Acórdão nº 1652/16.5T8PNF.P1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 05 de Maio de 2022

Magistrado ResponsávelFÁTIMA GOMES
Data da Resolução05 de Maio de 2022
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça I. Relatório 1.

Na presente ação declarativa que segue a forma de processo comum em que figuram como: - AUTORA: AA, solteira, menor, representada pelos seus pais BB e mulher CC; e - RÉ: Companhia de Seguros Allianz Portugal, SA Pede a autora a atribuição de uma indemnização pelos prejuízos sofridos em consequência do acidente de viação que sofreu, sob a forma de atropelamento e imputável ao condutor do veículo segurado.

  1. Citada a ré contestou, defendendo-se por excepção e por impugnação. Por excepção, suscitou a caducidade do contrato de seguro, porque o veículo interveniente no sinistro foi objecto de venda em data anterior ao acidente, sem que tal venda tenha sido comunicada à seguradora e constituído novo contrato de seguro.

    Apresentou uma outra versão dos factos concluindo não lhe ser imputável a ocorrência do sinistro.

  2. Na resposta a autora refutou os factos alegados na contestação.

  3. Em incidente de intervenção principal provocada, veio requerer a intervenção passiva do Fundo de Garantia Automóvel e do condutor do veículo.

  4. Proferiu-se despacho que convidou a autora a fazer intervir o Fundo de Garantia Automóvel, bem como, os responsáveis civis: proprietário e condutor do veículo à data do sinistro.

  5. A A., dando satisfação ao solicitado, veio rectificar o requerimento esclarecendo que o condutor e o proprietário do veículo são a mesma pessoa.

  6. Admitido e deferido o incidente, procedeu-se à citação dos intervenientes Fundo de Garantia Automóvel e DD.

  7. O Fundo de Garantia Automóvel veio contestar.

  8. O CENTRO HOSPITALAR ..., veio requerer a sua intervenção espontânea ao lado da autora e formulou o pedido de condenação da ré, ou intervenientes, no pagamento das despesas realizadas com os tratamentos administrados à autora.

  9. A ré seguradora e o Fundo de Garantia Automóvel vieram contestar o pedido formulado pela interveniente espontânea.

  10. Elaborou-se o despacho saneador e o despacho que fixou o objeto do litígio e os temas de prova.

  11. Concluídas as diligências de instrução, com realização de perícia médica, diligenciou-se pela marcação da audiência de julgamento.

  12. Na data designada para a realização da audiência de julgamento, dia 08 de maio de 2018, as partes requereram a suspensão da instância pelo período de 30 dias, ao abrigo do art. 272º CPC, o que foi deferido.

  13. Em 14 de junho de 2018, nova data designada para realização do julgamento, foi suscitada pelas partes a questão da capacidade judiciária de DD, o que levou o tribunal a determinar a realização de uma perícia.

  14. Promoveram-se diligências para realização do exame pericial.

  15. Em 03 de junho de 2020 por requerimento (ref. Citius ...14) veio o patrono nomeado ao interveniente DD comunicar aos autos o óbito do mesmo, referindo apenas ter sido informado do óbito nesta data. Juntou certidão de assento de óbito.

  16. Em 05 de junho de 2020 proferiu-se o despacho que se transcreve (ref. Citius ...78): “Face à junção do assento de óbito do interveniente principal DD, ao abrigo do disposto nos arts. 269º, n.º 1, al. a) e 270º do CPC, declaro suspensa a instância, sem prejuízo do disposto no art. 281º, n.º 5, do CPC.

    Notifique”.

  17. Em 05 de junho de 2020 foram as partes na acção notificadas do despacho.

  18. Em 04 de janeiro de 2021 (ref. Citius ...48) proferiu-se o despacho que se transcreve: “Atenta a inércia das partes por mais de 6 meses e tendo em conta o último despacho proferido, nos termos do art. 281º, n.º 1, do CPC e de acordo com os seus pressupostos que se encontram preenchidos, julgo deserta a instância e declaro, assim, extinta a referida instância (arts. 277º, al. c) e 281º, n.º 1, do CPC).

    Custas a suportar pela A.”.

  19. A Autora veio interpor recurso deste despacho para o Tribunal da Relação, que conheceu do recurso e decidiu: “Face ao exposto, acordam os juízes desta Relação em julgar improcedente a apelação e confirmar a decisão.” 21.

    O acórdão recorrido foi aprovado por unanimidade e sem fundamentação essencialmente diversa do despacho recorrido da 1ª instância.

  20. Não se conformando veio a A. interpor recurso de revista excepcional.

  21. No Tribunal da Relação foi proferido despacho a remeter o processo ao STJ, por se tratar de revista excepcional, dizendo-se: “AA veio interpor recurso de revista excecional, com fundamento no art. 672º/1 c) do CPC (ref. Citius ...23), do acórdão do Tribunal da Relação proferido em 08 de novembro de 2022 (ref. Citius ...36).

