Acórdão nº 2132/19.2T8CSC.L1-4 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 27 de Abril de 2022

Magistrado ResponsávelCELINA NÓBREGA
Data da Resolução27 de Abril de 2022
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Decisão Texto Parcial:

Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Lisboa Relatório AAA, … apresentou participação nos serviços do Ministério Público na qual dava conta que, no dia 15.05.2019, na casa do empregador, BBB residente à …, sofreu um acidente que consistiu em “ Quando estava em cima de uma bancada da cozinha a limpar vidros e quando fui descer caí do escadote”.

Em 8.1.2020 realizou-se a tentativa de conciliação na qual o empregador aceitou a sua responsabilidade em função da retribuição anual de €14.000 x 14, mas não reconheceu o acidente dos autos como acidente de trabalho, nem o nexo de causalidade entre o acidente e as lesões sofridas pela Sinistrada, bem como declarou não estar de acordo com a avaliação da incapacidade feita pelo perito médico, não aceitando pagar as quantias propostas pelo Ministério Público, pelo que as partes foram consideradas não conciliadas.

Veio, então, a Sinistrada intentar a presente acção especial emergente de acidente de trabalho contra o empregador, pedindo que esta seja julgada procedente e que, em consequência: - o acidente seja descrito como acidente de trabalho; - Que sejam reconhecidas as lesões descritas e sofridas pela Autora, bem como todas as que vierem a ser apuradas e que o Réu seja condenado no pagamento: - do capital de remição correspondente à pensão anual e vitalícia de €196,00; - da quantia de € 4.264,04, a titulo de indemnização pelos períodos de incapacidade temporária atribuídos; - da quantia de €629,80, a título de despesas médicas e medicamentosas despendidas pela Autora em consequência do acidente de trabalho sofrido; -da quantia de €10,00 despendidos em transportes com as deslocações efectuadas ao Tribunal; -de todas as verbas desde 10/01/2019 a 31/03/2019, pela falta de contrato de trabalho; e - da quantia de 3.000,00€, pelos danos não patrimoniais sofridos pela Autora pela falta de assistência, pelas dificuldades em manter o alimento no seio familiar e por ter o nome registado no Banco de Portugal.

Para tanto invocou, em síntese, que iniciou a sua actividade como Empregada Doméstica para o Réu no dia 10/01/2019, mas só em 27/03/2019 foi comunicado ao Instituto de Segurança Social um contrato de trabalho de serviço doméstico a partir de 01/04/2019, que no dia 16 de Maio de 2019, no seu local de trabalho e quando estava em cima de um escadote a limpar a vidraça da cozinha, sofreu uma entorse no tornozelo esquerdo, na sequência do que foram-lhe concedidas várias baixas médicas, que o Réu não tinha seguro de acidentes de trabalho, não lhe tendo sido prestado qualquer auxílio, que por estar a passar dificuldades económicas, contraiu um empréstimo para sustentar a família, mas já se venceram várias prestações e a Autora viu o seu nome inscrito no Banco de Portugal e que, em consequência do acidente, ficou com dores e com limitações físicas.

Concluiu que os factos descritos configuram um acidente de trabalho, assistindo-lhe o direito à reparação dos danos sofridos na sequência do mesmo.

Citado, o Réu contestou invocando, em resumo, que há erro na forma de processo relativamente ao pedido de condenação em “todas as verbas desde 10.01.2019 a 31.03.2019, pela falta de contrato de trabalho”, que apenas a partir de 01.04.2019 o Réu celebrou um contrato de serviço doméstico com a Autora, que a Autora, no dia 16.05.2019, dirigiu-se calmamente à esposa do Réu, que se encontrava na sala e pediu para ir ao hospital, pois estava a sentir um pouco de dor no tornozelo, dor essa que a Autora há muito se queixava e admitia existir antes de ser contratada pelo Réu, que a Autora tinha por hábito trabalhar com o telefone na mão, que o Réu sempre se disponibilizou a custear as despesas apresentadas pela Autora e as decorrentes do episódio médico relatado nos autos, que aquando da ocorrência do evento a 16.05.2019, e após a assistência da Autora na Urgência do Hospital …, resultou de observação médica a existência de edema do tornozelo esquerdo, sendo igualmente referido que o período de recuperação não excederia as duas semanas, que a Autora prolongou a baixa médica duas vezes, por períodos de 10 e 21 dias, períodos esses que não foram acompanhados pelo Réu, desconhecendo, inclusive, se a Autora contribuiu de alguma forma para um agravamento da sua condição ou atraso na recuperação, que, atenta a demora na recuperação, a Autora foi, por recomendação do Réu, a uma consulta na Clínica … e, de acordo com o relatório clínico emitido nessa consulta, na sequência da realização da ecografia do tornozelo esquerdo, foram observados sinais de tendinite a nível dos tendões peroniais o que poderá revelar uma lesão prévia ao alegado incidente, ela sim, eventualmente, determinante/justificativa de uma eventual incapacidade temporária para o trabalho, que não aceita que qualquer movimento ou acção da Autora no âmbito da actividade normal de serviço doméstico possa ser a origem de tal lesão, que o sinistro, tal como vem configurado pela Autora não ocorreu nos termos pela mesma alegado, que caso se conclua pela ocorrência do episódio de queda nos termos relatados pela Autora, o mesmo não constitui um acidente de trabalho, que, não obstante a alegada queda ter ocorrido no local e no tempo de trabalho, a mesma não produziu nenhuma lesão corporal, perturbação funcional ou doença da qual resultasse uma redução na capacidade de trabalho nos termos relatados pela Autora, não se encontrando, assim, verificado o nexo de causalidade exigido, que as sucessivas baixas médicas posteriores ao período inicial, assim como a alegada incapacidade atribuída, não apresentam nexo de causalidade com o ocorrido a 16.05.2019, decorrendo sim, eventualmente, de uma outra prévia patologia sofrida pela Autora ou de um eventual incumprimento das indicações médicas dadas e que, nesse sentido, contribuíram para um agravamento da sua condição ou atraso na sua recuperação e que, caso se conclua pela existência de acidente de trabalho, poderá estar em causa uma descaracterização do mesmo por ter advindo exclusivamente de uma situação de negligência grosseira da sinistrada, caso se apure que a Autora estava a trabalhar com o telefone na mão ou que estava “empoleirada” na bancada da cozinha.

Pediu, a final, que a excepção dilatória de erro na forma de processo seja julgada procedente e o Réu absolvido da instância e que a acção seja julgada improcedente e o Réu absolvido de todos os pedidos.

O Réu requereu a realização de junta médica e formulou quesitos A Autora respondeu invocando que o Réu falta à verdade relativamente à relação laboral e que fará prova dos demais factos impugnados na contestação.

Foi proferido despacho saneador no âmbito do qual o Réu foi absolvido do pedido de condenação no ressarcimento da Autora por danos morais decorrentes do acidente sofrido pela mesma, bem como foi absolvido da instância quanto ao pedido de indemnizar a Autora de todas as verbas desde 10/01/2019 a 31/03/2019, pela falta de contrato de trabalho.

Foi fixada a matéria de facto assente, identificado o objecto do litígio e enunciados os temas da prova.

Foi determinado o desdobramento dos autos e criação de apenso para fixação da incapacidade para o trabalho, tendo sido fixada à Autora uma IPP de 2%.

Inconformada com o despacho saneador na parte em que absolveu o Réu do pedido de condenação nos danos não patrimoniais, a Autora recorreu, recurso que foi rejeitado por extemporâneo.

Procedeu-se a julgamento.

Foi proferida a sentença que finalizou com o seguinte dispositivo: “Em face do exposto, decide-se: - Condenar o Réu BBB a pagar à Autora AAA o montante de 4.269,04€ (quatro mil, duzentos e sessenta e nove euros e quatro cêntimos), devida desde a data do acidente, acrescida de juros de mora, à taxa legal, até efectivo e integral pagamento; - Condenar o Réu BBB a pagar à Autora AAA o capital de remição correspondente a uma pensão anual e vitalícia 196,00€ (cento e noventa e seis euros), devida desde 23-10-2019, acrescida de juros de mora, à taxa legal...

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