Acórdão nº 320/22 de Tribunal Constitucional (Port, 28 de Abril de 2022

Data28 Abril 2022
Órgãohttp://vlex.com/desc1/2000_01,Tribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 320/2022

Processo n.º 211/2022

3.ª Secção

Relator: Conselheiro Gonçalo de Almeida Ribeiro

Acordam, em conferência, na 3.ª secção do Tribunal Constitucional

I. Relatório

1. Nos presentes autos, vindos do Supremo Tribunal de Justiça, em que é reclamante a Massa Insolvente de A. e reclamada a Massa Insolvente de B., a primeira reclamou, ao abrigo do artigo 76.º, n.º 4, da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro (Lei do Tribunal Constitucional, referida adiante pela sigla «LTC»), do despacho de 5 de janeiro de 2022, daquele Tribunal, que não admitiu o recurso para o Tribunal Constitucional.

2. A ora reclamante, na qualidade de autora, propôs acção declarativa contra a aqui reclamada, visando impugnar a resolução em benefício da massa insolvente operada pelo administrador da insolvência da segunda, tendo por objeto um aditamento a contrato-promessa de compra e venda.

Por sentença proferida pelo Tribunal de 1.ª instância, foi a ação julgada improcedente, tendo sido julgada válida e eficaz a resolução do negócio jurídico em benefício da massa insolvente da aqui reclamada, operada pelo seu administrador da insolvência.

Tendo a autora interposto recurso de apelação de tal sentença, o Tribunal da Relação de Guimarães, por acórdão de 25 de fevereiro de 2021, concedeu-lhe provimento, declarando a ineficácia da resolução operada.

A ré interpôs então recurso revista, concedida por acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 22 de setembro de 2021, que revogou o acórdão de 25 de fevereiro de 2021, repristinando a sentença proferida pelo Tribunal de 1.ª instância.

Notificada de tal decisão, a autora arguiu a respetiva nulidade com fundamento em excesso de pronúncia. Contudo, tal arguição veio a ser indeferida por acórdão de 17 de novembro de 2021.

Foi então interposto recurso de constitucionalidade, através de requerimento onde se pode ler o seguinte:

«MASSA INSOLVENTE DE A., Recorrido nos autos à margem identificados em que é Recorrente MASSA INSOLVENTE DE B.,

Notificado que foi do acórdão proferido, que julgou improcedente a inconstitucionalidade invocada pelo Recorrido, vem interpor recurso de tal decisão para o Tribunal Constitucional, nos termos e para os efeitos previstos nos artigos 70.° n.° 1, b) 72.° n.° 1, b) e n.° 2, 75.°-A n.° 1 e n.° 2 e 76.° n.° 1 da Lei Orgânica do Tribunal Constitucional.

O Recorrido apresentou, a 12.10.2021, requerimento a arguir a nulidade do acórdão proferido e a invocar a inconstitucionalidade da interpretação dos normativos legais previsto nos artigos 682.° n.° 1 e 2 e 414.° do CPC e 343.° n.° 1 do CC, a que o STJ se encontrava adstrito e vinculado, em sentido contrário ao disposto na Constituição, nomeadamente pela violação do princípio constitucional do processo equitativo e da adopção de procedimentos judiciais que assegurem aos cidadãos a tutela efectiva previstos no artigo 20.°, n.°s 4 e 5, da CRP.

Entendeu-se que a actuação do STJ denotou uma clara violação das normas supra citadas - não se limitando a aplicar o direito aos factos dos autos, bem como ignorando os factos alterados e definitivamente fixados pela segunda instância - tal como os princípios da segurança jurídica e da protecção da confiança, na medida em que estes se assumem como princípios classificadores do Estado de Direito Democrático.

Razões pelas quais se invocou a inconstitucionalidade da decisão proferida pelo Supremo Tribunal de Justiça, na medida em que a sua interpretação dos artigos 682.° n.° 1 e 2 e 414.° do CPC e 343.° n.° 1 do CC violou o artigo 20.° (princípio do acesso ao direito e à tutela jurisdicional efectiva), o artigo 13.° (princípio da igualdade) e o artigo 202.° n.° 1 (dever de administração da justiça imposto aos Tribunais), todos da Constituição da República Portuguesa, por ter extravasado os poderes que lhe são confiados por tais normativos legais.

Em última linha, já havia sido anteriormente invocada a ilegalidade da interpretação do n.° 1 do artigo 14.° do CIRE por parte da 6.a secção do STJ, quando entende que os apensos do processo de insolvência não são abrangidos por este preceito legal, aplicando-se aos mesmos o regime geral recursório previsto no CPC, não se limitando àqueles o terceiro grau de jurisdição com base na oposição de julgados.

Este entendimento é assim claramente violador do princípio da igualdade, previsto no artigo 13.° da CRP, na medida em que exceptua os apensos do processo de insolvência da norma contida no artigo 14.° n.° 1 do CIRE, quando estes apresentam as mesmas caraterísticas do processo principal, nomeadamente o seu carácter urgente.

Termos em que requer a admissão do recurso interposto para o Tribunal Constitucional, nos termos ora requeridos, com as legais consequências que daí advêm.»

3. Por despacho de 5 de janeiro de 2022, o recurso não foi admitido. O despacho em apreço tem o seguinte conteúdo:

«Veio o Réu apresentar recurso para o Tribunal Constitucional fundado na previsão da alínea b) do artigo 70.º, da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, onde se prevê; "Cabe recurso para o Tribunal Constitucional, em secção, das decisões dos Tribunais: (...) que apliquem norma cuja inconstitucionalidade haja sido suscitada durante o processo".

O mesmo reconhece que a invocação de inconstitucionalidade a que procedeu teve lugar através do seu requerimento de 12 de Outubro de 2021, no qual arguiu nulidades do acórdão (final) deste Supremo Tribunal de" Justiça proferido em 22 de Setembro de 2021.

Pelo que apenas no acórdão proferido em Conferência por este Supremo Tribunal de Justiça em 17 de Novembro de 2021, ao conhecer e desatender tal arguição de nulidades, de natureza estritamente formal, foi igualmente decidido não padecer o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 12 de Outubro ;de 2021 de qualquer vício de inconstitucionalidade.

Ora, nos termos do artigo 72.º, n.º 2, da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, relativo à legitimidade para recorrer, exige-se que "os recursos previstos nas alíneas b) e f) do n.º 1 do artigo 70.º só podem ser interpostos pela parte que haja suscitado a questão da inconstitucionalidade ou da ilegalidade de modo processualmente adequado perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida, em termos de este estar obrigado a dela conhecer"

In casu, ao longo do processado e até à prolação do acórdão final (de mérito) deste Supremo Tribunal de Justiça, o ora recorrente não suscitou qualquer vicio de inconstitucionalidade que obrigasse qualquer das instâncias a pronunciarem-se sobre tal matéria.

Apenas quando foi notificado do acórdão proferido por este Supremo Tribunal de Justiça, em última instância (onde nada foi dito a propósito de. vícios de inconstitucionalidade, que não tinham sido até aí sido suscitados em momento algum), o recorrente veio arguiu então nulidades do aresto ao abrigo do disposto no artigo 615.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, completamente infundadas aliás, e invocar, muito provavelmente com o premeditado propósito de tentar depois a interposição de recurso para o Tribunal Constitucional, os ditos vícios de inconstitucionalidade (violação do direito a um processo equitativo e ao direito à tutela jurisdicional efetiva, nos termos do artigo 20.º da Constituição da República Portuguesa).

O que significa, como nos parece óbvio, que carece o recorrente de legitimidade para tal interposição, uma vez que, para esse efeito teria que ter invocado, antes da prolação do acórdão final proferido nestes autos, a existência de qualquer vício de inconstitucionalidade que obrigasse o tribunal a dele tomar conhecimento, o que recorrente não fez, tal como bem demonstra o facto de em nenhuma das decisões de mérito proferidas nos presentes autos o Tribunal se ter visto obrigado a pronunciar-se quanto a tal matéria (à excepção naturalmente do dito acórdão do Supremo Tribunal de Justiça que foi proferido em Conferência, onde já não houve lugar ao conhecimento do fundo causa, mas em que apenas se cuidou de afirmar a inexistência dos vícios de natureza estritamente, formal (artigo 615.º, n.º 1. do Código de Processo Civil) que, injustificadamente, o recorrente veio nessa altura acusar).

Pelo que, nos termos do artigo 76.º, n.º 1 e 2, da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, rejeita-se o recurso para o Tribunal Constitucional interposto pelo recorrente, por ausência de legitimidade, nos precisos termos do artigo 72.º do mesmo diploma legal.

Notifique.»

4. Contra tal decisão foi apresentada a presente reclamação, nos termos que aqui se reproduzem:

«MASSA INSOLVENTE DE A., Recorrente nos autos à margem identificados em que é Recorrida MASSA INSOLVENTE DE B.,

Notificado que foi do despacho proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça, que rejeitou o recurso interposto pelo Recorrente para o Tribunal Constitucional, vem, nos termos previstos no artigo 76.° n.° 4 da Lei Orgânica do Tribunal Constitucional (Lei n.° 28/82, de 15 de Novembro), apresentar reclamação para o Tribunal Constitucional, o que faz nos termos e pelos seguintes fundamentos:

1. A 22.09.2021, a 6.a secção do Supremo Tribunal de Justiça proferiu acórdão que incidiu sobre o recurso interposto pela Massa Insolvente de B..

2. Analisado o seu teor, o aqui Reclamante identificou a existência de nulidades, que arguiu, nos termos previstos no artigo 615.° n.° 1, alínea d) e n.° 4 e do artigo 682.° n.° 1, ex-vi artigo 666.° n.° 1 e 2 e artigo 685.°, todos do Código de Processo Civil, tendo igualmente invocado a inconstitucionalidade da decisão proferida, por entender ter sido violado o artigo 20.° (princípio do acesso ao direito e à tutela jurisdicional efectiva), o artigo 13.° (princípio da igualdade) e o artigo 202.° n.° 1 (dever de administração da justiça imposto aos Tribunais), todos da Constituição da República Portuguesa.

3. Após apreciar os vícios invocados pelo aqui Reclamante, a 6.a secção...

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