Acórdão nº 3941/20.5T8STB-A.E1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 21 de Abril de 2022

Magistrado ResponsávelCATARINA SERRA
Data da Resolução21 de Abril de 2022
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

ACORDAM NO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA I. RELATÓRIO 1.

AA, executado nos autos principais de execução para pagamento de quantia certa que lhe moveu o Novo Banco, S.A.

, veio deduzir oposição à execução mediante embargos de executado, pedindo a extinção da execução, alegando para tanto, em síntese: (i) o abuso de direito por parte do exequente; (ii) a prescrição do direito cartular; (iii) a prescrição dos juros; e (iv) o preenchimento abusivo da livrança exequenda quanto ao montante em dívida.

  1. Regularmente notificado, o embargado contestou, defendendo-se por impugnação e pugnando pela total improcedência dos embargos.

  2. O Tribunal de 1.ª instância proferiu despacho que dispensou a realização de audiência prévia a que se seguiu a elaboração de despacho saneador-sentença que culminou com o seguinte dispositivo: “Face ao exposto, julgo a presente oposição à execução mediante embargos de executado deduzida pelo Embargante AA contra o Embargado NOVO BANCO, S.A. totalmente procedente e, em consequência, determino a total extinção da execução.

    Fixo à causa o valor de € 662.293,39 (cfr. arts. 304.°, n.° 1 e 306.°, n.°s 1 e 2, do Cód. Proa Civil).

    Custas pelo Embargado.

    Registe e notifique”.

  3. Inconformado, veio o embargado apresentar recurso de apelação.

  4. Em 28.10.2021 proferiu o Tribunal da Relação ... um Acórdão em cujo dispositivo pode ler-se: “Pelo exposto, acordam os Juízes deste Tribunal em conceder provimento ao presente recurso de Apelação apresentado por Novo Banco, S.A. e em consequência decidem:

    1. Revogar a sentença recorrida, declarando improcedentes os embargos de executado no tocante à questão da prescrição do direito cambiário invocada e aqui reapreciada devendo os mesmos prosseguirem os seus termos no Tribunal recorrido para apreciação das demais questões neles suscitadas pelo Embargante/Apelado, mais determinando o prosseguimento da acção executiva declarada extinta na sentença recorrida.

    2. Fixar as custas a cargo do Apelado, nos termos do disposto no artigo 527°, n° 1 e 2, do CPC”.

  5. Não se conformando, vem o executado / embargante interpor recurso de revista, pedindo a revogação do Acórdão e, consequentemente, a procedência dos embargos e a extinção da execução.

    São as seguintes as conclusões da alegação de recurso: “A. Salvo o muitíssimo respeito devido, o aresto em crise contém diversos indícios de que o Tribunal a quo não protagonizou um julgamento ponderado, individualizado e detalhado do caso sub judice.

    1. Com efeito, no acórdão transcrevem-se conclusões de um suposto Embargado que, na verdade, não pertencem aos presentes autos. As referidas conclusões transcritas para o aresto em crise respeitam a consumos de água e eletricidade, a atas e a deliberações sociais, sendo que o recurso decidido trata de saber se havia ou não ocorrido a prescrição de uma livrança em branco.

    2. Já no âmbito da fundamentação de Direito, o douto aresto incorre num lapso quanto ao sentido do argumento do Recorrido. Não é exato que, como se afirma no acórdão, o Recorrido sustente que a dissolução/extinção da pessoa coletiva torna imprestável a livrança em branco por esta subscrita, não podendo a mesma ser utilizada designadamente contra os avalistas. Antes, o Recorrido defende que a dissolução/extinção da sociedade devedora e subscritora da livrança implica o incumprimento definitivo da obrigação subjacente e marca o momento do vencimento da livrança em branco, devendo contar-se, pelo menos, a partir dessa data os três anos para executar os obrigados cambiários, sob pena de prescrição do título de crédito.

    3. Finalmente, cumpre notar que a fundamentação/discussão de Direto vertida no acórdão se resume a uma remissão para outros acórdãos, não se demonstrando, sequer, a coincidência casuística justificante da analogia, abdicando-se absolutamente da ponderação da bondade dos argumentos aduzidos pelo Recorrido/Embargante.

    4. No que ao vencimento das livranças em branco diz respeito, no caso sub judice, a questão que se coloca é a seguinte: na falta de qualquer estipulação no pacto de preenchimento, o vencimento de uma livrança em branco ocorre, no máximo, com o incumprimento definitivo da obrigação subjacente, ou, pelo contrário, pode o beneficiário da livrança, que seja sujeito da relação material subjacente, atribuir-lhe a data de vencimento que entender? F. A LULL não resolve o problema. No seu artigo 10.º, prevê-se a admissibilidade das livranças em branco. No artigo 70.º dispõe-se sobre a prescrição, contando-a desde a data do vencimento. Todavia, nenhum preceito da LULL determina o momento em que ocorre o vencimento das livranças em branco.

    5. Nos casos em que o pacto de preenchimento é omisso quanto à data de vencimento da livrança em branco, deixar a fixação do vencimento ao critério do beneficiário da livrança não constitui o mais justo equilíbrio de interesses, sendo mesmo ilegal.

