Acórdão nº 00244/22.4BEBRG-A de Tribunal Central Administrativo Norte, 29 de Abril de 2022

Magistrado ResponsávelHelena Ribeiro
Data da Resolução29 de Abril de 2022
EmissorTribunal Central Administrativo Norte

Acordam, em conferência, os juízes desembargadores da Secção Administrativa do Tribunal Central Administrativo Norte: I.RELATÓRIO 1.1.

LM...

, NIF (…), residente na Av. (…), intentou a presente providência cautelar contra a Ordem dos Médicos, com sede na Av. (…), na qual requereu a suspensão do ato emanado em 08.04.2019 e do ato emanado em 30.01.2020, formulando o seguinte pedido: “Nestes termos, e nos demais que V.ª Ex.ª doutamente suprirá, se requer se digne mandar citar a R. na modalidade urgente, seja a presente providência cautelar de suspensão de atos administrativos julgada procedente por provada, com decretamento provisório e todas as legais consequências, seguindo-se os ulteriores termos desta até final, sem prejuízo de: a) Adotar a tramitação prevista nos artigos 128.º, e/ou subsidiariamente, 131.º do CPTA, decretando-se provisoriamente a presente providência cautelar de suspensão de eficácia dos atos administrativos nos autos de forma automática, seguindo-se os ulteriores termos até final; b) Sem prescindir, e caso o pedido de decretamento provisório da providência venha a ser indeferido, ou no caso de não ser possível a sua apreciação em tempo útil atenta a natureza urgente da providência requerida, seja promovida a citação pessoal e urgente, nos termos julgados adequados e previstos do artigo 561º do CPC, para os efeitos previstos no artigo 128º, nº 1 e/ou 131.º do CPTA.”.

1.2. Em 03.02.2022, o TAF de Braga, proferiu despacho de apreciação liminar, ao abrigo do disposto no artigo 116º nº1 do CPTA, do seguinte teor: « Postula o artigo 116.º, n.º 2 do CPTA, que sobre o requerimento de providência cautelar recai despacho liminar, sendo de rejeitar o mesmo quando: «a) falte qualquer dos requisitos indicados no n.º 3 do artigo 114.º que não seja suprido na sequência de notificação para o efeito; b) seja manifesta a ilegitimidade do requerente; c) seja manifesta a ilegitimidade da entidade requerida; d) seja manifesta a falta de fundamento da pretensão formulada; e) seja manifesta a desnecessidade da tutela cautelar; f) seja manifesta a ausência dos pressupostos processuais da ação principal.».

Sobre o despacho liminar, aduzem Mário Aroso de Almeida e Carlos Alberto Cadilha Fernandes, in “Comentário do Código de Processo nos Tribunais Administrativos”, 3ª edição revista, Almedina, 2010, pp. 777/778, o seguinte: “(...) a haver despacho liminar, justifica-se que seja em processos como os cautelares, que são processos urgentes, na medida em que, uma vez recebido o requerimento, este deve ser apresentado ao juiz sem mais delongas e que, por outro lado, ao juiz, no despacho liminar, não só cumpre evitar o inútil prosseguimento de processos inexoravelmente condenados ao insucesso (...).

O despacho liminar só deve ser de indeferimento quando o tribunal considere que é evidente ou manifesto que a pretensão formulada é infundada ou que existem exceções dilatórias insupríveis de conhecimento oficioso que impendem a emissão de uma pronúncia de mérito sobre a pretensão do requerente.”.

O despacho liminar de rejeição destina-se a eliminar ab initio os processos cautelares que não reúnam condições mínimas de viabilidade, evitando o inútil prosseguimento de um processo inevitavelmente condenado ao insucesso (vide a este respeito, entre outros, ob. citada, p. 585).

Pode identificar-se, pelo menos, uma dupla função na rejeição inicial do processo cautelar prevista no artigo 116.º n.º 2 do CPTA: i) uma, a de favorecer a economia processual, obstando ao desenvolvimento dos trâmites processuais que se revelariam inúteis face à inevitabilidade do fracasso do pedido cautelar; ii) outra, a de evitar a utilização abusiva da tutela cautelar com vista a obter, injustificadamente, o benefício dos mecanismos de proteção provisória previstos na lei, mormente o da proibição provisória da execução de ato administrativo a que alude o artigo 128.º do CPTA, quando é notório que o decretamento da providência cautelar está votada ao fracasso.

Naturalmente, o requerimento inicial de uma providência cautelar apenas deve ser rejeitado ao abrigo da alínea d) do n.º 2 do artigo 116.º do CPTA quando a falta de fundamento da pretensão cautelar formulada seja manifesta ou evidente. Mas se for de constatar logo perante o requerimento inicial da providência, pela manifesta falta de fundamento da pretensão, como sucede no caso, como veremos melhor infra, então impõe-se ao juiz que rejeite a mesma - Esse foi o sentido em que se decidiu no Ac. do TCA Sul de 22.08.2017, proferido no proc. n.º 569/17.0BELSB, in www.dgsi.pt, cuja fundamentação aderimos sem reservas.

