Acórdão nº 6244/15.3T8VNF-B.G1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 21 de Abril de 2022
Magistrado Responsável | CATARINA SERRA |
Data da Resolução | 21 de Abril de 2022 |
Emissor | Supremo Tribunal de Justiça (Portugal) |
ACORDAM NO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA I. RELATÓRIO 1. VHS – Empreendimentos Imobiliários, Lda.
, com sede na Rua D. Pedro V, Edifício Berna, 1146, 1.º Salas 1 e 2, na Trofa, propôs o presente procedimento especial de expropriação, nos termos dos artigos 96.º e 42.º n.º 2 alínea c) e n.º 3 do Código das Expropriações e do artigo 106.º, n.º 2, do Regulamento Geral de Estradas e Caminhos Municipais (RGECM), decretado e promulgado pela Lei n.º 2110, de 19 de Agosto de 1961, contra Infraestruturas de Portugal, S.A.
, com sede na Praça da Portagem, em Almada, peticionando que fosse determinada a constituição de arbitragem e se seguissem os ulteriores termos do processo de expropriação, com vista à expropriação de uma parcela de terreno, parte integrante do prédio denominado “...”, sito na freguesia ..., em ....
Alegou para o efeito, e em síntese, que adquiriu o prédio em 2002, para nele edificar um complexo urbano de cariz industrial e comercial no âmbito do seu objecto social, cujo projecto foi paralisado pela requerida, face à aprovação do estudo para a realização da variante EN14-Maia (Nó da Cruz da IP1/A3), cuja execução englobava o referido prédio.
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Indeferido liminarmente, em 2.09.2015, o requerido por VHS – Empreendimentos Imobiliários, Lda.
, veio a ser proferido, em 25.05.2016, um Acórdão pelo Tribunal da Relação ... (que se designará como “primeiro Acórdão”), que, considerando justificado o requerimento da expropriação por aplicação analógica do artigo 106.º do RGECM e revogando aquele indeferimento, determinou que se promovesse a constituição e o funcionamento da arbitragem, seguindo-se os ulteriores termos, nos termos previstos nos artigos 42.º, n.ºs 1 e 2, al.
c), e 96.º do Código das Expropriações (CE).
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Foi pedida a reforma deste Acórdão e arguida a sua nulidade e foi interposto recurso de revista excepcional, mas foi tudo rejeitado.
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Procedeu-se, pois, à arbitragem, tendo sido atribuída, por unanimidade, à parcela de terreno a expropriar a área de 8.548 m2 (do prédio com a área total de 19.990 m2) e o valor de indemnização de € 416.086,24 (considerando como valor da parcela € 296.872,04 e como valor da desvalorização das partes sobrantes € 119.214,20).
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Tanto a requerente como requerida reagiram ao relatório de arbitragem, a primeira alegando que o Acórdão proferido determinou que a expropriação fosse da parcela de terreno com a área de 19.990 m2 e a segunda pedindo esclarecimentos.
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Foram prestados esclarecimentos pelos peritos.
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A requerida pediu que se ordenasse a notificação da requerente para juntar aos autos cópia certificada da escritura de aquisição do prédio em causa, para novos esclarecimentos.
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Foi proferido despacho que indeferiu a prestação de novos esclarecimentos e determinou que a requerida depositasse o valor da indemnização.
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Relativamente a este despacho foi interposto recurso pela requerida, pretendendo que antes daquela notificação houvesse lugar a uma fase de instrução na qual se decidiria se o pedido de expropriação era justificado.
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Em 31.10.2018 foi proferido Acórdão pelo Tribunal da Relação ... (designado como “segundo acórdão”), que julgou a apelação totalmente improcedente e confirmou na íntegra o despacho recorrido.
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Cumprido o disposto no artigo 51.º, n.º 3, do CE (o depósito da indemnização), foi proferida em 13.03.2019 a decisão a que alude o n.º 5 do mesmo preceito, concluindo-se com o seguinte dispositivo: “Por tudo o exposto, decido adjudicar a posse e a propriedade da parcela de terreno com a área de 8.548 m2 a desanexar do prédio sito na freguesia ..., inscrito na matriz predial rústica sob o artigo ...24 e descrito na Conservatória do Registo Predial sob o artigo ...06, livre de quaisquer ónus e encargos à “Infraestruturas de Portugal, S.A.”.
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Inconformada, a requerida Infraestruturas de Portugal, S.A.
, interpôs recurso de apelação para o Tribunal da Relação ....
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Em 23.09.2021 proferiu este Tribunal um Acórdão, no qual que se decidiu: “Pelo exposto, acordam os juízes do Tribunal da Relação em julgar o recurso improcedente e, em consequência, negam provimento à apelação e confirmam a douta decisão recorrida”.
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Ainda inconformada, vem a requerida Infraestruturas de Portugal, S.A.
, interpor recurso de revista excepcional, “ao abrigo e nos termos do disposto nos artigos 671.º/1, 671.º/3, 672.º/1/a) e b), 674.º/1/a), b) e c), do CPC”.
São as seguintes as conclusões da revista: “I. Estamos perante uma questão que não só assume uma inegável relevância jurídica, mas também cuja apreciação se mostra necessária para uma melhor aplicação do direito.
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A publicação de estudos prévios para a realização de obras de fim público tem como consequência a produção imediata de efeitos no ordenamento jurídico, sujeitando os proprietários dos bens por eles abrangidos, a restrições e proibições, com significativo alcance social e patrimonial.
