Acórdão nº 0236/09.9BEFUN de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 07 de Abril de 2022

Magistrado ResponsávelSUZANA TAVARES DA SILVA
Data da Resolução07 de Abril de 2022
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam na Secção do Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo: I – Relatório 1 – A……….., S.A., com os sinais dos autos, propôs no Tribunal Administrativo e Fiscal do Funchal (TAF do Funchal), em 21 de Outubro de 2009, acção administrativa comum, contra o Município do Funchal, na qual formulou o seguinte pedido: “[…] Nestes termos, e nos demais de direito, deve a presente acção ser julgada procedente, por provada, e, em consequência, o R. condenado a pagar à A. a quantia de € 86.873,80 (oitenta e seis mil, oitocentos e setenta e três euros e oitenta cêntimos), acrescida de juros de mora vincendos desde a data da citação e até integral e efectivo pagamento, tudo com as legais e devidas consequências […]».

2 – Por sentença de 12 de Maio de 2012 foi a acção julgada procedente e a Entidade Demandada condenada a pagar à A., a título de indemnização por responsabilidade civil contratual, o montante de €86.873,80, acrescido de juros de mora à taxa anual de 4% desde a data da citação até integral e efectivo pagamento.

3 – Inconformado o Município do Funchal recorreu daquela decisão para o TCA Sul, que por acórdão de 12 de Novembro de 2015 anulou a sentença por omissão de pronúncia, conheceu do objecto da causa em substituição e julgou a acção improcedente, absolvendo a Entidade Demandada do pedido.

4 – Inconformada com o acórdão, a. arguiu a respectiva nulidade por omissão de pronúncia e interpôs recurso de revista para o STA. O TCA Sul, por acórdão de 16 de Janeiro de 2020, conheceu da alegada nulidade, considerando que a mesma não se verificava.

5 – Por acórdão deste Supremo Tribunal Administrativo de 24 de Junho de 2021, o recurso de revista foi admitido.

6 – A. e aqui Recorrente apresentou alegações que rematou com as seguintes conclusões: «[…] I. Salvo melhor opinião, estão integralmente reunidos os requisitos de admissão do presente Recurso de Revista Excepcional, tal como fixados nos n.ºs 1 e 2 do art. 150.º do Código Civil [sic].

  1. Com efeito, a questão cuja apreciação a ora Recorrente suscita no âmbito do presente recurso, ou seja, a validade de uma estipulação regulamentar e/ou contratual que restrinja e limite a responsabilidade civil contratual de uma das partes de um contrato público, bem como a respectiva obrigação de indemnizar, reveste-se de importância fundamental, comportando um interesse prático e objectivo que ultrapassa os limites da situação singular a proferir, e podendo originar uma controvérsia que se pode expandir à execução de qualquer contrato público e a todos os casos de responsabilidade contratual de um contraente público.

  2. Para além do mais, o Douto Acórdão recorrido adaptou uma posição juridicamente insustentável relativamente às regras do ónus da prova, "transformando" uma excepção e um facto impeditivo do direito invocado pela Autora, numa condição de procedibilidade do pedido e num facto constitutivo desse direito, assim invertendo a regra legal do ónus da prova, e impondo a quem invoca um direito que faça prova da não verificação de um facto impeditivo do mesmo, com a consequente violação dos n.ºs 1 e 2 do art. 342.º do Código Civil.

  3. Por outro lado, o Douto Acórdão recorrido, não interpretou, nem aplicou correctamente, as regras relativas à resolução de um contrato, sujeitando o (posterior) exercício do direito à compensação por uma alegada resolução ilícita ao cumprimento e/ou observância do estipulado no contrato (previamente) resolvido, assim violando, de forma manifesta, os arts. 436.º e 434.º do Código Civil.

  4. Ora, para além das 2 questões anteriormente referidas também revestirem importância fundamental, comportando um interesse prático e objectivo que ultrapassa os limites da situação singular a proferir, e podendo originar uma controvérsia que se pode expandir a qualquer contrato e/ou acção judicial, a intervenção deste Venerando Tribunal afigura-se essencial (e necessária) para garantir uma melhor aplicação do direito.

  5. Apesar da questão da invalidade da Cláusula 5.4 do Caderno de Encargos do procedimento pré-contratual em causa ter sido expressamente suscitada pela Autora, e ora Recorrente, quer na sua Réplica (cfr. arts. 11.º a 14.º da mesma), quer nas suas Contra-Alegações de Recurso (cfr. Conclusões F. e G.), e ter influência sobre a decisão a proferir, a mesma não foi apreciada no Douto Acórdão recorrido, que assim apreciou a excepção deduzida pelo Réu sem apreciar a correspondente (contra) excepção deduzida pela ora Recorrente, e incorreu no vício de nulidade por omissão de pronúncia, tal como previsto na alínea d) do n.º 1 do art. 615.º do CPC.

  6. Designadamente, tal Cláusula do Caderno de Encargos: a. Estabelece, ao arrepio das disposições legais aplicáveis à execução do contrato dos autos, e ao procedimento administrativo, uma forma de reclamação administrativa imperativa e prévia, e que viola, ostensivamente, a regra de que as reclamações e os recursos administrativos têm sempre caráter facultativo, salvo se a lei os denominar como necessários; b. É contrária à lei e à ordem pública, usurária, visa facilitar as condições em que à caducidade e a presunção dos direitos operam, alterando matéria subtraída à disponibilidade das partes e que defrauda as regras legais e gerais da prescrição; e/ou, c. Viola, de forma manifesta, os princípios da proporcionalidade e da justiça e da razoabilidade, configurando ainda uma limitação, abusiva e injustificada, do direito de acesso à justiça e aos tribunais, bem como do princípio da tutela jurisdicional efectiva, colocando nas mãos e à mercê da Administração o direito de efectivar a responsabilidade civil da mesma.

  7. Desta forma, a mesma, que foi adaptada no exercício dos poderes regulamentares do Recorrido, viola os arts. 161.

    º a 164.

    º do CPA de 1991, os arts. 280.º, 282.º, n.º 1, 300.º, 330.º, n.º 1, todos do Código Civil, bem como os arts. 5.º e 6.

    0 do CPA de 1991 e os arts. 20.º e 22.º da Constituição da República Portuguesa, devendo ser declarada nula e desaplicada do caso sub judice.

  8. O não cumprimento do disposto na referida cláusula configura uma excepção, designadamente da caducidade do direito, e que, aliás, foi invocada como tal pelo Réu em sede de Contestação, pelo que nos termos do art. 342.º, n.º 2 do Código Civil, cabia a este a prova da mesma.

  9. Dos factos provados (e não impugnados ou alterados) resulta que a ora Recorrente, comunicou, por 2 vezes, ao Recorrido, e, em qualquer dos casos, dentro do prazo de 8 dias a contar do facto relevante, que não se conformava com a cessação do contrato dos autos, e que se encontrava no direito de continuar a prestar os serviços objecto do mesmo, recebendo o respectivo valor, pretensão que corresponde ao pedido deduzido nos presentes autos.

  10. Assim, ao considerar que cabia à ora Recorrente alegar e demonstrar o cumprimento da Cláusula 5.4 do Caderno de Encargos, bem como ao assumir/concluir, sem qualquer sustentação nos (ou atenção aos) factos provados, pelo respectivo incumprimento, o Douto Acórdão recorrido interpretou e aplicou incorrectamente, e violou, os n.ºs 1 e 2 do art. 343.º do Código Civil.

  11. Não está em causa um litígio ou uma pretensão relativa ao modo de (e/ou à) execução das prestações contratuais, ou ao cumprimento defeituoso das mesmas, mas sim um litígio emergente da alegada resolução ilícita, pela Entidade Adjudicante, do contrato dos autos, resolução que produz efeitos a partir da recepção da respectiva comunicação, e tem eficácia retroactiva.

  12. Desta forma, ao considerar aplicável a Cláusula 5.4 do Caderno de Encargos ao exercício de um direito emergente da resolução do contrato dos autos, e constituído em momento posterior à mesma, o Douto Acórdão recorrido violou os arts. 436.º, n.º 1 e 434.º, n.

    0 1 do Código Civil, prolongando a vigência e a eficácia do contrato para além do seu termo legal.

    Nestes termos, e nos demais de...

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