Acórdão nº 306/22 de Tribunal Constitucional (Port, 27 de Abril de 2022

Magistrado ResponsávelCons. António José da Ascensão Ramos
Data da Resolução27 de Abril de 2022
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 306/2022

Processo n.º 109/22

2.ª Secção

Relator: Conselheiro António José da Ascensão Ramos

*

Acordam, em Conferência, na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional

I. Relatório

1. A. interpôs recurso para o Tribunal Constitucional ao abrigo do artigo 70.º, n.º 1, alínea b) da Lei n.º 28/82 de 15.11 (LTC) do acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul (TCA Sul) que negou procedência ao recurso por ele interposto da sentença do Tribunal Tributário de Lisboa.

Os presentes autos iniciaram-se pela propositura, pelo recorrente, de intimação para proteção de direitos, liberdades e garantias contra a Autoridade Tributária, representada pela Diretora Geral dos Impostos e com respeito a atos praticados pela Divisão Operacional do Norte da Direção Antifraude.

Negada procedência ao pedido de intimação pela 1.ª instância, A. interpôs recurso para o TCA Sul, que, por acórdão de 11.07.2019, negou-lhe provimento.

Ainda inconformado, o recorrente interpôs recurso de revista excecional para o STA que, em acórdão de 16.12.2021, o rejeitou por as questões colocadas e os factos em que assentava o objeto do recurso não possuírem identidade com as colocadas e os considerados, respetivamente, pelas instâncias.

2. A. recorreu depois para o Tribunal Constitucional ao abrigo do disposto no artigo 70.º, n.º 1, alínea b) da Lei n.º 28/82 de 15.11 (LTC).

Pela decisão sumária n.º 158/2022, decidiu-se não conhecer do mérito do recurso, por intempestividade do recurso interposto, falta de suscitação prévia da questão de fiscalização constitucional e por a norma sob sindicância não constituir o suporte normativo essencial da decisão recorrida.

Os fundamentos foram os seguintes, para o que ora importa:

“(…) 2. (In)Tempestividade do Recurso

(…) confrontado com a negação de provimento do recurso interposto para o TCA Sul, o ora recorrente interpôs recurso de revista extraordinária para o Supremo Tribunal Administrativo ao abrigo do disposto no artigo 150.º do Código de Procedimento nos Tribunais Administrativos (CPTA).

O recurso de revista não foi admitido junto do Supremo Tribunal e, por necessária deriva, quando foi interposto o recurso do acórdão do TCA Sul para este Tribunal Constitucional, há muito que havia decorrido o prazo de dez dias a que reporta o artigo 75.º, n.º 1 da LTC, contado da data de notificação ao recorrente da decisão. Assim, o presente recurso de fiscalização concreta apenas se poderia entender admissível se aproveitasse ao recorrente o disposto no artigo 75.º, n.º 2 da LTC. Este dispositivo legal desloca o termo inicial do prazo de recurso de fiscalização concreta para o momento em que o recorrente seja notificado da decisão de inadmissibilidade do recurso ordinário que haja interposto (cfr. artigo 75.º, n.º 2 da LTC). (…) A operatividade esta norma, porém, cinge-se aos casos em que o fundamento da rejeição resida na irrecorribilidade (cfr. artigo 75.º, n.º 2, 3.ª parte, da LTC) da decisão. Significa isto, pois, que o alargamento excecional do prazo apenas se verifica quando a decisão seja entendida, pela lei de processo aplicável, como impassível de ser revista por outro Tribunal no interior da mesma jurisdição, deixando de fora os demais casos que possam levar à não-admissão do recurso ordinário (…)

Levando este quadro legal a consequências, temos então que, caso o recurso ordinário interposto por A. para o Supremo Tribunal Administrativo tenha sido rejeitado por outro fundamento que não a indisponibilidade legal do recurso de revista previsto na lei de processo como mecanismo de impugnação do acórdão do TCA Sul, não lhe aproveitará a distensão do prazo que resulta do diferimento do termo inicial ao abrigo do artigo 75.º, n.º 2 da LTC, impondo-se concluir, desde já, que a sua iniciativa para o Tribunal Constitucional não é tempestiva, conduzindo à inerente rejeição.

(…) o Supremo Tribunal Administrativo reconheceu ao recurso interposto, “inegável relevância jurídica”, pelo que daqui decorre que se entenderia a matéria colocada como passível de ser apreciada, apesar do carácter excecional do recurso de revista patenteado no n.º 1 do artigo 150.º do CPTA. O acórdão concluiu, no entanto, que o recurso não respeitava a temática necessária, já que se deligava das questões colocadas às instâncias, suscitando matérias novas que, por isso, confrontavam a natureza estrutural do recurso interposto. De essencial, sendo assim, temos um recurso legalmente inadmissível, mas de objeto irregular, de onde resulta que a situação colocada não é subsumível ao disposto no artigo 75.º, n.º 2 da LTC.

De facto, o recurso com que o Supremo Tribunal se deparou, interposto pelo ora recorrente, comportava três questões:

“i) o direito à inviolabilidade das comunicações e da reserva da vida privada, previstos no n.º 4 do artigo 34.º e n.º 1 do artigo 26.º da CRP, abrange ou não as comunicações eletrónicas enviadas e recebidas no âmbito de uma caixa de correio eletrónico profissional;

(ii) o teor das comunicações eletrónicas é ou não irrelevante para efeitos da consumação do direito à inviolabilidade das comunicações e da reserva da vida privada, previstos no n.º 4 do artigo 34.º e n.º 1 do artigo 26.º da CRP;

(iii) A compressão do direito à inviolabilidade das comunicações eletrónicas admitidas no processo penal é ou não admitida fora dele.”

Sobre a questão supra indicada como (iii), o Supremo Tribunal concluiu que não havia sido colocada ao TCA Sul e que, como tal, o foro de recurso não a poderia apreciar. A vinculação temática das alegações de recurso para o TCA apenas lhe impuseram avaliar se “a sentença recorrida não enfermava de nulidade por omissão de pronúncia quanto a essa questão; ou seja, o Tribunal Central Administrativo Sul limitou-se a apreciar a correção formal da sentença – reconhecendo que o Tribunal Tributário de Lisboa se tinha pronunciado sobre a questão cujo conhecimento o recorrente considerou omitido, respeitando as regras de estruturação da sentença, designadamente as que impõem o conhecimento de todas as questões suscitadas – e já não a correção, a validade material, do julgamento efetuado sobre a mesma.” (cfr. acórdão do STA, fls. 17).

Por outra parte, no que respeita às duas demais questões, assinaladas como (i) e (ii) supra, o Supremo Tribunal Administrativo fez ver que também nessa dimensão o objeto do recurso não deveria ser apreciado, porque deslocado dos itens de facto fixados pelas instâncias: “o recorrente olvida a concreta factualidade da situação sub iudice, que determinou a fundamentação pelas instâncias e procura descentrar o objeto do processo para a discussão de questões que aquelas não trataram, ou, pelo menos, não trataram com os pressupostos de facto por que o recorrente pretende agora apresentá-las.” (cfr. acórdão do STA, fls. 18).

Perante este estado de coisas, o acórdão evolui na sua fundamentação caracterizando a desconformidade da temática do recurso para com o objeto antes definido e apreciado pelas instâncias: “se as questões que o recorrente pretende colocar a este Supremo Tribunal (…) configuram, em abstrato, questões de relevância jurídica fundamental, já não têm essa virtualidade no caso concreto, na medida em que os termos em que foram colocadas, designadamente no que respeita aos seus pressupostos fácticos, se distanciam da concreta situação de facto, tal como definida pelas instâncias. Em suma, enquanto o recorrente parte do pressuposto de que a informação em causa foi recolhida nas suas contas profissionais de correio eletrónico, as instâncias entenderam que a informação foi recolhida nas contas de correio eletrónico da sociedade, ainda que com identificação do respetivo utilizador. Ora, os tribunais têm como missão dirimir questões concretas (…) e não discretear sobre outras, académicas ou teóricas, sendo que esta última atividade se deve mesmo ter como proibida (cfr. art. 130.º do CPC).”.

O acórdão conclui e sumaria o seu juízo, pois, nos seguintes termos: “Não se pode admitir o recurso se as questões suscitadas pelo recorrente, não obstante a sua inegável relevância jurídica, assentam em pressupostos fácticos diversos dos que as instâncias consideraram.” (cfr. acórdão do STA, fls. 19).

Cabe concluir, portanto, que o recurso interposto para o Supremo Tribunal Administrativo seria considerado admissível, não fosse a irregularidade na definição do seu objeto pelo recorrente, vício da instância recursiva que não se confunde com a sua admissibilidade. Pelo estatuto legal do recurso interposto (artigo 150.º, n.º 1 do CPTA), estaria disponível ao recorrente o acesso ao Supremo Tribunal para ver revista a decisão do TCA Sul que negou a sua pretensão, apenas assim não sucedeu por força da existência de uma outra irregularidade, de índole formal, respeitante à forma como A. definiu a temática a apreciar: esta não respeitava a questões, antes, colocadas à 2.ª instância, numa parte e, noutra, dependia que existisse um acervo factual provindo das instâncias que constituía seu pressuposto, mas que, in casu, não se observava.

Em face do exposto, temos que não aproveita ao recorrente a distensão do prazo a que reporta o artigo 75.º, n.º 2 da LTC, impondo-se concluir que o recurso de fiscalização concreta não é tempestivo, daí resultando precludida a sua apreciação (cfr. artigo 78.º-A, n.º 1, 1.ª parte, da LTC).

3. Não-arguição Prévia da Questão de constitucionalidade

(…) o recorrente pretende a fiscalização do disposto nos artigos 63.º e 64º da Lei Geral Tributária (LGT) e nos artigos 5.º, 22.º, 28.º e 29.º do Regime Complementar do Procedimento de Inspeção Tributária e Aduaneira (RCPIT), na interpretação segundo a qual se permite “a utilização dos meios de prova relativos a correspondência eletrónica obtidos no âmbito de um processo-crime, fora desse processo-crime, designadamente no âmbito de procedimentos tributários levados a cabo pela...

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