Isto posto, importa frisar que, por via do processo cautelar, visa salvaguardar-se o efeito útil de uma ação administrativa já intentada ou ainda a intentar, impedindo-se a formação de uma situação irreversível ou de facto consumado, ou que sejam causados danos de tal modo gravosos na esfera jurídica da Requerente que ponham total ou parcialmente em causa tal efeito útil, na pendência daquela ação.

Tratando-se de um processo urgente (cfr. artigo 36.º, n.º 1, alínea f), do CPTA), e de natureza instrumental, provisória, necessária e sumária relativamente à ação principal, exige-se uma apreciação meramente perfunctória e sumária dos seus pressupostos, mormente da legitimidade das partes (cfr. artigo 112.º do CPTA) e dos requisitos previstos no artigo 114.º do mesmo diploma legal.

Assim sendo, e primeiro que tudo, não podemos olvidar que entre nós tem sido adotado um conceito de causa de pedir conforme à teoria da substanciação, devendo entender-se como tal o facto jurídico concreto, devidamente consubstanciado no espaço e no tempo, de que procede o efeito que se pretende fazer valer com a ação.

De facto, ao requerente de uma providência cautelar incumbe, desde logo, o ónus de alegação dos factos integradores dos elementos constitutivos do direito à obtenção da tutela cautelar, o que implica que deve ser feita no requerimento inicial do processo cautelar a alegação de factos concretos que, uma vez provados, permitam ao tribunal extrair as conclusões de que a lei faz depender a procedência da pretensão, mais do que a alegação dos pressupostos normativos.

O que decorre desde logo do princípio do dispositivo, ínsito no artigo 5.º do CPC, aqui aplicável ex vi do artigo 1.º do CPTA, nos termos do qual cabe à parte interessada a alegação dos factos essenciais que constituem a causa de pedir.

O que significa que cabe ao requerente alegar os factos concretos e as razões de direito que constituem a causa de pedir da concreta pretensão cautelar que deduza, e que em sua opinião demonstram o preenchimento dos requisitos de que depende a procedência do pedido cautelar formulado, e, por conseguinte, a adoção da providência requerida – cfr. Acs. do TCA Sul de 17.06.2004, proferido no proc. n.º 00166/04; de 10.08.2015, proferido no proc. n.º 12424/15, disponíveis in www.dgsi.pt; cfr. Mário Aroso de Almeida e Carlos Alberto Fernandes Cadilha, in, “Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos”, Almedina, 2005, pág. 114 ss.

No caso sub judice, a Requerente requer a suspensão dos atos emanados pela Ordem dos médicos em 08.04.2019 e em 30.01.2020, decorrendo do alegado no requerimento inicial que já correu termos neste tribunal sob o processo 2372/20.1BEBRG uma providência cautelar, na qual, foi requerida a suspensão destes dois atos administrativos (pontos 1, 2. e 3. dos factos assentes).

Ora, como está bom de se ver, não pode vir a Requerente interpor nova providência cautelar, referente aos mesmos atos, conforme preceitua o artigo 362.º, n.º 4 do CPC que dispõe que «[N]ão é admissível, na dependência da mesma causa, a repetição de providência que haja sido julgada injustificada ou tenha caducado.».

Compulsado o processo 2372/20.1BEBRG, denota-se que foi proferida sentença em 31.07.2021 que improcedeu a providência cautelar, tendo a Requerente interposto recurso para o Tribunal Central Administrativo Norte que proferiu acórdão em 17.12.2021 que confirmou a sentença proferida em 1.ª instância, negando provimento ao mesmo (factos provados 1, 2. e 3).

Esta norma (artigo 362.º, n.º 4) tem o efeito e alcance prático do caso julgado previsto no artigo 580.º do CPC, pois esta exceção não se aplica às providências cautelares.

Temos então de ver se neste novo procedimento cautelar os sujeitos são os mesmos e com se é o mesmo objeto (pedido idêntico fundado em idêntica causa de pedir).

A identidade de sujeitos consiste em as partes serem as mesmas sob o ponto de vista da sua qualidade jurídica desde que sejam portadoras do mesmo interesse substancial.

A identidade de pedidos verifica-se quando numa e noutra causa se pretende obter o mesmo efeito jurídico do ponto de vista da tutela jurisdicional reclamada e do conteúdo e objeto do direito reclamado.

A identidade de causa de pedir consiste em a pretensão deduzida em ambas as causas proceder do mesmo facto jurídico, tendo presente que a causa de pedir consiste na alegação da relação material de onde o autor faz derivar o correspondente direito e, dentro dessa relação material, na alegação de factos constitutivos do direito.

Isto posto, volvemos ao caso em apreço e vejamos se existe a referida tríplice de identidade.

Quanto à identidade de sujeitos, não existem dúvidas que a mesma se verifica, apesar de nesta ação, a Requerente indicar um contrainteressado, que, no caso, não se verifica.

Com efeito, prevê o artigo 57.º do CPTA que «Para além da entidade autora do ato impugnado, são obrigatoriamente demandados os contrainteressados a quem o provimento do processo impugnatório possa diretamente prejudicar ou que tenham legítimo interesse na manutenção do ato impugnado e que possam ser identificados em função da relação material em causa ou dos documentos contidos no processo administrativo.».

Está em causa um processo disciplinar que apenas afeta a pessoa em causa e a procedência da ação não prejudica diretamente ninguém (a não ser o próprio)...

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