Acórdão nº 271/21.9T8PRG.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 28 de Abril de 2022

Magistrado ResponsávelJOAQUIM BOAVIDA
Data da Resolução28 de Abril de 2022
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães (1): I – Relatório 1.1. O Ministério Público intentou processo especial de acompanhamento de maior contra P. P., pedindo «a aplicação das seguintes medidas de acompanhamento: - Receber/Administrar as prestações sociais de que P. P. é beneficiário e ainda gerir a conta bancária de que é titular; - Poderes de representação para o encaminhar, caso se mostre necessário, para instituição».

Para o efeito, alegou, em síntese, que o Requerido padece, desde o nascimento, de um atraso do desenvolvimento, que se manifesta num défice cognitivo, de natureza crónica e definitiva, é incapaz de administrar convenientemente as quantias monetárias que recebe e tem o apoio de J. G., sua irmã, com quem vive, que lhe presta auxílio em tudo o que ele precisa.

*Frustrada a citação do Requerido por se encontrar impossibilitado de a receber, procedeu-se à citação na pessoa da sua defensora oficiosa, que não apresentou contestação.

*Foi realizado exame pericial, tendo o perito nomeado apresentado o competente relatório, após o que se procedeu à audição pessoal e directa do Requerido.

Seguidamente, proferiu-se sentença com o seguinte dispositivo, que a seguir se transcreve dado o seu relevo para o objecto do recurso: «Termos em que o Tribunal decide: 1. Decretar o acompanhamento de P. P. (art. 138º do Cód Civil).

  1. Designar para o cargo de acompanhante, J. G., residente na Rua ..., Peso da Régua (art. 143º do Cód Civil).

  2. Estabelecer as seguintes medidas de acompanhamento: a. Representação geral (arts. 145.º, n.º 2, al. b) do Cód Civil); b. Limitação no direito de celebrar negócios da vida corrente e no exercício dos direitos pessoais de casar, constituir união de facto, procriar, perfilhar ou adoptar, cuidar e educar de filhos, escolher profissão, se deslocar no país ou no estrangeiro, fixar domicílio e residência, de estabelecer relações com quem entender e de testar (arts. 147º do Cód Civil); c. Autoriza-se, desde já, a transferência do beneficiário para Lar ou outra unidade de saúde, caso se mostre necessário; 4. Decretar que as medidas de acompanhamento se tornaram convenientes desde a nascença; 5. Dispensar a constituição do Conselho de Família (arts. 145.º, n.º 4 do Cód Civil).

  3. Informar da não-existência de testamento vital ou procuração para cuidados de saúde.

    Sem custas (art. 4º, n.º 1, al.a) do Reg das Custas Proc).

    Registe e notifique.

    Após trânsito: 1. Publicite a presente decisão através de afixação de editais no tribunal e na sede da junta de freguesia da residência da Beneficiária, com a menção do nome desta e do objecto da presente decisão (art. 153º, n.º 1 do Cód Civil e arts 893º, n.º 1 e 902º, n.º 3, ambos do Cód de Proc Civil); 2. Comunique à Conservatória do Registo Civil competente, cumprindo o disposto no art. 1920º-B e 1920.º-C, aplicável ex vi art. 153.º, n.º 2, todos do Cód Civil e arts 894º e 902º, n.º 2 e n.º 3 do Cód de Proc Civil) e art. 1º, nº 1, al. h), 69º, n.º 1, al. g) e do art. 78º, todos do Cód. de Reg. Civil, devendo conter os elementos referidos no art. 78º, n.º 2, deste mesmo código).

  4. Abra vista à Digna Magistrada do Ministério Público e notifique o acompanhante para, querendo, procederem nos termos e para os efeitos do art. 902º, n.º 1 do Cód de Proc Civil.

  5. Após, remeta-se o processo ao arquivo e ao fim de 5 (cinco) anos abra vista a fim de serem revistas as medidas de acompanhamento ora decretadas (art. 155.º do Cód Civil).

    ».

    *1.3.

    Inconformado, o Ministério Público interpôs recurso de apelação da sentença, formulando as seguintes conclusões: «1. O Ministério Público propôs ação especial de acompanhamento de maior relativamente a P. P. ao abrigo do regulado nos artigos 138.º e 141.º, do Código Civil, tendo para o efeito alegado, em suma que P. P. é portador, desde o nascimento, de um atraso de desenvolvimento, que agora se manifesta por um défice cognitivo. Esta afetação é crónica e definitiva. Por via disso ele necessita do auxílio de terceiros para administrar e gerir a pensão que recebe e conclui que deverá ser aplicada a medidas de acompanhamento de representação no recebimento, administração e gestão das pensões sociais que aufere, gerir conta bancária do qual é titular no Banco ... e autorização para transferência do beneficiário para instituição ou outra unidade de saúde, caso se mostre necessário.

