Acórdão nº 6/20.3GALLE.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 07 de Abril de 2022

Magistrado ResponsávelANTÓNIO GAMA
Data da Resolução07 de Abril de 2022
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Processo n.º 6/20.3GALLE.S1 Acordam, em conferência, no Supremo Tribunal de Justiça: I 1.

No Juízo Central Criminal ... foi decidido: «Condenar o arguido AA pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo art. 21º n.º 1 do DL 15/93, de 22.01, na pena de 5 (cinco) anos e 8 (oito) meses de prisão; Condenar o arguido BB pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo art. 21º n.º 1 do DL15/93, de 22.01, na pena de 5 (cinco) anos e 3 (três) meses de prisão».

2.

Inconformados, recorreram os arguidos rematando a alegação de recurso com as seguintes conclusões (transcrição): Arguido AA: «1. O Recorrente colaborou com o Tribunal, em sede de Julgamento.

2. O Recorrente prestou declarações e admitiu a prática do crime.

3. As declarações do Recorrente em sede de julgamento tiveram um significativo relevo no apuramento dos factos.

4. Como consta do Acórdão a fls 49- “o arguido AA admitiu a autoria do crime, com significativo relevo no apuramento dos factos”.

5. Face a essa colaboração relevante para o apuramento dos factos, deveria ter sido aplicado ao Recorrente uma pena menos gravosa, nomeadamente uma pena de prisão suspensa na sua execução, ou se tal não for este o entendimento uma pena de prisão efetiva no seu limite mínimo.

Termos em que, e sempre com o douto suprimento de Vossas Excelências, deverá este recurso ser procedente e consequentemente ser revista a pena de prisão efectiva aplicada ao Recorrente substituindo-a por uma pena de prisão suspensa na sua execução ou se este não for o entendimento numa pena de prisão efetiva no seu limite mínimo. Porém Vossas Excelências decidirão como for de Justiça, assim se fazendo a costumada Justiça».

Arguido BB: «1. Vem o presente recurso, que versa exclusivamente matéria de direito, interposto do, aliás douto acórdão proferido a fls… pelo Tribunal “a quo”, que julgando parcialmente procedente a acusação, condenou o Recorrente pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes p. e p. pelo artigo 21.º, do DL 15/93 de 22/01, na pena de 5 (cinco) anos e (três) meses de prisão.

III –

  1. Dos factos provados 2. Com interesse para o presente recurso resultou provada, além do mais, a seguinte factualidade: Que o arguido se encontra com o estatuto processual de obrigação de permanência na habitação com vigilância eletrónica, medida que tem cumprido exemplarmente, não se tendo verificado nenhum incidente ao longo de mais de 1 (um) ano em que se encontra sujeito à mesma.

(…) O Recorrente sofre de pancretite aguda, sendo seguido pelo Hospital ... no serviço de gastroenterologia, tendo vivenciado em Julho de 2021 período de internamento hospitalar..

Reside em espaço arrendado, de tipologia ..., em contexto urbano, com renda mesnal de 300 euros, situação existente à data dos factos. Vive com a companheira e com o filho, de 27 meses, sendo notórios os laços de união entre o grupo familiar, assentes no diálogo e partilha de resposnabilidades.

O pai mantém residência em ..., tendo a mãe já falecido.

À data dos factos em efectuava trabalhos no espaço habitacional como ....

A companheira trabalha como ..., auferindo salário mínimo, a que acrescem as quantias quando executa trabalho suplementar e em fins-de-semana, beneficiando o casal de ajudas de cariz pontual da mãe da companheira, bem como as quantias de montante variável decorrentes da actividade que o arguido exerce como ....

Tem desempenhado diversas actividades como ...,... ou ajudante ..., para entidades patronais diferenciadas.

Não consta que consuma drogas.

CC declarou, 13-07-2021, dispor de vaga para admitir o arguido como ....

Foi condenado: - por decisão de 04-06-2018, transitada em 04-07-2018 [proc. 662/18... do Tribunal ...] na pena de 60 dias de multa à taxa diária de 5 euros, pela prática em 03-06-2018 de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez (art. 291º, nº 1 do CP), pena declarada extinta pelo cumprimento.] III – B) Do Enquadramento Jurídico-Penal da Matéria de Facto Provada.

3. Da factualidade dada como assente no âmbito dos presentes autos, resulta, salvo o devido respeito, que o tribunal “a quo” fez uma errada subsunção dos mesmos no artigo 21.º, nº 1 do Decreto-Lei nº 15/93, de 22 de Janeiro.

4. Com efeito, e uma vez mais ressalvado o devido (e merecido) respeito, estamos convencidos que a factualidade em causa ainda pode ser enquadrável no tipo privilegiado, p. e p. pelo artigo 25.°, alínea a), do Decreto-Lei n.° 15/93, de 22 de Janeiro.

5. Ou, quando muito, na designada «zona cinzenta» entre o crime base previsto no artigo 21.º do D.L. nº 15/93, de 22 de Janeiro e o de menor gravidade previsto no artigo 25.° do mesmo diploma legal, conforme aponta o douto Acórdão do STJ de 23-11-2011, consultável em www.dgsi.pt.

6. É assim a imagem global do facto, ponderadas conjuntamente todas as circunstâncias relevantes que nele concorrem, que permitirá a identificação de uma situação de ilicitude mitigada, de menor gravidade, ou seja, uma situação em que o desvalor da ação é claramente inferior ao padrão ínsito no tipo fundamental de crime – o tráfico de estupefacientes previsto no art. 21º do DL nº 15/93.

7. Ora, da matéria dada como provada resulta: Que o Recorrente vendia directamente o produto a consumidores finais.

Que essas vendas correspondiam a doses individuais para o consumo imediato de quem o procurava, ou seja, a chamada venda a retalho.

Que essas transacções eram efectuadas na rua, sujeitando-se a ser visionado e detectado pelos órgãos de polícia criminal, como veio, de facto, a suceder.

Resulta ainda patente a falta de sofisticação dos meios utilizados pelo Recorrente na traficância dessas pequenas quantidades de produto, pois usava o telefone para receber os contactos (encomendas) e deslocava-se ao encontro dos mesmos.

Acresce que o período de duração da actividade ilícita foi de cerca de 6 (seis) meses, com períodos de inatividade.

A área de actuação do recorrente era circunscrita a uma localidade.

E os lucros também não seriam elevados, face à quantia que tinha em seu poder quando foi detido – cerca de € 352,10 euros – cfr. ponto 49 dos factos provados.

8. A sua condição de vida é modesta, o que resulta cristalinamente da factualidade provada no ponto 58 da matéria assente, acima transcrito na parte que aqui releva.

9. O grau de ilicitude é, pois, no quadro de um tráfico comum, pequeno, permitindo-nos concluir que estamos perante uma situação de pequeno tráfico completamente distinta da do grande e médio tráfico, razão pela qual a actuação do Recorrente deveria ter sido enquadrada no previsto no artigo 25.°, alínea a), do Decreto-Lei n.° 15/93, de 22 de Janeiro, 10. ou, quando assim doutamente se não entenda, tal actividade é integrável na designada «zona cinzenta» entre o tráfico de estupefacientes p. e p. pelo artigo 25.º e o do artigo 21.º do Decreto-Lei n.° 15/93, de 22 de Janeiro, impondo a aplicação de pena não superior a 5 (cinco) anos de prisão, atento o limite máximo da pena aplicável previsto no artigo 25.° alínea a), , suspensa na sua execução, pelos fundamentos que infra se aduzirão.

Sem conceder III – C) Da Medida Da Pena 11. Mantendo-se a qualificação jurídico-penal operada pelo Tribunal “a quo”, o que se admite por cautela e dever de patrocínio, sempre a pena aplicada se mostra excessiva e desproporcional.

12. Pois, salvo melhor opinião, na determinação da medida da pena, o douto acórdão não relevou, como se impunha, as circunstâncias posteriores à prática dos factos em apreço nos autos, que constam dos autos, nomeadamente: 13. Que o recorrente encontra-se a cumprir medida de coação de permanência na habitação com vigilância eletrónica desde o dia 19 de Outubro de 2020 (cfr. Acto da D.G.R.S.S.P com a refª Citius ...), ou seja, há mais de 1 (um) ano; 14. Que durante este período, demonstrou recetividade às orientações da DGRSSP e consequente capacidade no cumprimento das regras e obrigações a que está sujeito, conforme decorre cristalinamente dos Relatórios de acompanhamento da medida de obrigação de permanência na habitação elaborados por esta entidade que se indicam e cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzidos para os devidos e legais efeitos, designadamente: - O 1º Relatório de acompanhamento da OPH datado de 16/02/2021 e junto aos autos nessa data com a refª Citius ...; - O 2º Relatório de acompanhamento da OPH datado de 13-05-2021 e junto aos autos com a Refª Citius ...; - O 3º Relatório de acompanhamento da OPH datado de 17-06-2021 e junto aos autos com a Refª Citius ...; - Que Durante esse período teve um episodio agudo e esteve internado no hospital em ..., desde 19 de Julho de 2021 ao dia 26 de Julho de 2021, por motivos clínicos urgentes e inadiáveis, na especialidade de gastroenterologia, tendo sido efectuadas monitorizações regulares, com carácter inopinado, com recurso a meios móveis, junto da unidade hospitalar, sem registo de anomalias.

Em complemento, foram estabelecidos vários contactos telefónicos, com médico e elementos do corpo de enfermagem, no sentido de acompanhar a situação do arguido, conforme se constata da matéria provada e do relatório da D.G.R.S.S.P. datado de 30-07-2021, junto aos autos nessa data com a refª Citius ... e cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido para os devidos e legais efeitos.

15. Desses relatórios da DGRSSP, para além de surgir comprovado que o arguido, aqui Recorrente, mantém um comportamento adequado às regras e disciplina impostas pela medida de coacção que cumpre em meio habitacional, 16. Resulta ainda que padece de grave problema de saúde que o torna especialmente vulnerável, mormente, à doença da COVID-19 e respectivas variantes.

17. Também resulta comprovado que beneficia de enquadramento habitacional e familiar, mantendo a coabitação com a esposa e o filho DD assumindo no meio familiar um comportamento adequado. A família revela-se o seu principal suporte, a nível afetivo e económico.

18. Resulta ainda comprovado que apresenta uma proposta...

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