Acórdão nº 0430/16.6BEPRT de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 04 de Maio de 2022
Magistrado Responsável | PAULA CADILHE RIBEIRO |
Data da Resolução | 04 de Maio de 2022 |
Emissor | Supremo Tribunal Administrativo (Portugal) |
Acordam em conferência na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo: 1. Relatório 1.1.
A………… SGPS, S.A., sociedade identificada nos autos, interpõe recurso da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto que julgou totalmente improcedente a impugnação judicial por si apresentada contra a liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (IRC), relativo ao exercício de 2014, no montante a pagar de €159.552,87, na parte respeitante à autoliquidação de tributação autónoma prevista no artigo 88.º, n.º 14, do Código do IRC, concluindo da seguinte forma as suas alegações de recurso: «i .
A questão central do diferendo entre a Recorrente e a Recorrida, quanto ao exercício de 2014, resume-se a saber se, relativamente a empresas que se encontrem inseridas num grupo fiscal enquadrado no RETGS, o agravamento das taxas de tributação autónoma tem por referência o resultado agregado do Grupo ou o resultado individual das empresas que o compõem (a quem respeita a tributação autónoma).
ii .
Entende o Tribunal a quo, invocando a decisão arbitral dada no processo n.º 685/2015-T, que a expressão “sujeitos passivos”, ínsita no aludido preceito, pode, pelo seu teor literal, ser interpretada como reportando-se à sociedade dominante do grupo.
iii .
Salvo o devido respeito, a ponderação peca pela simplicidade da abordagem ao tema, porquanto a adequação de aplicabilidade da norma foi apenas sindicada com exclusivo apego à qualificação formal da incidência subjectiva, descurando em absoluto a determinante incidência objectiva material da norma e o seu confessado propósito – o qual aponta decisivamente no sentido de que a lei pretendeu ter por referência, ab initio, os prejuízos fiscais de cada empresa que suporta encargos sujeitos a tributação autónoma.
iv.
Desde logo, cumpre notar que a lei não estabelece, quanto o RETGS, um regime especial de “determinação do IRC” ou da “ tributação das empresas ”, mas apenas de “determinação da matéria colectável ” - o que, desde logo, afasta literalmente a tributação autónoma, dado que a tributação autónoma de determinadas e concretas despesas nada tem que ver com a operação de lançamento em que se concretiza, na técnica tributária, a determinação da matéria colectável do grupo – inerente ao RETGS.
v.
Em lugares paralelos da lei, mormente no que tange a formas de tributação autónomas do IRC, o legislador não deixou de estabelecer, expressamente, regras específicas aplicáveis às empresas enquadradas no RETGS – como a Derrama ou os Pagamentos Adicionais por Conta – considerando a esfera individual das empresas que integram o grupo.
vi .
Face à necessária unidade e coerência do sistema fiscal, não se descortina qualquer fundamento material susceptível de justificar, em sentido oposto, que o agravamento das taxas de tributação autónoma seja efectuado por outro referencial senão, como naquelas realidades, a esfera jurídica tributária de cada uma das empresas que efectuam as despesas sujeitas a tributação autónoma.
vii .
Mais do que isso, a correcta e rigorosa sindicância sobre o sentido e extensão da norma de incidência que agrava a tributação autónoma não pode (não deve) ser feita através da mera invocação, simplista, de que a sociedade dominante é um “ sujeito passivo ” de I R C, porquanto tal qualificação, embora incontroversa, é absolutamente estranha à questão jurídica central.
viii .
Está em causa, outrossim, determinar o sujeito passivo da tributação autónoma que a lei veio a agravar – dado que tal qualificação não pode apartar-se ou contrariar o objecto, natureza e mecânica inerente a tal tributação da despesa.
ix.
Estando em causa um critério de agravamento da taxa de tributação autónoma, os pressupostos de tal agravamento ter-se-ão por verificados, como se afigura evidente, na esfera jurídica tributária do efectivo sujeito passivo – sobre o qual é efectuado o concreto lançamento e liquidação (autónoma).
x.
O legislador criou as taxas de tributação autónoma com o intuito de dissuadir as sociedades a apresentar determinado tipo de despesas com regularidade e de elevado montante, de forma a evitar, igualmente, que os sujeitos passivos de IRC utilizassem determinadas despesas para proceder à distribuição camuflada de lucros, bem como para evitar a fraude e a evasão fiscal.
xi .
No caso concreto, consta do Relatório da LOE2011, que introduziu o referido n.º 14 no artigo 88.º do CIRC, o seguinte: «determina-se, com caráter de general idade, que as taxas de tributação autónoma sofram uma elevação de 10 pontos percentuais sempre que os sujeitos passivos apresentem prejuízos fiscais, com o que se pretende dar um sinal claro de moralização na gestão das empresas no tocante a gastos como ajudas de custo ou despesas de representação».
xii .
Ou seja, o legislador pretendeu fazer uso de uma forma de tributação que assume uma clara autonomia face ao IRC, com vista a controlar, penalizar e dissuadir determinados gastos propícios a gerar a distribuição oculta de lucros na esfera das entidades que incorrem, em concreto, naqueles gastos.
xiii .
Também este Supremo Tribunal Administrativo se pronunciou a respeito da natureza da Tributação Autónoma, no sentido de que «nada tem que ver com a tributação do rendimento, mas sim com a tributação de certas despesas, que o legislador entendeu, pelas razões atrás apontadas fazê-lo de forma autónoma. ”, acrescentando que “ cada despesa é havida como constituindo facto tributário autónomo sujeito a taxas diferentes das de IRC” , e que “a matéria colectável sujeita à incidência das taxas de tributação autónoma é o mero somatório das diversas parcelas de despesa .
”. Ac. 21.03.2012, dado no proc. 0830/11.
xiv.
A nossa doutrina, remetendo para a sindicância constitucional sobre a retroactividade do agravamento das taxas de tributação autónoma, refere que a natureza da tributação autónoma é uma questão prévia determinante para arribar a uma correcta solução – atenta a sua qualificação como mecanismo de tributação independente e efectivamente autónoma em face do IRC.
xv.
Da Jurisprudência deste Venerando Tribunal, dada no Acórdão de 06.07.2011, processo n.º 0281/2011, resulta também que as tributações autónomas incidem sobre despesa e não sobre rendimento; são impostos que penalizam determinados encargos incorridos pelas empresas; apuram-se de forma totalmente independente do IRC; são sujeitos a taxas diferentes do IRC e, por conseguinte, não se relacionam sequer com a obtenção de um resultado positivo ou negativo.
xvi .
Se a tributação autónoma não está relacionada com a obtenção de resultado positivo por parte da empresa que incorre na despesa – apenas visa o facto tributário em que se esgota a realização dessa despesa cumpre questionar qual o sentido de se interpretar um agravamento da taxa de tributação que não tem por mínima referência a esfera da empresa que incorreu naquela despesa autonomamente tributada? xvii .
É que, no que respeita à tributação autónoma, o facto gerador do imposto é a própria realização da despesa por uma determinada entidade – é esse o facto tributário instantâneo sujeito a tributação, e, necessariamente, na esfera da entidade que incorreu na despesa.
xviii .
Logo, o referencial do agravamento da taxa da tributação autónoma, considerando a sua natureza dissuasora, disciplinadora ou “moralizadora ”, não pode deixar de ser o apuramento de prejuízo fiscal na esfera da empresa que incorreu na despesa que o legislador, em concreto, pretendeu onerar ab inito.
xix.
Como resulta da Jurisprudência...
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