Acórdão nº 87/12.3TBNRD-E.L1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 21 de Abril de 2022

Magistrado ResponsávelFERNANDO BAPTISTA
Data da Resolução21 de Abril de 2022
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

ACORDAM EM CONFERÊNCIA NO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA, SEGUNDA SECÇÃO I – RELATÓRIO Em 25/10/2019, AA intentou acção tutelar comum para revogação de providência limitativa de exercício das responsabilidades parentais, relativamente às menores BB, nascida a .../.../2005, e CC, nascida a .../.../2012, contra DD (tia paterna das menores, 1ª requerida) e contra EE (mãe das menores, 2ª requerida), concluindo pela alteração do que se mostra regulado em termos de responsabilidades parentais.

Alega para tanto, e em síntese, que: - As menores foram confiadas à 1ª requerida porque ambos os progenitores se revelaram incapazes de assegurar os cuidados básicos das suas filhas, que de outra forma estariam em perigo para a sua segurança, saúde, são desenvolvimento, bem-estar e educação; - Tal situação actualmente não persiste, na medida em que o requerente apresenta todas as condições para o cumprimento dos seus deveres parentais, em virtude de estar a trabalhar, a casa apresentar boas condições habitacionais após ter sofrido obras de remodelação, estar comprometido no seu cuidado e asseio, bem como empenhado na prestação dos cuidados de alimentação, higiene pessoal, vestuário, acompanhamento médico e escolar das menores, com vista ao bem-estar das mesmas e constante melhoria da relação familiar; - As menores sentem a falta do pai e pretendem voltar a residir com ele.

Citadas as requeridas, apenas a 1ª requerida contestou, aí alegando não haver condições para a reunificação das menores com os pais, porquanto estes são incapazes de assegurar os cuidados básicos às menores, por força sobretudo da má gestão financeira e da vida corrente, bem como incapacidade de organização de que padecem, mantendo dívidas na comunidade, a que acrescem as dificuldades financeiras em assegurar o transporte dos próprios e das menores, sendo que o filho mais velho da 2ª requerida, com esta residente, mantém a desocupação, chegando a pedir esmola nas ruas, sendo visto com fome. Mais sustenta que as menores se sentem bem a viver com a mesma, junto de quem são bem cuidadas e alimentadas, gozam de boa saúde e têm bom desempenho escolar, além de estarem bem integradas na escola, social e familiarmente. Conclui pela manutenção da decisão pretendida alterar.

Em 8/1/2020 foi realizada conferência, no âmbito da qual as menores foram ouvidas, não sendo alcançado acordo no sentido da revogação ou manutenção da confiança das menores junto da 1ª requerida, sendo a conferência suspensa e as partes remetidas para a audição técnica especializada.

Retomada a conferência, não foi alcançado qualquer acordo, mantendo as partes as posições assumidas nos respectivos articulados, pelo que foram notificadas para apresentarem alegações e os meios de prova.

Foi determinada a realização de avaliação psicológica das menores, mostrando-se o respectivo relatório junto aos autos, bem como o relatório da audição técnica especializada de 3/7/2020 e o relatório social igualmente solicitado.

Foram apresentadas alegações e requerimentos probatórios pelo requerente e pela 1ª requerida.

Realizou-se a audiência de discussão e julgamento, após o que foi proferida sentença onde a acção foi julgada improcedente, sendo indeferida a pretendida revogação da decisão pela qual as menores foram confiadas à 1ª requerida.

O requerente recorreu desta sentença, vindo a Relação ... a proferir a seguinte “DECISÃO Em face do exposto julga-se procedente o recurso, com a revogação da sentença recorrida e sua substituição por esta outra decisão em que, nos termos e para os efeitos do disposto no art.º 1920º-A do Código Civil, se revoga a medida tutelar cível de confiança das menores BB e CC à 1ª requerida, aplicada por decisão de 12/2/2018 proferida no processo 87/12.....”.

* Inconformada, veio a DD, “nos termos dos artigos 629º/1, 671º CPC e ainda o artº 671º/nº 3 “a contrario do CPC, interpor recurso ordinário de revista para o Venerando Supremo Tribunal de Justiça”, apresentando alegações que remata com as seguintes “CONCLUSÕES” (que de conclusões nada têm, pois são quase uma réplica do corpo das alegações – só não convidando à sua síntese para não retardar mais o desfecho do processo, atenta a sua natureza): 1ª - O Acórdão recorrido julgou: “(…) procedente o recurso, com a revogação da sentença recorrida e sua substituição por esta outra decisão em que, (…), se revoga a medida tutelar cível de confiança das menores BB e CC à 1ª requerida, aplicada por decisão de 12/2/2018 proferida no processo 87/12…”.

  1. - Ou seja, revogou a Douta Sentença proferida nestes autos, a qual havia julgado improcedente a acção intentada pelo pai das menores onde pedia a revogação da Decisão de 24-06-2018 que atribuiu a confiança das menores BB e CC à tia paterna das mesmas, medida que a Douta Sentença manteve.

  2. - O Ac. recorrido ao revogar a Douta Sentença, julgou em suma: “1-A confiança do menor a terceira pessoa, a que alude o art.º 1918º do Código Civil, pressupõe uma conduta (por acção ou omissão) dos progenitores que faz perigar (ainda que potencialmente, mas com algum grau de probabilidade) a segurança, a saúde, a formação moral ou a educação do menor.

    Pelo que, do mesmo modo, a cessação dessa medida limitativa do exercício das responsabilidades parentais pelos progenitores pressupõe a constatação superveniente da inexistência dessa conduta, através de uma comparação entre o quadro factual que determinou a aplicação da medida e o quadro factual superveniente.

    2- Se dessa comparação se reconhece, no caso concreto, a melhoria de condições de habitabilidade do agregado familiar dos progenitores de duas menores de 15 e 9 anos de idade, a par de uma melhoria das condições económicas do mesmo agregado familiar, do mesmo modo ficando por verificar qualquer “personalidade agressiva e impulsiva” da progenitora susceptível de potenciar conflitos familiares frequentes, qualquer “não adesão [da progenitora] à intervenção e supervisão de qualquer entidade de controlo externo da sua família”, qualquer “estilo educativo (…) tendencialmente permissivo e desregrado” dos progenitores, nem qualquer inevitabilidade da ausência de apoio educativo em contexto familiar dos seus progenitores, impõe-se a revogação da medida de confiança das menores à tia paterna, face ao carácter excepcional e temporário que a mesma apresenta.” 4ª- Contudo, o Acórdão recorrido incorre em vícios, não tendo respeitado a matéria de facto dada por provada pela Sentença de 1ª instância, e já há muito por não impugnada em recurso por qualquer progenitor da menor, e assim o Ac. R... não está conforme ao Superior Interesse das menores neste caso.

  3. - Fundamentou-se a Sentença de 1ª instância na matéria de facto que considerou provada nos seus Pontos 2 a 10 e 19 a 61 supra transcrita nestas Alegações de Recurso (para a qual nos remetemos e aqui damos por reproduzida integralmente), na prova Testemunhal produzida (que contrariou totalmente o que alegava o Requerente na sua PI), e a final bem decidiu manter a medida de confiança em vigor no Superior Interesse das Menores BB e CC, dada a inalteração dos pressupostos de aplicação dessa medida.

  4. - Da Sentença de 1ª Inst. resulta como assente, na falta de recurso em matéria de facto, que as Testemunhas indicadas pelo pai das menores atestaram objectiva e justificadamente a falta de condições para as menores viverem com ou serem criadas/educadas pelos seus pais, e alertaram dos riscos para estas que uma reunificação com os progenitores neste momento representaria.

  5. - Como supra referido, o Progenitor das menores recorreu da Sentença de 1ª instância para a Relação ..., porém, meramente em matéria de direito-pugnando pela revogação da confiança das menores à tia paterna e defendendo que tal cessação da medida corresponderia ao superior interesse das menores- não impugnando a fundamentação e/ou decisão da matéria de facto contida na Sentença. E o Acórdão ora recorrido nenhum vício processual ou material, seja de facto ou direito, apontou à Sentença de 1ª instância.

  6. - Por outro lado, o progenitor das menores, ao recorrer para a Relação ... pretendendo recorrer da Sentença em matéria de direito, também não cumpriu para o efeito o ónus que lhe era imposto pelo artº 639º/2 CPC, pois limitou-se a tecer considerações genéricas, não referindo nas suas Alegações nem nas respectivas Conclusões do seu recurso sequer qualquer alegada violação de norma jurídica que entendesse porventura imputar à Sentença.

  7. - Como tal, o seu recurso para a Relação pretensamente em matéria de direito, não reunia sequer as condições para ser admitido, e o Acórdão recorrido devia tê-lo julgado desde logo rejeitado e indeferido nos termos do artº 641º/2, a) “in fine” CPC. Não tendo assim decidido, o Acórdão recorrido incorreu na violação destas normas legais 639º/2 e 641º/2, a) “in fine” CPC, devendo ser pois revogado e substituído por outro que indefira o recurso interposto para a R... pelo progenitor das menores.

    10º - No caso deste STJ assim não entender, dir-se-ia de qualquer modo que o Acórdão recorrido tendo por objecto um recurso apenas em matéria de direito (como balizado pelas Conclusões do Recurso interposto pelo progenitor das menores para a Relação, nos termos dos artºs 635º/4 e 639º/1CPC), extrapolou o objecto do recurso a que estava limitado, e assim incorre não só na violação destas normas (arts. 635º/4 e 639º/1 CPC), como em nulidade por excesso de pronúncia nos termos artº 615º/1, d) “in fine” “ex vi” artº 666º/1 CPC.

  8. - Isto porque, o Acórdão recorrido pronuncia-se sobre a fundamentação e a decisão da matéria de facto dada por provada pela Sentença de 1ª Inst., quando o recurso interposto pelo progenitor das menores para a Relação ... não visou qualquer matéria de facto, mas sim e só matéria de direito.

  9. - O Acórdão R.… afirma (pág.20): “(…) no que respeita à caracterização da personalidade da progenitora, resulta a mesma essencialmente de um incidente ocorrido quando as menores já viviam com a 1ª requerida (ponto 59...

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