Acórdão nº 00339/21.1BECBR de Tribunal Central Administrativo Norte, 29 de Abril de 2022

Magistrado ResponsávelRog
Data da Resolução29 de Abril de 2022
EmissorTribunal Central Administrativo Norte

EM NOME DO POVO Acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte: A NO---, L.da, veio interpor recurso jurisdicional da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra, de 12.11.2021, pela qual foi julgada (totalmente) improcedente a acção de contencioso pré-contratual, por si intentada contra o Município (...), para impugnação do acto de adjudicação da aquisição de serviços de vigilância e segurança humana do Convento de (...), no âmbito do “Concurso Público Internacional nº8/2021, à Contra-interessada VI--- Lda, acção na qual é peticionada, para além da anulação do acto de adjudicação, a exclusão da proposta vencedora, a anulação de eventual contrato entretanto celebrado na pendência da acção e a consequente adjudicação do contrato à Autora.

Invocou para tanto, em síntese, que a decisão recorrida viola, por erro de interpretação e aplicação ao caso concreto, o disposto no artigo 70.º, n.º 2, alíneas a) e) e f), do Código dos Contratos Públicos, dado que, ao contrário do decidido, a proposta da Contra-Interessada VI--- deveria ter sido excluída, não só por apresentar um preço anormalmente baixo, como também por violar igualmente vinculações leais e regulamentares aplicáveis e ainda por não ter apresentado um dos documentos da proposta tal como exigido pelo programa do concurso.

Não foram apresentadas contra-alegações.

O Ministério Público neste Tribunal emitiu parecer no sentido de ser concedido provimento ao recurso.

* Cumpre decidir já que nada a tal obsta.

* I - São estas as conclusões das alegações que definem o objecto do presente recurso jurisdicional: A. O litígio apreciado pelo douto Tribunal a quo tem origem no Concurso Público Internacional para Prestação de Serviços de Vigilância e Segurança Privada lançado pela Recorrida, com a referência n.º 8/2021, no âmbito do qual a proposta da Recorrente foi graduada em 2.º lugar e o Recorrido adjudicou, através do Acto de Adjudicação, a proposta da Contra-Interessada VI---.

B. Tendo o presente Recurso por objecto a Sentença de 12.11.2021, através da qual o Tribunal a quo julgou totalmente improcedente a acção, por entender, em suma, que não se verifica qualquer causa de exclusão da proposta da Contra-Interessada VI---, mormente, por não apresentar a mesma um preço anormalmente baixo e por não implicar qualquer violação de disposições legais ou regulamentares aplicáveis.

C. Não se pode concordar com a posição vertida na douta Sentença, porquanto a mesma padece de evidentes erros de julgamento, na interpretação das normas legais aplicáveis, desde logo na norma contida no artigo 70.º, n.º 2, alíneas a), e), e alínea f) do CCP, tal como se demonstrará de seguida: I. Do erro de julgamento na interpretação da norma contida no artigo 70.º, n.º 2 alínea e), do CCP – Do Preço Anormalmente Baixo da Proposta da VI---.

D. Entende o douto Tribunal a quo que a Entidade Adjudicante não estava obrigada a excluir a proposta da Contra-Interessada VI---, uma vez que, do regime previsto nos artigos 71.º e 70.º, n.º º, al. e) do CCP, a mesma apenas se encontra adstrita a uma “faculdade”, de “exercício discricionário, e não um dever”, numa errada interpretação do regime legal aplicável e do espírito que subjaz ao mesmo, tendo em conta a factualidade apurada e dada por provada:

a) Foi fixado como preço base (“PB”) nos termos da cláusula 6.3 do CE, o valor de €220.000,00 (duzentos e vinte mil euros), para a duração do contrato de 12 meses, cfr. cláusula 5.1 do CE, não tendo sido fixado, previamente, qualquer limiar de preço anormalmente baixo (“PAB”).

b) Como critério de adjudicação fixou-se na cláusula 8.ª do PC, o da proposta economicamente mais vantajosa, de acordo com o artigo 74.º, n.º 1, al. b) do CCP, sendo avaliado o preço como único aspecto da execução do contrato a submeter à concorrência.

c) No âmbito deste Concurso, a NS--- apresentou proposta da qual consta o preço de €204.122,54 e a Contra-Interessada VI--- apresentou proposta, com o valor de €186.759,04.

d) Tendo a VI--- apresentado no documento da proposta “Atributos da Proposta”, como “Metodologia justificativa de preço apresentado”, cfr. facto provado 10., o seguinte:[imagem que aqui se dá por reproduzida] e) O Júri proferiu Relatório Final, cfr. facto provado 13. entendendo-se não se verificar qualquer preço anormalmente baixo por parte da Contra-interessada VI---, tendo ordenado esta em 1.º lugar e a NS--- em 2.º lugar.

