Acórdão nº 0484/17.8BECBR de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 04 de Maio de 2022

Magistrado ResponsávelPAULA CADILHE RIBEIRO
Data da Resolução04 de Maio de 2022
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam em conferência na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo: 1. Relatório 1.1.

O INSTITUTO DA SEGURANÇA SOCIAL, I.P., vem interpor recurso da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra que julgou procedente a impugnação judicial deduzida pela Casa do Povo da ............, IPSS, contra a liquidação oficiosa de contribuições n.º 00037625, de 18 de abril de 2017, no montante de €6.611,57, relativa ao período de 01/2014 a 12/2014, concluindo da seguinte forma as suas alegações de recurso: 1- Vem o presente recurso interposto da douta sentença proferida pelo Mmº Juiz do Tribunal a quo, que julgando procedente a presente impugnação anulou a liquidação oficiosa por entender padecer a mesma de erro quanto aos seus pressupostos, condenando a ora Recorrente, para além do mais, na “…restituição do imposto indevidamente liquidado e ao pagamento de juros indemnizatórios na proporção daquilo que tiver sido comprovadamente pago…” 2- Veio a Impugnante, ora Recorrida, com a presente ação, impugnar, nos termos e com os fundamentos nela expostos, conforme deduz a final, o ato de liquidação oficiosa de contribuições para a segurança social e respetivos juros, notificada através do oficio nº 00037625, do Núcleo de Identificação, Qualificação e Gestão de Remunerações da Unidade de Prestações e Contribuições do Centro Distrital de Coimbra, nos termos do qual lhe foi comunicado o registo oficioso de remunerações relativas ao período contributivo de 01/2014 a 12/2014, à taxa contributiva de 32,20%, registo a que corresponde um valor de contribuições/quotizações total de € 6.611, 57, acrescidas dos respetivos juros calculados à taxa legal.

3- Efetivamente, na sequência do pedido de intervenção do Núcleo de Fiscalização de Equipamentos Sociais da Unidade de Fiscalização do Centro do Instituto de Segurança Social I.P. (ISS.IP.), foi aberto um processo de averiguações (PROAVE) à instituição particular de solidariedade social, ora Recorrida, tendo como objeto aferir a regularidade do comportamento da mesma ao nível da relação jurídica de vinculação e contributiva com o Sistema de Segurança Social, mais concretamente, se os trabalhadores dependentes e independentes se encontram corretamente enquadrados nos devidos regimes de proteção social e se todas as remunerações sujeitas a incidência contributiva estão a ser devidamente declaradas aos serviços de segurança social.

4- Proferida que foi douta sentença pela Mmª Juíza atenta toda a matéria de facto dada como provada, com relevância para a decisão da causa, e que por razões de economia processual, se nos for permitido, nos dispensamos de reproduzir, fixada a factualidade relevante, concluiu a Mmª Juíza do Tribunal a quo, depois de definir o quadro legal aplicável na situação em apreço e perscrutada a jurisprudência a esse propósito vertida, no que se refere à qualificação dos contratos celebrados entre a ora Recorrida e os enfermeiros como contratos de trabalho ou de prestação de serviços e consequentemente enquadramento dos respetivos trabalhadores no devido regime de proteção social, que “(…) num juízo de ponderação global, que é, como já referido, o juízo a fazer nestes casos há que concluir que existem mais indícios que concorrem para a existência de uma prestação de serviços real e não de um vinculo contratual típico de um contrato de trabalho.” 5- Salvo o devido respeito, que é muito, por tal entendimento e embora, não ignorando toda a fundamentação aduzida na douta sentença recorrida, não podemos concordar com a subsunção, que da matéria fáctica apurada, foi efetuada pela Mmª juíza a quo, ao quadro legal aplicável na situação em apreço, não lhe assistindo razão nos fundamentos que invoca, para decidir da forma como o fez.

6- Sendo certo que os enfermeiros exercem as suas funções por tunos, os quais são fixados por acordo, pois são propostos pelos enfermeiros, tal não significa que os enfermeiros prestavam trabalho apenas quando tinham disponibilidade para o efeito e pelo período estritamente necessário à execução do “serviço”.

7- Pelo contrário, daqui resulta que os mesmos estavam sujeitos a um horário de trabalho previamente fixado, por turnos e estavam sujeitos a uma obrigação de permanência nas instalações da entidade empregadora (no local de trabalho), não podendo abandonar o local uma vez concluído “o serviço”, conforme ficou evidente nos autos de declarações elaboradas aos enfermeiros constantes do processo administrativos, e conformado pelo depoimento da testemunha A.............

8- Ou seja, os enfermeiros tinham verdadeiramente uma obrigação de prestação de atividade, dado que os mesmos estavam obrigados a permanecer nas instalações da impugnante durante todo o turno e não apenas pelo tempo estritamente necessário para a prestação do serviço (obrigação de prestação de um resultado), pois que eram pagos à hora e não eram pagos por penso, curativo, ou por consulta de enfermagem isto é, são pagos em função do tempo que permanecem na instituição, independentemente da quantidade de tarefas que realizem nesse tempo.

