,95 a título de retroativos do CNP, num valor total global de € 645,54; c) a aplicar uma regra pro rata temporis no apuramento da parte da pensão do CNP a entregar ao Banco, respeitante aos descontos efetuados pela A. para a Segurança Social enquanto trabalhadora bancária; d) pagar à A. todas as quantias que tenha retido ou venha a reter da pensão do CNP pela não aplicação dessa regra, desde a propositura da presente ação até ao trânsito em julgado da mesma, acrescidas de juros de mora vencidos e vincendos desde a data da propositura da ação até ao trânsito em julgado da mesma».

2. Inconformado, veio o recorrente interpor o presente recurso de constitucionalidade, delimitando o seu objeto nos seguintes termos (cf. fls. 515-519):

«[…]

O Recurso é admissível porquanto:

a) A decisão recorrida aplicou as cláusulas 136.ª do Acordo Coletivo de Trabalho do sector bancário (BTE n.º 3 de 22/01/2011 - data de distribuição: 24/01/2011) e a cláusula 94.a do Acordo Coletivo de Trabalho do sector bancário (BTE n.º 29 de 08/08/2016) que a veio substituir, cuja inconstitucionalidade, na interpretação dada pelo Tribunal de 1.ª instância e acolhida pelo Venerando Supremo Tribunal de Justiça, foi suscitada pelo ora Recorrente nos artigos 106.º a 112.º da contestação e no ponto IV (pág.ª 28 e ss) e nas conclusões 38 a 41 (pág.ªs 35 e 36) do recurso de Revista e pretende ver apreciada por esse Venerando Tribunal Constitucional;

b) A decisão recorrida não é passível de recurso ordinário.

Decidindo como decidiu, o douto Acórdão acolheu interpretação das citadas cláusulas 136.ª e 94.ª, que viola o disposto no artigo 63.º, n.º 4 da Constituição da República Portuguesa.

O que está em causa nestes autos é a interpretação dos n.ºs 1 e 2 das citadas cláusulas 136.ª do Acordo Coletivo de Trabalho do sector bancário (BTE n.º 3 de 22/01/2011 - data de distribuição: 24/01/2011) e a cláusula 94.ª do Acordo Coletivo de Trabalho do sector bancário (BTE n.º 29 de 08/08/2016) que a veio substituir, quando, como sucede com a Recorrida, a pensão a pagar pela Segurança Social considera, além do tempo de serviço no Banco, também tempo de serviço extra-banco.

Recorde-se a redação daquelas cláusulas:

“Cláusula 136º.

Âmbito

1. As Instituições de Crédito, por si ou por serviços sociais privativos já existentes, continuarão a garantir os benefícios constantes desta Secção aos respetivos trabalhadores, bem como aos demais titulares das pensões e subsídios nela previstos. Porém, nos casos em que benefícios da mesma natureza sejam atribuídos por Instituições ou Serviços de Segurança Social a trabalhadores que sejam beneficiários dessas Instituições ou seus familiares, apenas será garantida, pelas Instituições de Crédito, a diferença entre o valor desses benefícios e o dos previstos neste Acordo.

2. Para efeitos da segunda parte do número anterior, apenas serão considerados os benefícios decorrentes de contribuições para Instituições ou Serviços de Segurança Social com fundamento na prestação de serviço que seja contado na antiguidade do trabalhador nos termos das Cláusulas 17.ae 143.a.

3. As Instituições adiantarão aos trabalhadores abrangidos pelo Regime Geral da Segurança Social as mensalidades a que por este Acordo tiverem direito, entregando estes à Instituição a totalidade das quantias que receberem dos serviços de Segurança Social a título de benefícios da mesma natureza.”

(bold e sublinhado nossos)

E:

"Cláusula 94.º

Garantia de benefícios e articulação de regimes

1. As instituições de crédito garantem os benefícios constantes da presente secção aos trabalhadores referidos no número 3 da cláusula 92ª, bem como aos demais titulares das pensões e subsídios nela previstos. Porém, nos casos em que benefícios da mesma natureza sejam atribuídos por instituições ou serviços de Segurança Social a trabalhadores que sejam beneficiários dessas instituições ou seus familiares, apenas é garantida pelas instituições de crédito a diferença entre o valor desses benefícios e o dos previstos nesta secção.

2. Para efeitos da segunda parte do número anterior, apenas são considerados os benefícios decorrentes de contribuições para instituições ou serviços de Segurança Social com fundamento na prestação de serviço que seja contado na antiguidade do trabalhador nos termos da cláusula 103.º

3. Os trabalhadores ou os seus familiares devem requerer o pagamento dos benefícios a que se refere o número 1 da presente cláusula junto das respetivas instituições ou serviços de Segurança Social a partir do momento em que reúnam condições para o efeito sem qualquer penalização e informar, de imediato, as instituições de crédito logo que lhes seja comunicada a sua atribuição, juntando cópia dessa comunicação.

(...)"

(bold e sublinhado nossos)

Está, pois, em causa saber como se apura a “pensão de abate”, que é a parte da pensão que o Centro Nacional de Pensões paga à Recorrida, que respeita ao tempo de serviço no Banco e que este, ao abrigo das citadas cláusulas convencionais, deve abater à pensão que paga à Recorrida.

Considerando que a pensão de velhice paga pela Segurança Social é calculada de acordo com o previsto no artigo 28.º do Decreto-Lei n.º 187/2007, de 10 de Maio, que atende à remuneração de referência e ao número de anos de serviço, ao submeter-se o cálculo da “pensão de abate” a uma “regra de três simples” que reparte o benefício exclusivamente em função do tempo, como interpreta o douto Acórdão recorrido, está-se, inevitavelmente, a transferir para o pensionista parte do benefício que o Banco deve abater à mensalidade que está obrigado a pagar, potenciando, ilegalmente, em afronta àquele comando constitucional e à custa do Banco, o benefício que o pensionista teria a receber se isoladamente lhe fosse considerada apenas a carreira contributiva extra-banco.

O efeito de tal interpretação é, efetivamente, a violação do preceito constitucional vertido no artigo 63.º, n.º 4 da Constituição da República Portuguesa que determina que Todo o tempo de trabalho contribui, nos termos da lei, para o cálculo das pensões de velhice e invalidez, independentemente do setor de atividade em que tiver sido prestado”.

A interpretação da cláusula 136.ª do ACT do sector bancário e da cláusula 94.ª do atual ACT do sector bancário, acolhida no douto Acórdão recorrido é, assim, materialmente inconstitucional por violação do artigo 63.º, n.º 4 da Constituição.

Como bem assinala o PROFESSOR DOUTOR BERNARDO LOBO XAVIER, no douto Parecer de Direito junto aos autos (pág. 50):

“Afastados esses aspetos constitucionais das alegações dos trabalhadores, por não terem sido relevantes para o STJ, como a invocação dos princípios de igualdade e da confiança, não é sustentável dizer-se, como no acórdão do Supremo aqui analisado se chega a sugerir, que a posição da Instituição se não conforma com o art. 63.º, 4, da Const. De facto, a invocação, que tem surgido na posição dos trabalhadores e até na argumentação judicial, do art. 63º, 4, da Const., que só assim seria respeitado, é em absoluto irrelevante. Na verdade, não se vê em ambas as interpretações como qualquer tempo, na Banca e fora da Banca, deixe de contribuir para a reforma. O tempo conta sempre e proporcionalmente quando se considera a carreira contributiva, que é expressa em descontos . Ultrapassa-se a Constituição quando se entende que o n.º 4 do art. 63º da Lei Fundamental exige que as normas sobre a coordenação das pensões sejam interpretadas no sentido de só ser ponderado o tempo da carreira contributiva, mas não o volume das contribuições descontadas e pagas . Como é fácil de verificar, tal preceito apenas se refere à necessária contagem de todos os tempos de serviço e, no caso da Consulente, para esse cômputo consideraram-se as fórmulas legais, que têm como fatores as percentagens decorrentes do tempo de serviço e o volume das remunerações registadas.

(sublinhado nosso)

A repartição que considere os “(...) benefícios decorrentes de contribuições para instituições ou serviços de segurança social (...)” como preveem as cláusulas convencionais a interpretar, impõe, salvo o devido respeito, que se apure a parte do benefício a “abater” de acordo com as regras do regime geral da segurança social, as quais consideram, como se disse, não só o tempo de carreira contributiva (por via da taxa de formação da pensão) mas as remunerações auferidas pelo beneficiário no período em que esteve ao serviço do Banco (por via da remuneração de referência), ou seja, só desta forma se pode apurar o benefício decorrente das contribuições efetuadas no período de tempo de serviço prestado ao Banco, e,...

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