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Pelo facto de se tratar de uma situação que sucede amiúde, é elevado o número de sujeitos passivos dos efeitos legais desses atos administrativos, o que, desde logo, confere à presente questão jurídica uma inegável relevância social.
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Por outro lado, estamos, no caso concreto, perante uma sucessão legislativa, que impõe, necessariamente, uma interpretação legislativa e decisão judicial diversa da que foi tomada nos presentes autos.
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Para um melhor enquadramento jurídico e aplicação do direito, mostra-se necessário que os presentes autos, julgados erroneamente no pressuposto da existência de uma lacuna legislativa, sejam apreciados à luz da entrada em vigor, em 27/07/2015, do Novo Estatuto das Estradas da Rede Rodoviária Nacional, aprovado pela Lei n.º 34/2015, de 27 de Abril (publicado no DR I série N.º 81/XII/4 2015.04.27).
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Invoca-se, como fundamento para a presente revista, a violação da lei substantiva, por erro na determinação da norma aplicável, uma vez que não foi aplicado, como devia ter sido, o Novo Estatuto das Estradas da Rede Rodoviária Nacional, aprovado pela Lei n.º 34/2015, de 27 de Abril e publicado no DR I série N.º 81/XII/4 2015.04.27 (vd. artigo 674.º/1/a) do CPC).
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Igualmente se invoca a violação da mesma lei substantiva, no tocante à definição da entidade responsável por todos os efeitos derivados da constituição da servidão non aedificandi após a publicação de um estudo prévio à construção de uma estrada nacional, a qual, é não a IP, mas sim o IMT, I.P.
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Sobre a questão da aplicação direta ou analógica aos autos do artigo 106.º da RGECM, não concordamos com a tese de que como o estudo prévio foi aprovado em 2010 e por isso o Município passou a ter a obrigação de impedir o avançar do procedimento construtivo por imposição do DL 13/94 (que impõe a reserva).
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Desde logo cumpre salientar que todo o raciocínio desenvolvido parte do pressuposto de que estamos perante a “ausência de uma disciplina legislativa própria – tratando-se de uma verdadeira lacuna”.
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Todavia, em 27/07/2015, entrou em vigor, o Novo Estatuto das Estradas da Rede Rodoviária Nacional, aprovado pela Lei n.º 34/2015, de 27 de Abril e publicado no DR I série N.º 81/XII/4 de 27/04/2015).
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Ora, o Decreto-lei 13/94, de 15 de Janeiro, publicado no DR n.º 12/1994, Série I-A de 15/Jan, estabelece zonas de servidão non aedificandi junto das estradas nacionais, constantes do Plano Rodoviário Nacional e estabelece os seus limites.
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No seu artigo 3.°/2 consta que a servidão a que se refere o número anterior é constituída com a publicação, no Diário da República, da aprovação de estudo prévio de uma estrada nacional.
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Tal servidão, nos termos do artigo 3.º/4, manter-se-á até à publicação da DUP da expropriação.
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Pelo que mesmo ignorando o Novo Estatuto das Estradas Nacionais, não se pode considerar que estejamos perante uma lacuna legislativa, já que o Decreto-lei n.º 13/94 prescreve expressamente até quando se mantém a servidão non aedificandi.
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Ou seja, de acordo com o regime em vigor até 27/07/2015, a publicação em DR da aprovação de um estudo prévio da construção de uma estrada, implicava uma servidão non aedificandi, a qual se manteria em vigor, até à publicação da DUP da obra em causa.
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Todavia, em 27/07/2015 (90 dias após a data da sua publicação, de acordo com o seu artigo 6.º), entrou em vigor o Novo Estatuto das Estradas da Rede Rodoviária Nacional, aprovado pela Lei n.º 34/2015, de 27 de Abril e publicado no DR I série N.º 81/XII/4 de 27/04/2015.
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No n.º 5 do artigo 32.º, ao contrário do que se verificava no regime legal anteriormente em vigor, é estabelecido um prazo de caducidade para a servidão non aedificandi, a qual está sujeita a publicação, nos termos do artigo 32.º/7.
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Para os presentes autos, assume maior relevância o seu n.º 6, o qual dispõe que, quanto aos estudos prévios aprovados antes da data da entrada em vigor do novo estatuto das estradas nacionais, a contagem do prazo tem início à data da publicação deste.
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Pelo que, em 27/07/2015, data da entrada em vigor do Novo Estatuto das Estradas da Rede Rodoviária Nacional, aprovado pela Lei n.º 34/2015, de 27 de Abril (publicado no DR I série N.º81/XII/4 2015.04.27), começou a contar o prazo de 5 anos para a caducidade da servidão non aedificandi decorrente do estudo prévio aprovado antes da sua entrada em vigor.
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Assim, não estamos perante qualquer lacuna legislativa que necessite de ser preenchida através da aplicação analógica, não tendo ainda terminado o prazo de caducidade (de 5 anos) da servidão non aedificandi criada com a publicação do estudo prévio, o qual começou a contar à data da publicação do Novo Estatuto das Estradas Nacionais (27/04/2015).
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Sendo de salientar que o IMT, IP ainda tem ao seu dispor a possibilidade de, com a antecedência mínima de um ano do seu termo, prorrogar este prazo, por uma única vez, por igual período (mais 5 anos), desde que fundamente e pague uma justa indemnização”.
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Não obstante, sem conceder, note-se que, mesmo que estivéssemos perante uma lacuna legislativa, não se encontrava provado que o proprietário do bem...
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