Acórdão nº 370/22 de Tribunal Constitucional (Port, 12 de Maio de 2022

Magistrado ResponsávelCons. António José da Ascensão Ramos
Data da Resolução12 de Maio de 2022
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 370/2022

Processo n.º 1244/2021

2.ª Secção

Relator: Conselheiro António José da Ascensão Ramos

Acordam, em Conferência, na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional

I. Relatório

1. A Autoridade Tributária e Aduaneira (AT), interpôs recurso para o Tribunal Constitucional, ao abrigo das alíneas a) e b) n.º 1 do artigo 70.º da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro (Lei do Tribunal Constitucional, referida adiante pela sigla «LTC»), da «decisão arbitral proferida no processo n.º 188/2020-T» que declarou a «ilegalidade dos atos de liquidação de IRS (…) referentes aos anos de 2014 e 2015, assim como da decisão de indeferimento das reclamações graciosas e recursos hierárquicos que tiveram as referidas liquidações como objeto, anulando-os» (cfr. fls. 30).

Por despacho datado de 17 de novembro de 2021, indeferiu-se o aludido requerimento de recurso para o Tribunal Constitucional, com a seguinte fundamentação (cfr. fls. 15-16):

«(…)

A Requerida começa por fundar o seu recurso na supra-transcrita al. a) do n.º 1 do art. 70.º da LTC, por alegadamente “o Tribunal ter recusado a aplicação de interpretação normativa com fundamento em inconstitucionalidade” do artigo 54.º do CPPT e bem assim do n.º 10 do artigo 16.º do CIRS.

Seguidamente, funda ainda a Requerida o seu recurso, na al. b) do mesmo artigo, pretendendo a “ fiscalização concreta da constitucionalidade e da legalidade do artigo 54.º do CPPT quando interpretado no sentido de que a referência à impugnação unitária de atos imediatamente lesivos tem a natureza de faculdade e não de um verdadeiro ónus, pelo que a não impugnação judicial de atos de indeferimento de pedidos de reconhecimento do estatuto de residente não habitual não impede a impugnação judicial das decisões finais de liquidação do imposto com fundamento em vícios daquele”.

Ora, e antes do mais, cumpre notar que o recurso se apresenta, salvo melhor opinião e o muito respeito devido à Recorrente, como contraditório, na medida que:

- ou a Recorrente entende que foi recusada, com fundamento em inconstitucionalidade, recusada a aplicação do artigo 54.º do CPPT;

- ou a Recorrente entende que foi aplicada uma interpretação inconstitucional daquele. Não se vislumbra, como efeito, qualquer possibilidade de logicamente compatibilizar ambos os entendimentos. (…)

Assim, e desde logo, a decisão recorrida não recusou, manifestamente, julga-se, a aplicação de qualquer norma com fundamento em inconstitucionalidade, caso em que, de resto, se verificaria a obrigatoriedade de recurso pelo Ministério Público.

Como bem demonstra ter compreendido a Recorrente (ponto 6. do requerimento de interposição do recurso), a decisão invoca os artigos 4.º, n.º 1, e 5.º, n.º 2 da LGT, para fundamentar a interpretação das normas que aplicou, e não qualquer inconstitucionalidade de alguma delas ou das suas possíveis interpretações.

Daí que se julgue que na decisão recorrida, manifestamente, não foi “recusado a aplicação de interpretação normativa com fundamento em inconstitucionalidade”.

(…)

Assim, para além do mais e sempre ressalvado o respeito devido a outras opiniões, a tramitação do presente recurso constituiria uma inutilidade, na medida em que, mesmo que o mesmo procedesse, e o Tribunal Constitucional, julgasse que:

i) que a interpretação normativa propugnada pela Recorrente para os artigos 55.º do CPPT e 16.º, n.º 10, do CIRC, é a que aquele propugna; e/ou

ii) a não impugnação judicial de atos de indeferimento de pedidos de reconhecimento do estatuto de residente não habitual impede a impugnação judicial das decisões finais de liquidação do imposto com fundamento em vícios daquele;

daí não resultaria nenhum juízo suscetível de alterar o decidido, na medida em que, como previamente se expôs, não se procedeu a qualquer desaplicação normativa por inconstitucionalidade nem se anulou o ato de liquidação com base em vícios de qualquer ato de indeferimento de pedido de reconhecimento do estatuto de residente não habitual (que não existiu), nem sequer com base em vícios do ato de indeferimento do pedido de registo no cadastro de residentes não habituais».

2. Notificada de tal decisão, a recorrente dela reclamou ao abrigo do disposto no artigo 76.º, n.º 4, da LTC, argumentando, no que ora releva, o seguinte:

«(…)

11. Assim, e no que concerne ao fundamento previsto na alínea a) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC, como se disse no requerimento de interposição de recurso, embora na decisão arbitral se tenham invocado os artigos 4.º, n.º 1, e 5.º, n.º 2 da LGT (como se nota no despacho aqui reclamado para defender a não admissão do recurso), a verdade é que inequivocamente tais normas legais respaldam na lei ordinária os princípios constitucionais da tributação da capacidade contributiva e da justiça material - artigos 13.º, 103.º e 104.º da CRP - princípios estes convocados pelo Tribunal arbitral decidir como decidiu (cf. páginas 23 e 24):

«Não obstante, como por regra ocorre, a interpretação da lei fiscal não pode, nem deve, ficar-se pelo teor literal dos normativos imediatamente aplicáveis, devendo, antes, e mais não seja pela imposição da realização dos princípios da tributação da capacidade contributiva e da justiça material, decorrentes dos artigos 4º, n.º 1, e 5º, n.º 2, da LGT, identificar-se a finalidade material do regime a aplicar, através da compreensão da natureza das normas convocáveis, das finalidades por si visadas, e do contexto sistemático das mesmas.

Sob esta perspetiva, a norma do n.º 10 do artigo 16º do CIRS, que disciplina a data limite até à qual os sujeitos passivos que reúnam os pressupostos materiais de que depende a tributação de acordo com o regime dos residentes não habituais podem requerer a inscrição como residente não habitual - até 31 de Março, inclusive, do ano seguinte àquele em que se torne residente em território nacional -, deverá entender-se como uma norma essencialmente procedimental, de organização do sistema operacional de tributação, que visa assegurar sua efetividade e o seu normal funcionamento, sendo, especialmente e desde logo de notar que a norma em causa, não tem subjacentes quaisquer finalidades de evitara fraude ou a evasão fiscal.» (destaques nossos)

12. Assim, em suma, sustentou, erroneamente, o Tribunal a quo que o pedido de inscrição como residente não habitual não tem efeito constitutivo, mas, meramente, declarativo, em consonância com entendimento do Requerente, a única interpretação possível a seu ver de acordo com os referidos...

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