Acórdão nº 098/17.2BEALM de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 04 de Maio de 2022

Magistrado ResponsávelJOSÉ GOMES CORREIA
Data da Resolução04 de Maio de 2022
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo 1. – Relatório Vem interposto recurso de revista por A………… LDA.

, com os sinais dos autos, nos termos do disposto no artigo 285.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), do acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, de 15/04/2021, que concedeu parcial provimento ao recurso intentado pelo Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social, I.P. – Secção de Processo de Setúbal, da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Almada, que julgara procedente a oposição deduzida pela recorrente, no processo de execução fiscal n.º 1501-2016/ 00375420 e apensos, por dívidas provenientes de quotizações, contribuições e juros de períodos de tributação dos anos de 2005 a 2010, perfazendo o montante de 4.905.262,72 Euros.

Irresignada, nas suas alegações, formulou a recorrente A………… LDA.

, as seguintes conclusões: a. Entende a Recorrente que é de relevância jurídica e de interesse social, saber, se: (i) a notificação do relatório final e do encerramento do processo de averiguações ocorrido em 06/10/2011 (cf. ponto 11 da matéria de facto), pode ser equiparado ao ato de liquidação das contribuições e cotizações apuradas oficiosamente naquele processo de averiguações, substituindo-se ao ato de liquidação materializado em 30/09/20016 (cf. ponto 19 e 20 da matéria de facto); e (ii) a notificação do relatório final e do encerramento do processo de averiguações apenas à Mandatária da Oponente e não à Oponente (cf. ponto 11 da matéria de facto), atenta contra os direitos e interesses legítimos da Recorrente, enquanto destinatária do ato, violando o disposto no artigo 103.º, n.º 3 Constituição da República Portuguesa).

  1. Em concreto, crê a Recorrente que o Supremo Tribunal Administrativo não se pronunciou até à presente data sobre as questões enunciadas, de modo que se possa concluir existir uma jurisprudência uniforme sobre as mesmas.

  2. Considerando os efeitos jurídicos decorrentes da notificação dos atos acima identificados, deve reconhecer-se que nos presentes autos está em causa a proteção do instituto da caducidade dos atos de liquidação ínsito no artigo 45.º da Lei Geral Tributária e, bem assim, a salvaguarda dos direitos de defesa dos administrados quando sejam violadas as regras que regulam a perfeição dos atos de notificação.

  3. Nesse sentido, e estando em causa a salvaguarda dos direitos de defesa dos administrados, deve o presente recurso de revista ser admitido nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 285.º do CPPT.

  4. De facto, a admissão do recurso de revista deve ser concedida sempre que esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental ou quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito.

  5. No caso sub judice, sendo admitido o presente recurso de revista, a primeira questão a que importa responder é a de saber se a recorrida se deve considerar notificada das liquidações contributivas em 06/10/2011, pela comunicação escrita através da qual os serviços da segurança social notificaram o mandatário da aqui Recorrente do teor do relatório final e do encerramento do processo de averiguações ou, em 30/09/2016, pela notificação para pagamento feita ao mandatário da aqui Recorrente.

  6. Em concreto, é de relevância jurídica e de interesse social saber se a notificação do relatório final e do encerramento do processo de averiguações ocorrido em 06/10/2011 (cf. ponto 11 da matéria de facto), pode ser equiparado ao ato de liquidação das contribuições e cotizações apuradas oficiosamente naquele processo de averiguações, substituindo-se ao ato de liquidação materializado em 30/09/2016 (cf. ponto 19 e 20 da matéria de facto).

  7. A apreciação desta questão, porque é suscetível de abranger um inúmero número de casos, reveste-se de importância fundamental, na medida em que permitirá à entidade fiscalizadora liquidar contribuições e cotizações após o decurso do prazo de caducidade previsto no artigo 45.º da Lei Geral Tributária.

  8. Entende a Recorrente que através da notificação do relatório final de averiguações (materialmente equivalente a um relatório final de inspeção) é dado conhecimento do encerramento do processo de averiguações, sendo identificados e sistematizados os factos detetados, procedendo-se, ainda, à sua qualificação jurídico-tributária.

  9. Ademais, por intermédio da notificação do relatório final de averiguações, termina a eficácia suspensiva da ação de inspeção externa (cfr. artigo 62.º, n.º 2 do Regime Complementar do Procedimento de Inspeção Tributária e Aduaneira).

  10. Ora, a tese sufragada pela Recorrida e que foi acolhida pelo Tribunal recorrido, tem como consequência prática impedir a ocorrência da caducidade do direito à liquidação, pondo em causa os principais vetores do instituto da caducidade: a certeza jurídica e a defesa ordem pública, através da estabilização das situações jurídico tributárias dos contribuintes, permitindo que decorrido um determinado período, estas se tornem certas e inatacáveis.

  11. No caso em análise, apenas em 30 de setembro de 2016 (4 anos volvidos da conclusão do procedimento inspetivo!) viria a Recorrente, por intermédio do seu mandatário, a ser notificada do ato de liquidação decorrente do registo oficioso das declarações de remuneração relativas ao período de janeiro de 2015 a dezembro de 2010.

  12. Mais se diga que a equiparação feita na decisão recorrida entre notificação da conclusão do procedimento inspetivo e notificação do ato de liquidação das contribuições e quotizações em falta, para além de não ter acolhimento legal, é factualmente negada pelo teor do Documento n.º 3 junto aos autos em sede de petição inicial.

  13. Do citado documento consta expressamente que “(...) dispõe a entidade devedora, V/constituinte, do prazo de 30 dias para proceder ao pagamento voluntário das contribuições e cotizações apuradas e respetivos juros calculados à taxa legal, a contar da data da assinatura do aviso de receção, findo o qual, caso seja constatada a ausência de pagamento, será instaurado o competente processo de cobrança coerciva do débito apurado, ao abrigo do Decreto-lei n.º 42/2001, de 9 de fevereiro na sua redação atual”.

  14. Motivo pelo qual, não se pode aceitar que a notificação da conclusão do procedimento inspetivo seja reputada como um ato de liquidação, permitindo desse modo retroagir a notificação do ato de liquidação à data de 30 de setembro de 2011, impedindo assim a ocorrência da prescrição / caducidade da dívida.

  15. Por todo o exposto, dúvidas não restam de que a Segurança Social quando notificou a Recorrente do ato de liquidação, atuou em violação do prazo de caducidade consagrado no artigo 45.º da Lei Geral Tributária.

  16. Motivo pelo qual, a decisão recorrida não pode manter-se na ordem jurídica, por ter procedido a uma errada aplicação das normas aplicáveis ao caso, devendo a decisão recorrida ser substituída por decisão que reconheça que o ato notificado ao Mandatário da Oponente em 30 de setembro de 2011, consiste no Relatório Final do Processo de Averiguações n.º 200701191481 (isto é, no Relatório Final de Inspeção – cfr. Documento n.º 2 junto aos autos em sede de petição inicial) e não ao ato de liquidação de contribuições que, necessariamente, é posterior a notificação daquele Relatório, e que apenas foi notificado à Mandatária da Oponente em 22 de setembro de 2016.

  17. Quando à segunda questão, importa saber face às normas em vigor, podendo a notificação em causa ser qualificada como um ato de liquidação de contribuições e quotizações, esse ato podia ser exclusivamente notificado à Mandatária da Oponente.

  18. Entende a Recorrente que esta segunda questão é também ela suscetível de abranger um inúmero número de casos, e é de manifesta importância na medida em que permite à entidade fiscalizadora instaurar processos de execução fiscal sem que se mostre provada a notificação às entidades empregadoras para procederem ao pagamento voluntario de dívidas exequendas.

  19. No caso, o ato de liquidação, independentemente de se considerar ter sido notificado na data de 30/11/2011 ou em 21/09/2016, foi notificado apenas e exclusivamente à Mandatária da Oponente e nunca ao sujeito passivo (aqui o Recorrente), em manifesta violação das normas legais que regulam a notificação dos atos de liquidação.

  20. No caso, entende a Recorrente que a notificação do ato de liquidação, por constituir um ato com caráter pessoal, apenas se pode considerar perfeita com a notificação do próprio interessado.

  21. Note-se que em Acórdão de 13 de janeiro de 2021, o Supremo Tribunal Administrativo admitiu um recurso de revista em que se pretendia saber se a recorrente não “carecia de ser notificada do ato de liquidação adicional de IMT pela Administração Tributária, porque considerou-se notificada por efeito da notificação consumada ao seu cônjuge (…) e se a falta de notificação, não atenta contra os direitos e interesses legítimos da recorrente, enquanto contribuinte, esquartejando-lhe, enquanto ao sujeito passivo, o exercício dos direitos e cumprimentos dos deveres previstos nas normas tributárias”.

  22. No caso, a questão de direito essencial é a mesma: saber se a notificação do ato de liquidação que deu origem aos presentes autos podia ter sido notificada apenas à Mandatária da aqui Recorrente.

  23. Pelo que deve igualmente o presente recurso ser admitido e reconhecido que a notificação do ato de liquidação sindicado não foi notificado à Recorrente.

  24. Mais se devendo reconhecer que o Tribunal a quo deveria ter conhecido oficiosamente a violação do dever de notificação do ato de liquidação que deu origem ao título executivo que constituía o objeto da oposição judicial que deu origem ao presente recurso.

    Termos em que deve o presente recurso de revista ser admitido e julgado procedente.

    O recorrido Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social, IP.

    veio...

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