  6. O Tribunal A QUO decidiu estabelecer as seguintes medidas de acompanhamento: - Representação geral (arts. 145.º, n.º 2, al. b) do Cód Civil); - Limitação no direito de celebrar negócios da vida corrente e no exercício dos direitos pessoais de casar, constituir união de facto, procriar, perfilhar ou adoptar, cuidar e educar de filhos, escolher profissão, se deslocar no país ou no estrangeiro, fixar domicílio e residência, de estabelecer relações com quem entender e de testar (arts. 147º do Cód Civil); - Autoriza-se, desde já, a transferência do beneficiário para Lar ou outra unidade de saúde, caso se mostre necessário - Decretar que as medidas de acompanhamento se tornaram convenientes desde a nascença; 3. O Tribunal A QUO na sentença referiu que o MP disse que o “requerido padece de atraso mental grave” e no que concerne às medidas sugeridas pelo Ministério Público fez consignar “O Ministério Público pugnou pelo regime da Representação Legal e limitação de todos os poderes especiais”, certamente por lapso.

  7. O Tribunal A QUO sustentou a sua decisão – representação geral – em factos declarados provados que não deveriam ter sido declarados como provados, mormente, parte dos consagrados no ponto 4 - (…) 4º - Dando resposta ao artigo 145º do Código Civil o Examinando encontra-se impossibilitado para a administração total dos seus bens.// 5º- Dando resposta ao enunciado no artigo nº 147º do CC o Examinando apresenta uma incapacidade para poder exercer os seus direitos pessoais na generalidade, nomeadamente para as situações definidas como testar, perfilhar, adoptar, cuidar e educar filhos ou adoptados, casar, constituir união de fato, estabelecer relações com quem entende, escolher profissão, deslocar-se no país e estrangeiro, votar, ser candidato ou ser eleito para cargos de natureza pública.” - por serem conclusivos.

  8. Estes “factos” limitam-se a fazer considerações jurídicas desprovidas de qualquer suporte fáctico, que inclusive, não estão reflectidos na sua plenitude na decisão proferida a final pelo tribunal A QUO.

  9. Sopesando os factos declarados provados concluímos que estes não justificam as medidas de acompanhamento determinadas nem as limitações aos direitos pessoais consignados.

  10. O regime do maior acompanhado se pauta por vários princípios, designadamente, o da supletividade, da actualidade e na necessidade, que acima enunciámos.

    Depreende-se do regime do maior acompanhado que a mera verificação dos requisitos subjectivos – impossibilidade de exercer plena, pessoal e conscientemente os direitos ou cumprir deveres - e objectivos – impossibilidade para exercer os direitos ou cumprir os deveres se funda em razões de saúde (patologias de ordem física/psíquica/mental) numa deficiência ou no comportamento do beneficiário – previstos no artigo 138.º, do Código Civil, não justificam de per si a aplicação de a medida de acompanhamento, face ao consignado no artigo 140.º, n.º2, do Código Civil.

    Esse preceito legal prevê que “A medida não tem lugar sempre que o seu objetivo se mostre garantido através dos deveres gerais de cooperação e de assistência que no caso caibam”.

    Da leitura dos factos declarados provados e constante da sentença é possível apreender o modo de vida do beneficiário, designadamente, que vive com a irmã, quem o orienta, cuida e zela pelos seus interesses e, bem assim, pelo seu bem-estar. É esta que acompanha o beneficiário quando ele sai da habitação e que lhe compra tudo aquilo que ele necessita para o seu dia-a-dia, e que não justificam as medidas impostas.

    Acresce que se deduz, pelos factos declarados provados, que o recurso ao Tribunal só ocorreu por encaminhamento da Segurança Social.

  11. Com a publicação do DL 126-A/2017 de 06.10 entrou em vigor uma nova prestação, designada de prestação social para inclusão. O diploma legal foi criado com vista a compensar os encargos acrescidos no domínio da deficiência e a promover a autonomia e inclusão social da pessoa com deficiência (artigo 2.º) De acordo com o artigo 3.º do diploma legal, para efeitos do presente decreto-lei considera-se deficiência a perda ou anomalia, congénita ou adquirida, de funções ou de estruturas do corpo, incluindo as funções psicológicas, causadoras de dificuldades específicas suscetíveis de, em conjugação com os fatores do meio, limitar ou dificultar a atividade e a participação na sociedade em condições de igualdade com as demais pessoas.

    Segundo o aludido DL todas as pessoas que beneficiavam do subsídio mensal vitalício e respectivo complemento extraordinário de solidariedade foi substituído a partir de 01.10.2017 pela componente base desta nova prestação, a qual foi atribuída automaticamente.

    Com a nova prestação o que mudou foi para além do montante da prestação, que passou a ser de pelo menos €264,32, foi, igualmente, o pagamento da prestação que só passou a ser efectuado, para além da pessoa com direito à prestação (titular): 3. Ao representante legal do titular; 4. À pessoa que preste ou se disponha a prestar assistência ao titular, sempre que seja incapaz, e tenha sido interposta um acção judicial de suprimento da capacidade.

    Se quem habitualmente recebia a prestação não é o titular da prestação, o pagamento é efectuado a uma das pessoas identificadas nos pontos 1 e 2.

    Este diploma legal determinou, igualmente, que para os serviços da Segurança Social possam proceder ao pagamento da nova prestação devia ser apresentada até ao dia 30.09.2018 documento comprovativo de que era o representante legal ou que foi interposta acção judicial de suprimento de incapacidade. E quem não cumpriu com o determinado a prestação foi suspensa.

    Com...

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