Acórdão nº 28218/19.5T8LSB.L1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 05 de Maio de 2022

Magistrado ResponsávelFÁTIMA GOMES
Data da Resolução05 de Maio de 2022
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça I. Relatório 1.

Na presente acção declarativa que AA e BB movem contra Caixa Geral de Depósitos, S.A., a R. interpôs recurso da sentença pela qual foi julgada a acção parcialmente procedente e, em consequência, foi declarado integralmente cumprido e pago no prazo de amortização contratado o mútuo nº ...85, celebrado entre AA. e R.; foi condenada a R. a emitir o documento de distrate referente à hipoteca a seu favor que onera a fração ... correspondente ao ... ... urbano sito no Lugar ...), freguesia ..., Concelho ..., descrito na Conservatória ..., sob o nº ...00 da freguesia ...; foi condenada a R. no pagamento de uma sanção pecuniária compulsória no valor de € 100,00 por cada dia de incumprimento da obrigação de emissão do documento de distrate; foi condenada a R. a pagar € 2.000,00 a cada A., a título de danos não patrimoniais; e foi absolvida a R. do mais contra si peticionado.

  1. Na apelação, a R. pediu que seja a sentença recorrida substituída por outra que, “reconhecendo a falta de cumprimento integral do contrato, o declare expressamente e considere justificada a recusa da Recorrente na emissão do documento de distrate de hipoteca até que o mútuo se encontre totalmente liquidado”.

  2. O recurso foi conhecido, tendo havido impugnação da matéria de facto e correspondente alteração dos factos provados e não provados e o Tribunal veio a decidir: “Pelo exposto, acordam os Juízes desta Relação em julgar parcialmente procedente o recurso, revogando a sentença recorrida na parte em que declarou integralmente cumprido e pago no prazo de amortização contratado o mútuo nº ...85, condenou a R. a emitir o documento de distrate da hipoteca e condenou a R. no pagamento de uma sanção pecuniária compulsória; absolvendo a R. de tais pedidos; e mantendo no mais a sentença recorrida.

    Custas da ação e do recurso pelas partes na proporção do respetivo decaimento.” 4.

    Não se conformando com o acórdão os AA. apresentaram recurso de revista, no qual formulam as seguintes conclusões (transcrição): 1 - No caso em apreço, configura-se uma situação em que não ocorre a dupla conformidade, na medida em que o ... de 14-10-2021, sob a referência ...74, de fls. ..., manteve a sentença recorrida de 25-11-2020, de fls. ..., com fundamentação essencialmente diferente, revogando-a, com a consequente absolvição da Ré CGD, S.A., em questões fulcrais e reduzindo-a a um resultado favorável aos AA. de pouca monta, muito insignificante, insuficiente e irrisório, face à actuação errada e ilícita da Ré CGD, S.A.

    2 - Há inequívoca legitimidade dos AA, o recurso é atempado e admissível e é de Revista Normal (art.º 629.º, 631.º, 638.º, 645.º, 647.º, 671.º, 674.º, 675.º e 676.º do CPC), com subida imediata e efeito devolutivo; e, Excepcional, a título subsidiário, em virtude de estarem em causa interesses de particular relevância social (art.º 672.º, n.º 1, alínea b) do CPC).

    3 - Decorre do contrato de mútuo com hipoteca constante dos autos a fls. ..., e que constitui um meio de prova plena, a verificação de erro na apreciação das provas no ... ora impugnado e na fixação dos factos materiais da causa mais relevantes, motivo por que é objecto de recurso de revista normal, em virtude de consubstanciar situações de violação manifesta das regras de direito probatório material - art.º 674.º, n.º 3, 2.ª parte e 682.º, n.º 2 do CPC.

    4 - Acresce que o ... ora recorrido também está viciado por violação da norma do art.º 640.º do CPC, por excesso cognitivo, revogação desadequada e manutenção curta da sentença de 25-11-2020 do Juízo Local Cível ... - Juiz ..., pelo que o Aresto em crise acentuada é nulo, devendo ser declarada a nulidade nos termos das alíneas b), c), d) e e) do n.º 1 do art.º 615.º do CPC.

    5 - No pedido de condenação da Ré CGD, S.A. para emitir o documento de distrate da hipoteca está obviamente incluído o pedido de declaração judicial da extinção da hipoteca, sendo que aquele pedido é de cariz e natureza mais prática e consome este, formando uma unidade incindível. (art.º 730.º, alínea a) do código civil).

    6 - Não há qualquer incumprimento por parte dos AA. porquanto a Ré CGD, S.A., não praticou os actos necessários sequentes e derivados do seu "lapso" confessado.

    7 - O número de prestações, o valor das mesmas e a recontagem ou recálculo são operações matemáticas a cargo da Ré CGD, S.A., da sua exclusiva responsabilidade, pelo que, segundo o princípio "sibi inuputat", só de si pode queixar-se.

    8 - O plano de pagamento acordado pelas partes foi cumprido escrupulosamente, com todo o cuidado e zelo, pelos AA/Apelados.

    9 - Os Autores, ora recorrentes, sempre pagaram os valores que a Ré CGD, S.A., lhes foi apresentando mensalmente e, apesar disso, esta não se inibiu nem de recusar o distrate da hipoteca nem de fazer a comunicação ao Banco de Portugal.

    10 - A Ré CGD, S.A actuou de forma precipitada, ilegítima e abusiva e cometeu as incorrecções descritas e confessadas nos autos, por não ter usado da diligência necessária e indispensável.

    11 - Para além da admissão do recurso de revista normal é ainda admissível a revista excepcional a título supletivo e subsidiário, nos termos da alínea b) do n.º 1 do artigo 672.º do NCPC/13, pois os pressupostos referidos nessa alínea verificam-se no caso em apreciação.

    12 - Estão causa nesta revista excepcional interesses de particular relevância social relacionadas com a actuação dos Bancos perante os clientes e a repercussão de erros, mais ou menos clamorosos, de uma instituição bancária na vida dos seus clientes.

    13 - No caso dos autos foi convencionado um prazo de amortização de 192 meses (16 anos) e uma taxa calculada com base na Euribor a 6 meses acrescida de um spread de 3,625 pontos percentuais, por documento autêntico elaborado pela CGD.

    14 - Os AA. cumpriram integralmente o contrato de mútuo, pagando todas as prestações que lhes foram apresentadas, incluindo todas as alterações de prestação impostas durante os 192 meses contratualizados.

    15 - Mas, a CGD carregou no seu sistema informático como prazo de amortização em vez de 192 meses, o prazo de 240 meses (20 anos). Findo o prazo dos 192 meses, a questão é quem é que deve suportar as consequências de tal erro. A primeira Instância entendeu que era a CGD; a segunda Instância entendeu que deve ser o cliente. Assim, 16 - As questões em discussão, extravasam os interesses das partes, o inerente objecto do processo e despertam a atenção de relevantes camadas de população, porque está aqui um relevante “sentir social”, quanto à certeza e confiança depositada pelos clientes nas instituições bancárias.

    17 - Qualquer cidadão comum, com reacções normais relativamente à sua cidadania, posto perante a pendência desta acção e respectivos temas, ficaria interessado com intenso grau de probabilidade, o que justifica a intervenção do Venerando STJ, pela via da alínea b) do n.º 1 do artigo 672.º do NCPC/13, pelo que, e salvo melhor opinião, a situação descrita integra o conceito de interesses de particular relevância social.

    Na fluência do supra exposto, com mais o acréscimo do douto suprimento de VV. Exas, deve o...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT