Acórdão nº 316/22 de Tribunal Constitucional, 28 de Abril de 2022

Data28 Abril 2022
Órgãohttp://vlex.com/desc1/2000_01,Tribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 316/2022

Processo n.º 165/2022

3ª Secção

Relatora: Conselheira Joana Fernandes Costa

Acordam, em conferência, na 3.ª Secção do Tribunal Constitucional

I. Relatório

1. No âmbito dos presentes autos, vindos do Tribunal da Relação de Lisboa, em que é recorrente A. e recorridos o Ministério Público e a Comissão de Mercados de Valores Mobiliários (CMVM), foi interposto recurso, ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei do Tribunal Constitucional (seguidamente, «LTC»), do acórdão proferido por aquele Tribunal, em 21 de dezembro de 2021, que negou provimento ao recurso interposto da decisão que indeferiu a pretensão do recorrente no sentido de ver declarada extinta por prescrição a coima única no valor de € 150.000, em cujo pagamento fora condenado.

2. Através da Decisão Sumária n.º 147/2022, proferida ao abrigo do disposto no n.º 1 do artigo 78.º-A da LTC, foi decidido não tomar conhecimento do objeto do recurso.

Tal decisão tem a seguinte fundamentação:

«4. O recurso de constitucionalidade interposto nos presentes autos funda-se na alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC, nos termos da qual cabe recurso para o Tribunal Constitucional «das decisões dos tribunais (…) que apliquem norma cuja inconstitucionalidade haja sido suscitada durante o processo», e incide sobre o acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa em 21 de dezembro de 2021.

Tal como definido no requerimento de interposição, o objeto do recurso é integrado: (i) pela «norma resultante da conjugação dos artigos 19.º do RGCO e 418.º, n.º 5 do CdVM, no sentido de que deles resulta que a decisão de reformulação do cúmulo jurídico das coimas já aplicadas no mesmo processo constitui uma nova condenação»; e (ii) pela «norma resultante da conjugação dos artigos 19.º do RGCO e 418.º, n.º 5 do CdVM, no sentido de que deles resulta que podem correr, no mesmo processo, dois prazos sucessivos de prescrição da mesma coima: (i) um contado desde o trânsito em julgado de decisão judicial que condena no pagamento de uma coima única feito o cúmulo jurídico das várias coimas parcelares; e (ii) outro contado desde o trânsito em julgado da decisão de reformulação do cúmulo jurídico das mesmas coimas parcelares em virtude da prescrição do procedimento quanto a uma ou mais infrações», que o recorrente considera violadoras «dos princípios constitucionais da prescritibilidade das sanções, inerente ao princípio da proporcionalidade, da segurança jurídica e da proteção da confiança e do princípio do Estado de direito democrático, da legalidade criminal e da proibição de sanções de duração ilimitada ou indefinida (2.º ,18.º, n.º 2, 29.º, n.º 3 e 30.º, n.º 1 da CRP)».

5. Por força do disposto no n.º 2 do artigo 72.º da LTC, constitui pressuposto de admissibilidade dos recursos interpostos ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do respetivo artigo 70.º que a questão de constitucionalidade enunciada no requerimento de interposição do recurso haja sido suscitada «durante o processo» e «de modo processualmente adequado perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida, em termos de este estar obrigado a dela conhecer» (cf. artigos 70.º, n.º 1, alínea b), e 72.º, n.º 2, ambos da LTC).

A imposição do aludido ónus — decorrente, aliás, da própria alínea b) do artigo 281.º da Constituição — é facilmente compreensível: dirigindo-se o recurso de constitucionalidade à reavaliação do pronunciamento contido numa anterior decisão — e não à apreciação ex novo do vício pretendido controverter no âmbito da fiscalização concreta —, a exigência de que a questão seja suscitada antes de esgotado o poder jurisdicional da instância recorrida visa garantir a obtenção de uma decisão suscetível de ser impugnada perante o Tribunal Constitucional, assegurando que este somente seja chamado a reapreciar as questões de constitucionalidade ponderadas (ou suscetíveis de o terem sido) pelo tribunal a quo (neste sentido, v. o Acórdão n.º 130/2014).

Justamente por assim ser, tem este Tribunal reiteradamente afirmado que a exigência de suscitação da inconstitucionalidade durante o processo deve ser entendida, «não num sentido meramente formal (tal que a inconstitucionalidade pudesse ser suscitada até à extinção da instância)», mas «num sentido funcional» de tal modo «que essa invocação haverá de ter sido feita em momento em que o tribunal a quo ainda pudesse conhecer da questão», ou seja, «antes de esgotado o poder jurisdicional do juiz sobre a matéria a que (a mesma questão de constitucionalidade) respeita» (v., entre outros, os Acórdãos n.º 352/1994, 155/1995, 618/1998, 519/2012, 442/2013 e 353/2014, 407/2014 e 529/2016).

6. No caso presente, sendo a decisão recorrida o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, proferido em 21 de dezembro de 2021, o momento processualmente adequado para suscitar a questão da inconstitucionalidade das interpretações extraíveis da «conjugação dos artigos 19.º do RGCO e 418.º, n.º 5 do CdVM», seria o recurso interposto para aquele Tribunal. Porém, no âmbito de tal recurso, o recorrente não identificou qualquer questão de constitucionalidade normativa respeitante aos referidos preceitos legais.

No requerimento de interposição do recurso para este Tribunal, o recorrente procura justificar a ausência de suscitação prévia, alegando que «só com a prolação do Acórdão do TRL de 21.12.2021 ficaram claros para o Recorrente os fundamentos que subjaziam ao Despacho que indeferiu o pedido de declaração de prescrição da coima, e a forma - que o Recorrente entende contrária à Constituição - como o Tribunal de 1.ª instância havia, afinal, interpretado e aplicado as normas relativas à contagem da prescrição da coima», pelo que «o Acórdão do TRL de 21.12.2021, constitui, para este efeito, uma verdadeira "decisão-surpresa" para o Recorrente, cujo teor torna inexigível que fizesse um qualquer "juízo de prognose" que pudesse antecipá-la».

Mais refere que, «num caso em que uma decisão não era sequer clara sobre os fundamentos subjacentes, e, consequentemente, não permitiria sindicar a conformidade da aplicação de uma determinada norma ou interpretação normativa com a Constituição, o Recorrente não se encontra numa mera surpresa subjetiva perante o Acórdão do TRL de 21.12.2021, mas verdadeiramente perante a atribuição às normas legais em causa de uma interpretação objetivamente surpreendente», «já que não lhe era possível, nem tão-pouco exigível, em virtude da impossibilidade de compreensão dos fundamentos subjacentes à decisão da 1.ª instância, formular sequer um juízo sobre a inconstitucionalidade de determinada interpretação normativa».

Sem razão, porém.

Como este Tribunal tem reiteradamente afirmado, «recai sobre as partes o ónus de analisarem as diversas possibilidades interpretativas, suscetíveis de virem a ser seguidas e utilizadas na decisão, cumprindo-lhes adotar as necessárias e indispensáveis precauções, em conformidade com um dever de litigância diligente e de prudência técnica (…)». Cabe-lhes, assim, «a formulação de um juízo de prognose, analisando e ponderando antecipadamente as várias hipóteses de enquadramento normativo do pleito e de interpretação razoável das normas convocáveis para a sua dirimição, de modo a confrontarem atempadamente o tribunal com as inconstitucionalidades que – na sua ótica – poderão inquinar tais normas ou interpretações normativas» (Carlos Lopes do Rego, Os Recursos de Fiscalização Concreta na Lei e na Jurisprudência do Tribunal Constitucional, Almedina, Coimbra, janeiro de 2010, pp. 81-82)» (Acórdão n.º 173/2016).

É certo que, em determinados casos, o Tribunal Constitucional considera que a observância desse ónus não era exigível ao recorrente, admitindo o conhecimento do objeto do recurso apesar de não ter sido adequadamente suscitada perante o Tribunal que proferiu a decisão recorrida a questão de constitucionalidade enunciada no requerimento de interposição. Todavia, vem entendendo também que, «para que se possa apurar a procedência de uma situação de não exigibilidade, não basta apenas que o recorrente invoque ter sido surpreendido pela interpretação normativa determinada e aplicada pela decisão recorrida, como sucede no presente caso. A mera surpresa subjetiva não é fundamento suficiente para se poder ter por dispensado o recorrente deste ónus. [...] É necessário, na verdade, que se afira, em concreto, que a parte não poderia razoavelmente antecipar o concreto problema de constitucionalidade, designadamente por ser confrontada com uma concreta interpretação normativa que se apresenta objetivamente como imprevisível e inesperada» (Acórdão n.º 696/2017).

Ora, tal não sucede no presente caso.

Não obstante ter arguido a nulidade do despacho proferido em primeira instância com base em falta de fundamentação e ininteligibilidade, o recorrente, no recurso que dele interpôs, identificou de forma clara as questões que direito infraconstitucional que pretendia ver apreciadas pelo Tribunal da Relação de Lisboa.

Veja-se, a título de exemplo, a 5.ª conclusão do referido recurso, onde o recorrente defendeu que a decisão então recorrida «considera que existem dois momentos relevantes para a contagem do prazo de prescrição da coima (o trânsito em julgado do Acórdão do TRL de 06.03.2014 e a data do trânsito em julgado da sentença proferida em 08.06.2018) quando existe apenas um só processo, não ocorreram factos supervenientes existe apenas uma (e uma só) condenação em coima». E veja-se também a conclusão imediatamente seguinte (6.ª), onde o recorrente admitiu conseguir «vislumbrar» na decisão então recorrida o sentido do juízo de mérito proferido sobre algumas questões e afirmou pretender a respetiva revogação porquanto «a contagem do prazo de prescrição da coima não se iniciou com o trânsito em julgado da sentença de cúmulo, na medida em que nesta não foi aplicada uma nova pena, adicional, com origem em condenação posterior, sendo...

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