E. Desta factualidade resulta, sem margem para dúvidas e ao contrário do entendimento do Tribunal a quo que a proposta da VI--- configura uma proposta não séria e incongruente, ao apresentar um preço que não representa a totalidade dos custos mínimos e obrigatórios a ter em conta na prestação de serviços de segurança privada e, em particular, para efeitos do contrato a celebrar na sequência do Concurso.

F. Mal andando o douto Tribunal a quo, porquanto, incorreu em manifesto erro de direito na interpretação que faz da norma contida no artigo 70.º, n.º 2, alínea e), do CCP, nos termos da qual são excluídas as propostas cuja análise revele um preço ou custo anormalmente baixo.

G. De facto, pese embora a Entidade Adjudicante não tenha, previamente, fixado um critério para a definição do preço anormalmente baixo, nas peças do procedimento, tal não a exime de, casuisticamente, averiguar da seriedade das propostas apresentadas, garantindo a salvaguarda do interesse público na obtenção da proposta economicamente mais vantajosa.

H. Perante cada proposta e situação concreta, cabe à Entidade Adjudicante, obrigatoriamente (e não por mera faculdade) averiguar da seriedade de cada uma das propostas apresentadas, verificando que cada proposta contém a devida demonstração de que a adjudicação conduzirá à celebração de um contrato no qual não exista um risco de incumprimento - ou a suspeita de que o mesmo irá ocorrer durante a execução do contrato.

I. Tal resulta consolidado, de resto, pela nova redacção do artigo 71.º, n.º 2 do CCP, na versão introduzida pela Lei n.º 30/2021, de 21.05 que prevê expressamente: “2 - Mesmo na ausência de definição no convite ou no programa do procedimento, o preço ou custo de uma proposta pode ser considerado anormalmente baixo, por decisão devidamente fundamentada do órgão competente para a decisão de contratar, designadamente por se revelar insuficiente para o cumprimento de obrigações legais em matéria ambiental, social e laboral ou para cobrir os custos inerentes à execução do contrato.”.

J. Nas palavras de PEDRO SÁNCHEZ, in “A Revisão de 2021 do Código dos Contratos Públicos”, AAFDL, 2021: “(…) o único dever de fundamentação que se mantém agora na Revisão de 2021 incide – nos termos do renovado n.º 1 do artigo 71.º - sobre o critério que presidiu à fixação do limiar do preço anormalmente baixo, mas não sobre a circunstância de ter sido fixado um determinado limiar. Portanto, o decisor público não fica punido com um dever procedimental agravado resultante da opção de combater preços anómalos; não existe qualquer incentivo negativo à eliminação do limiar do preço anormalmente baixo – qual seria inexplicável à luz do dever, que incide sobre toda a Administração Pública, de promoção dos objectivos horizontais de natureza ambiental, social e laboral em toda a actividade pública, incluindo a actividade contratual.”.

K. De facto, pese embora a Entidade Adjudicante não tenha, previamente fixado um critério para a definição do preço anormalmente baixo, nas peças do procedimento, tal não a exime de, casuisticamente, averiguar da seriedade das propostas apresentadas, garantindo a salvaguarda do interesse público na obtenção da proposta economicamente mais vantajosa.

L. Tal era já o sentido da anterior revisão do CCP, de 2017, conforme vem sublinhando a Doutrina desde então: “Não está sequer em causa uma escolha discricionária: o n.º 2 do artigo 1.º-A impõe uma obrigação de escrutínio de comportamentos ilícitos ou predatórios de operadores económicos a que a entidade adjudicante se não pode furtar. Não se trata de uma norma permissiva para o exercício de uma competência discricionária, mas sim de uma norma atributiva de uma competência vinculada” (cfr. PEDRO SÁNCHEZ, Direito da Contratação Pública, Volume II, AAFDL, 2021, pp. 289-290).

“Em primeiro lugar, o artigo 18.º, n.º 2, da Directiva 2014/24/UE e o artigo 36.º, n.º 2, da Directiva 2014/25/UE, conferem expressamente às entidades adjudicantes o mandato para que, na execução dos contratos, assegurem «que os operadores económicos respeitam as normas em vigor em matéria social, laboral, ambiental e de igualdade de género, decorrentes do direito internacional, europeu, nacional ou regional» (…)Em termos que expressamente conferem às entidades adjudicantes uma habilitação legal para verificar o cumprimento pelos concorrentes das suas obrigações em matéria laboral, social e ambiental, assim postergando o entendimento sustentado pela jurisprudência nacional assente no princípio da legalidade das competências.” (cfr. ANA SOFIA ALVES, “Alterações ao Regime do Preço Anormalmente Baixo”, in E-Book Contratação Pública, Abril de 2018, pp...

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