    A recorrente tem legitimidade e o recurso é tempestivo.

    A verificação dos pressupostos de admissibilidade constitui matéria da competência do Supremo Tribunal de Justiça – art. 672º/3 CPC.

    Notifique.

    Remeta os autos ao Supremo Tribunal de Justiça.” 24.

    No recurso de revista vêm formuladas as seguintes conclusões (transcrição): 1a - No douto Acórdão recorrido é expresso o entendimento que não existe o dever de o juiz determinar a audição das partes antes de proferir despacho a decretar deserção da instância, por forma a que seja possível, antes daquela gravosa decisão, ser apreciada e valorada a conduta da autora, permitindo assim, uma avaliação sobre se existiu, ou não, negligência sua em promover o andamento do processo.

    2a - No Acórdão recorrido refere-se expressamente que a lei não determina que a decisão a proferir seja precedida da audição prévia das partes.

    3a - E é também expresso o entendimento que o princípio do contraditório tem em vista questões de facto ou de direito que sejam suscitadas no processo, impondo-se ao Tribunal decidi-las, não tem em vista, o que é completamente diferente, impor ao Tribunal no âmbito de um incidente inominado, que não está previsto na lei, convidar os interessados que no aludido período de seis meses optaram por não juntar aos autos nenhum documento nem suscitar qualquer questão explicar o seu comportamento ou apresentar os documentos ou suscitar as questões que podiam ter sido suscitadas e não suscitaram.

    Ao invés e em oposição.

    4a - No Acórdão fundamento, proferido por unanimidade, Acórdão da Relação de Coimbra de 20/09/2016, Pro nº 1215714.0TBPBL-B.C.1, disponível em www.dgsi.pt, a propósito da mesma questão, ficou claramente afirmado o seguinte: "I - Como claramente emerge da norma do artigo 281° n° 1 do CPC, a deserção da instância nela cominada só pode ser declarada judicialmente não caso de ser declarada negligente a falta de satisfação do ónus de impulso processual por parte daqueles sobre quem tal ónus impende.

    II - Tal negligência não pode presumir-se do facto de ter decorrido o aludido prazo de seis meses sem que alguma diligência por parte daquele que tem aquele ónus.

    III - O tribunal deve diligenciar, antes de declarar a deserção da instância, pelo apuramento do circunstancialismo factual que permita sustentar a afirmação do comportamento negligente que procura sancionar com a cominada deserção.

    IV- Em obediência ao princípio do contraditório e salvo em casos de manifesta necessidade devidamente justificada, o juiz não deve proferir nenhuma decisão, ainda que interlocutória, sobre qualquer questão, processual ou substantiva, de facto ou de direito, mesmo que de conhecimento oficioso, sem que previamente tenha sido conferida às partes, especialmente contra aquele contra quem ela é dirigida, a efectiva possibilidade de a discutir, contestar e valorar.

    V - A violação do contraditório gera nulidade processual se aquela for susceptível de influir decisivamente na decisão da causa." 5a - Também, nos Acórdãos deste Supremo Tribunal de Justiça de 05/07/2018, Proc. 105415/12.2YIPRT.P1.S1 e de 03/10/2019, Proc. 1980/14.4TBVDLL1.S1, no Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 17/05/2017, Proc. 407/09.8TBN2R.C1, Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 18/12/2017, Proc. 3401/12.8TBGMR.G2 e Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 06/06/2017, Proc. 239/13.9TBPDL, entre outros, foi decidido em sentido oposto ao do Acórdão recorrido.

    6ª - Ora não sendo automática a deserção da instância pelo decurso do prazo de seis meses, o julgador, antes de proferir o despacho de deserção da instância, deve, num juízo prudencial, ouvir as partes de forma a melhor avaliar se a falta de impulso processual é imputável a comportamento negligente de alguma delas.

    7a - Pelo que no domínio da mesma legislação e sobre a mesma questão fundamental de direito, o Acórdão recorrido contraria não só corrente jurisprudencial dos Tribunais Superiores, mas está em manifesta oposição com o Acórdão fundamento supra invocado, tal como está também em manifesta oposição com os restasntes acórdãos citados.

    8a - A questão bem apreciada no fundamento e nos demais acórdãos citados consiste no entendimento e na obrigatoriedade de o Juiz antes de proferir a decisão que decreta a deserção a instância, por o processo estar parado mais de seis meses, dever averiguar se ocorre negligência de qualquer das partes em promover o andamento do processo, o que se traduz na obrigação de efetuar uma apreciação e valoração do comportamento destas, por forma a poder concluir se a falta de impulso em promover o andamento do processo, resulta de negligência destas, ou de um entendimento diferente quanto a uma disposição legal.

    9a - Ê abundante a jurisprudência, nela se incluindo o Acórdão fundamento, que são unânimes em afirmar que, não sendo automática a deserção pelo...

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