9- Na verdade, o pessoal de enfermagem tem um dever de permanência no local de trabalho, assegurando o cumprimento da carga horária do turno atribuído, dever este que não se compadece com o modelo da relação de prestação de serviços.

10- Sendo que o Tribunal não pode ignorar que nas escalas de turnos constaram/constam enfermeiros que eram prestadores de serviços, estagiários e contratados com contrato de trabalho, pelo que, coerentemente não se poderá concluir que aqueles horários por turnos são vinculativos para enfermeiros com estágio ou contrato de trabalho e constituem uma espécie de acordo não vinculativo para os prestadores de serviços.

11- Por outro lado, ainda que resulte dos autos de declarações que os enfermeiros em causa não registam a assiduidade em qualquer sistema, para efeitos de controlo dessa assiduidade ou absentismo, tal assiduidade é controlada, ainda que por via indireta, nomeadamente para efeito de permitir à ora recorrida determinar a remuneração devida a cada um, não sendo verossímil que uma Instituição processe honorários cegamente, sem ter um controlo mínimo da qualidade do trabalho executado e da assiduidade do profissional contratado.

12- Sendo certo que, ainda que tal remuneração possa ser variável, certo é que, auferem uma remuneração periódica mensal como contrapartida do seu trabalho, remuneração esta fixada em função do número de horas ou tempo de trabalho despendido (obrigação de meios/de prestar uma atividade) e não em função de uma tarefa ou de um resultado (obrigação de resultado).

13- Refira-se, ainda, como de resto não ficou provado, não é crível que os enfermeiros não tenham de comunicar previamente faltas, folgas e dias de férias à entidade empregadora, pois a instituição tem de coordenar e compatibilizar as presenças e ausências dos vários enfermeiros de forma a assegurar que dispõe sempre, pelo menos, de um (ou de dois) enfermeiros(a) nas instalações.

14- Mais acrescentando que, não obstante ter sido dado por provado que os enfermeiros em causa nos autos não constam do quadro de pessoal da impugnante, ignorou o Tribunal a prova documental constante do processo de averiguações, onde consta o mapa de afetação real e efetivo de todos os recursos humanos, aliás, facultando pela entidade empregadora, ora Recorrida, e no qual se incluem os enfermeiros em causa, para prova do cumprimento dos rácios mínimos de pessoal exigidos para cumprimento da legislação, nomeadamente, para o cabal cumprimento dos ratios de pessoal previstos no artigo 12º da Portaria nº 67/2012, de 21 de março. Portaria esta que define as condições de organização, funcionamento e instalação a que devem obedecer as estruturas residenciais para pessoas idosas.

15- Por último, diga-se que, ainda que resulte demonstrado que alguns dos enfermeiros não trabalham em regime de exclusividade para a Recorrida, certo é que, da prova recolhida em sede inspetiva e confirmado pela testemunha A............, ao contrário do decidido, estavam os mesmos em situações de dependência económica da Recorrida na medida em que o principal meio de sustento provinha dos rendimentos auferidos pelo exercício de atividade na Recorrida, sendo que, por outro lado, não eram livres para cessar a prestação de trabalho quando lhes aprouvesse, isto é, sem formalidades a todo o tempo e com efeitos imediatos, estando pelo contrário, sujeitos, nomeadamente, a um dever contratual de comunicação antecipada de cessação do vinculo contratual à entidade empregadora com carta registada, com antecedência mínima de 30 dias, com invocação dos motivos para a cessação, ou seja, formalidades de cessação contratual típicas de uma relação laborar com subordinação jurídica, e não de uma relação de prestação de serviços.

16- Donde, atento o supra exposto, tal como reconhecido na douta sentença recorrida, resultando provados os indícios que no entendimento na Mmª Juíza do Tribunal a quo concorrem para que se considere existir no caso em apreço um ambiente contratual típico da existência de um contrato de trabalho, no âmbito da execução das funções prestadas pelos enfermeiros, acrescidos dos indícios resultantes da interpretação, que dos factos dados por provados, o ora Recorrente, no seu modesto entendimento e, salvo o devido respeito por opinião contaria, deve ser efetuada conforme supra exposto, sendo ainda, particularmente relevante a desvalorização que a Mmª Juíza fez do facto de os prestadores de serviços de enfermagem desempenharem precisamente as mesmas funções, com idênticas características quanto ao modo de prestação de trabalho, que os enfermeiros devidamente enquadrados na segurança social como trabalhadores por conta de outrem de instituição ou equiparados a estas (no caso dos estagiários), fazendo a correta interpretação e subsunção de tal factualidade apurada ao quadro legal aplicável no caso sub judice, entende a ora Recorrente...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT