Acórdão nº 2180/19.2T8PTM.E1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 21 de Abril de 2022

Magistrado ResponsávelFERREIRA LOPES
Data da Resolução21 de Abril de 2022
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça Herança Ilíquida e Indivisa por óbito de AA, representada pelo cabeça de casal BB, CC, DD intentou acção declarativa comum, contra EE, pedindo: a) Ser a Ré condenada a reconhecer o 2º, 3º e 4º Autores como únicos e universais herdeiros de AA, por via do testamento em que este os instituiu nessa qualidade; b) Ser decretada a nulidade parcial da procuração em causa nos autos, na parte em que foi declarado pelo outorgante AA conferir à Ré poderes para Prometer “comprar e comprar, prometer vender e vender, a quem, pelo preço, cláusulas e condições que entender mais convenientes, permutar, partilhar, dividir ou hipotecar bens móveis ou imóveis ou direitos sobre os bens móveis ou imóveis” e, bem assim, na parte em que declarou “para em seu nome e representação, celebrar negócio consigo mesma, ficando desde já expressamente dado o consentimento previsto no n.º1 do artigo 261 do Código Civil”, por indeterminabilidade do objecto, nos termos do artigo 280º do Cód. Civil e, por via disso, ser declarado ineficaz relativamente à Autora Herança Ilíquida e Indivisa por óbito de AA o contrato de compra e venda celebrado por documento particular autenticado, no dia 29 de Julho de 2019, supra descrito e identificado em 9º, 10º e 11º desta petição e, consequentemente, anulado o respectivo registo de aquisição a favor da Ré; c) Subsidiariamente, ser declarada a ineficácia relativamente à Autora Herança Ilíquida e Indivisa por óbito de AA do negócio que a Ré celebrou consigo mesma, correspondente à compra e venda mencionada na alínea anterior, por ter sido celebrado com abuso dos poderes de representação, nos termos dos arts. 268º e 269º do Código Civil; d) Subsidiariamente, ser declarado que o contrato de compra e venda dos autos foi simulado, por se ter tratado de uma transmissão gratuita e, por conseguinte, ser declarada a sua nulidade, quer por simulação, quer por falta de poderes de representação da Ré para tal transmissão gratuita; e) Ser reconhecido à Autora Herança Ilíquida e Indivisa por Óbito de AA o direito de propriedade sobre o prédio urbano destinado a habitação, situado na Rua ..., ..., freguesia ..., concelho ..., descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o número ...65, da freguesia ...; f) Ser ordenado o cancelamento de toda e qualquer inscrição de aquisição do prédio urbano identificado na alínea anterior a favor da Ré, nomeadamente, a inscrição AP. ...98 de 2019/07/31; g) Ser declarado o cancelamento de quaisquer outras inscrições registrais que incidam sobre o prédio urbano supra identificado, anteriores ao registo da presente acção; h) Subsidiariamente, ser a Ré condenada a pagar à Autora Herança Ilíquida e Indivisa por Óbito de AA a quantia de €:130.000,00 (cento e trinta mil euros), acrescida dos juros vencidos, à taxa legal, vencidos desde o dia 29-07-2019, no montante de €:826,30 (oitocentos e vinte e seis euros e trinta cêntimos) e vincendos, à taxa legal, até ao integral e efectivo pagamento, a liquidar a final; i) Ser a Ré condenada a pagar/reembolsar, a titulo de enriquecimento sem causa, à Autora Herança Ilíquida e Indivisa por Óbito de AA, a quantia de €:42.735,95 (quarenta e dois mil setecentos e trinta e cinco euros e noventa e cinco cêntimos), acrescida de juros até à data do seu integral e efectivo reembolso, correspondente às quantias depositadas nas instituições bancárias, unicamente em nome do falecido, à data de 12-06-2019 no caso do B... e à data de 13-06-2019, no caso do Banco ..., acrescida de juros, à taxa legal, até ao integral e efectivo pagamento, a liquidar em execução de sentença; e j) Ser a Ré condenada a pagar/reembolsar, a titulo de enriquecimento sem causa, à Autora Herança Ilíquida e Indivisa por Óbito de AA, a quantia correspondente às rendas que forem sendo pagas pela inquilina, relativas ao 1º andar do prédio urbano dos autos, acrescida de juros, à taxa legal, contados desde o vencimento de cada uma delas até ao integral e efectivo pagamento, cujos valores devem ser liquidados em execução de sentença.

Para tanto, alegaram, em síntese, que o falecido AA emitiu procuração a favor da R., atribuindo-lhe um conjunto de poderes, entre os quais os de vender imóveis, pelo preço e condições que entendesse, no uso da qual a R. vendeu o dito imóvel a si própria por um valor inferior ao de mercado; que a ré sabia que não tinha legitimidade para vender o imóvel, por ser indeterminado e totalmente vago o conteúdo da procuração, e que a mesma jamais pagou o preço de compra referido na escritura; que o acto praticado estava fora dos poderes atribuídos à ré enquanto representante do falecido, constituindo ademais um negócio consigo mesmo, e lesante dos interesses do representado, sendo ineficaz quanto à sua herança; e que tal implicaria igualmente a obrigação de devolução à herança das quantias de renda abusivamente recebidas da inquilina do 1º andar do imóvel.

Para o caso de assim não se entender, concluem que deveria a ré ser condenada a pagar-lhes a quantia correspondente ao preço da venda, de € 130.000.

No respeitante às contas bancárias, consideraram ter sido abusivo o levantamento de quantias da conta do falecido, sendo certo que todo o dinheiro existente nessas contas lhe pertencia, devendo a R. repor o dinheiro de que se apropriou.

A Ré contestou, pugnando pela improcedência da acção, alegando, em resumo, ser legal o negócio efectuado no uso de procuração legal e legitimamente outorgada pelo falecido, e que movimentou as contas bancárias munida de autorização e para acudir a despesas do falecido.

Foi proferida sentença que na parcial procedência da acção, condenou a Ré a pagar aos AA. a quantia de €130.000,00 acrescida de juros à taxa legal, desde a data da compra e venda, 29 de julho de 2019, até integral pagamento, absolvendo-a do restante peticionado.

Da sentença apelaram as partes.

A Relação ..., por acórdão de 16.12.2021, decidiu: - Julgar improcedente o recurso da Ré; - Julgar procedente em parte a apelação dos AA, revogar parcialmente a sentença e, em consequência: a) Declarar a ineficácia relativamente à Autora, Herança Ilíquida e Indivisa por óbito de AA, do negócio que a Ré, EE, celebrou consigo mesma, de compra e venda do prédio urbano, destinado a habitação, situado na Rua ..., ..., freguesia ..., concelho ..., descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o número quatro mil trezentos e sessenta e cinco, da freguesia ..., inscrito na matriz sob o artigo ...36; b) Reconhecer à Herança Ilíquida e Indivisa por Óbito de AA o direito de propriedade sobre o referido prédio determinando-se o cancelamento do registo de aquisição efectuado em favor da R. (AP. ...98 de 2019/07/31); c) Condenar a R. a restituir à Herança Ilíquida e Indivisa por Óbito de AA a quantia de € 36.672,10 (trinta e seis mil seiscentos e setenta e dois euros e dez cêntimos); d) Manter a sentença recorrida na parte em que se decidiu “condenar a Ré a reconhecer o 2º, 3º e 4º Autores como únicos e universais herdeiros de AA, por via do testamento em que este os instituiu nessa qualidade”.

Inconformada, a Ré interpôs recurso de revista, concluindo como segue as suas alegações: 1ª- Da matéria de facto dada como provada, o Acórdão da Relação, concluiu que “… no negócio consigo mesmo celebrado pela R., com base em poderes de representação, esta exorbitou de forma consciente os interesses do seu representado, dado o desnível verificado entre o valor de mercado do prédio e o preço pelo qual foi alienado, índice objectivo e seguro do abuso da representação, sendo tal negócio ineficaz em relação ao representado nos termos dos artigos 268º e 269º do Código Civil e, por conseguinte, ineficaz em relação aos AA., seus únicos e universais herdeiros e representantes da sua Herança ilíquida e indivisa.”, tendo reconhecido “… à Herança Ilíquida e Indivisa por óbito de AA o direito de propriedade sobre o dito imóvel, ordenando-se o cancelamento do registo de aquisição em favor da R..” 2ª. O Acórdão da Relação sob recurso, fundamentou a sua decisão invocando, essencialmente, dois Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, a saber: o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 07/06/2011 (proc. n.º 346/08.0TBLSA.C1.S1) e, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 25/06/2013(proc. n.º 532/2001.L1.S1).

3ª. No entanto, a situação sub judice nada tem a ver com as situações vertidas nos referidos Acórdãos.

4ª. Os factos em causa no referido Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 07/06/2011 (proc. n.º 346/08.0TBLSA.C1.S1), nada têm a ver com a situação sub judice, como se pode verificar pela seguinte transcrição: “II. 2. Efectuando uma síntese da factualidade relevante que importa considerar, ficou provado que, em 26 de Janeiro de 2006, a autora outorgou uma procuração, a favor da ré mulher, da qual constava que lhe concedia os necessários poderes para “vender ou prometer vender, pelo preço e condições e cláusulas que achar por convenientes a quem entender o prédio urbano, inscrito na matriz (…) e que a ré, no dia 2 de Fevereiro de 2006, munida da aludida procuração, outorgou uma escritura de compra e venda, em que declarou vender, a si própria, o mencionado prédio, pelo preço de €75.000,00, mas cujo valor, então, era de €193.677,50. Na verdade, a autora, conferindo à ré poderes para vender o prédio, não lhe indicou o preço mínimo que desejava obter, as condições ou as cláusulas pelas quais a alienação deveria ser efectuada, sendo certo que esta, enquanto sua procuradora, vendeu o bem, por um preço bastante menor ao seu valor de mercado, equivalente a um valor inferior a cerca de 40% do mesmo, (…).

5ª. Do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 25/06/2013 (proc. n.º 532/2001.L1.S1), o Tribunal da Relação para fundamentar a sua decisão, baseou-se na transcrição das seguintes conclusões: V) - Na execução do contrato, autorizado pela procuração, não estava o procurador dispensado de actuar segundo as regras da boa-fé – art. 762º, nº1, do Código Civil – mais...

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