    6. A vigorar tão extensa permissão, através da subscrição da livrança em branco as partes estariam criando um direito imprescritível ou poriam o devedor na posição de renunciar antecipadamente à prescrição, o que violaria o disposto nos artigos 300.º e 302.º CC.

      I. Seria aliás nula, por violação dos mesmos preceitos legais, a convenção constante do pacto de preenchimento em que se concedesse ao credor a faculdade de determinar o vencimento quando entendesse.

    7. Adicionalmente, como sucede com todos os direitos, o exercício do direito de preenchimento da livrança está limitado pela boa-fé (artigo 334.º CC). Ora, reconhecer ao beneficiário da livrança a faculdade de determinar a seu bel-prazer a data de vencimento da livrança corresponderia a desconsiderar totalmente os princípios da segurança e da estabilidade jurídicas que tutelam a posição dos devedores cambiários, pois nunca seria determinável o conteúdo dos direitos incorporados no título de crédito e deixaria os devedores cambiários à mercê do arbítrio do beneficiário da livrança.

    8. Pelo que, salvo melhor entendimento, deve de ser imposto um limite ao exercício do direito de fixar o vencimento da livrança em branco, ou seja, deve ser criada uma regra que não deixe este aspeto crucial no total arbítrio do beneficiário da livrança.

      L. Assim acontece noutros ordenamentos jurídicos, como no inglês [§20(2) do Bills of Exchange Act 1882, aplicável às livranças ex vi §89(1)], no qual se exige que o preenchimento da livrança em branco tem de ser realizado dentro de um prazo razoável, ou no italiano (artigo 14.º do Regio Decreto 5 diciembre 1933, n. 1669), onde se estipula que o portador perde o direito de preencher a letra de câmbio em branco três anos após a data da respetiva emissão.

    9. Atualmente, a livrança é utilizada sobretudo para garantia em operações bancárias, sendo emitida em branco não por capricho do credor ou obsequiosidade do devedor, mas antes porquanto apenas desse modo pode cumprir integralmente a sua função de garantia, uma vez que nestas operações se desconhece se, quando e por quanto o devedor entrará em incumprimento.

    10. Excluindo as situações em que a livrança haja circulado (pois nessas hipóteses seria necessário ter em consideração os direitos do endossatário, que porventura desconheceria em absoluto o que sucedeu à relação subjacente), nos casos em que o preenchimento é realizado pelo beneficiário da livrança que é simultaneamente o sujeito da relação subjacente, ou seja, o mutuante, tal como sucede na hipótese sub judice, este não pode invocar o desconhecimento sobre o estado da obrigação subjacente.

    11. Aliás, no presente caso, como ficou amplamente alegado nos embargos deduzidos, o controlo efetivo da sociedade subscritora da livrança pertencia a três sociedades do Grupo Espírito Santo, entre as quais se encontrava o Banco Espírito Santo, S.A., a que a Exequente sucedeu. O ora Recorrente era um mero avalista, que teve de se sujeitar às disposições dos credores das sociedades que havia fundado, entre as quais a subscritora da livrança.

    12. O direito de preenchimento da livrança em branco há de ser moldado, quanto ao conteúdo e modo de exercício, na função de que a livrança se desempenha: garantia do cumprimento da obrigação subjacente.

    13. Consequentemente, o credor pode exercer este direito de preenchimento logo que se verifique o incumprimento da obrigação que causou a emissão da livrança, restando apenas saber até quando pode exercê-lo.

    14. Ora, a solução de não limitar cronologicamente esse direito é de legalidade duvidosa (artigos 300.º e 302.º CC) e introduz na relação cambiária um desequilíbrio injustificado, pelo que não é de admitir (artigo 762.º/2 CC).

    15. Logo, não estabelecendo a nossa lei qualquer prazo, a data do vencimento da livrança em branco só pode ser a data do incumprimento definitivo da obrigação subjacente, momento em que o credor adquire a informação necessária para preencher a livrança, bem como o interesse (processual) na cobrança coerciva do crédito.

    16. Só assim se alcança um justo equilíbrio dos interesses jurídicos em jogo, segurança e previsibilidade jurídicas, obviando a que o devedor seja colocado na disponibilidade arbitrária do credor.

    17. Ora, no caso sub judice: (a) a última prestação em que foi dividido o cumprimento da obrigação subjacente venceu-se em 18.11.2007; (b) a devedora na relação subjacente e subscritora da livrança foi administrativamente dissolvida em 19.10.2011; (c) o credor e beneficiário da livrança atribuiu-lhe o vencimento em 15.01.2020.

      V. Posto isto, a livrança venceu-se, senão antes, em 19.10.2011, uma vez que o incumprimento definitivo da obrigação subjacente não poderá fixar-se em data posterior ao da dissolução e liquidação da devedora e subscritora da livrança.

    18. A presente ação foi proposta em 03.08.2020, isto é, mais de 8 anos após a data de vencimento da livrança, tendo, por conseguinte, sido largamente ultrapassado o prazo de três anos estipulado pelo artigo 70.º da LULL para o exercício judicial dos direitos cambiários.

      X. Consequentemente, o direito incorporado no título dado à execução já havia...

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