Acórdão nº 0417/08.2BEBJA 01439/12 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 07 de Abril de 2022

Magistrado ResponsávelFRANCISCO ROTHES
Data da Resolução07 de Abril de 2022
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Apreciação preliminar da admissibilidade do recurso excepcional de revista interposto no processo n.º 417/08.2BEBJA Recorrente: “A………, Lda.” Recorrida: Autoridade Tributária e Aduaneira 1. RELATÓRIO 1.1 A sociedade acima identificada, inconformada com o acórdão proferido nos presentes autos pelo Tribunal Central Administrativo Sul em 28 de Janeiro de 2021 ( Disponível em http://www.dgsi.pt/jtca.nsf/-/31134995dcddc8218025866c00564d49.

) – que, concedendo parcial provimento ao recurso interposto pela Fazenda Pública, revogou a sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Beja na parte em que esta anulara a liquidação impugnada no segmento originado pela correcção à matéria colectável por desconsideração dos prejuízos dos exercícios de 1999 a 2001 –, interpôs recurso de revista excepcional, ao abrigo do art. 285.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT).

1.2 A Recorrente apresentou as alegações de recurso, com conclusões do seguinte teor: «A. Apesar de a consequência “final” desta decisão ser a não-dedução dos prejuízos fiscais reportados de 1999 a 2001 (€ 246.803,38) ao lucro tributável apurado em 2003, a questão jurídica de fundo e a ratio decidendi deste caso residirá na interpretação das normas sobre a aplicabilidade ou não do regime do RETGS no exercício de 2003 à ora RECORRENTE.

B. Em 2003 a AT vem considerar que cessou o RETGS para a ora RECORRENTE, o que significa, aplicando a regra prevista no artigo 65.º n.º 1, alínea c) do CIRC, que a RECORRENTE irá perder os prejuízos reportados de anos anteriores, concretamente, perde uma dedução de € 246.803,38 ao seu lucro tributável do exercício de 2003.

C. A justificação dada pela AT para esta actuação é o simples facto de, “no exercício de 2002, a sociedade dominante, B……., SGPS, Lda. ter apresentado declaração de rendimentos do IRC, mod. 22, indicando a tributação pelo regime geral, por esse facto ter cessado a aplicação do RETGS” (cf. sentença recorrida, “De Direito”, parágrafo 2.1, p. 20). A sentença recorrida vem concordar com esta decisão da AT.

D. Temos assim duas questões de relevância para o caso concreto, com grande impacto no ordenamento jurídico-tributário e que carecem da douta e última aplicação do direito por este STA, que são as seguintes. Em primeiro lugar, esclarecer se a entrega da declaração modelo 22 da sociedade dominante (ainda que por mero erro) pode originar a cessação do RETGS. Dito de outro modo, esclarecer se, prevendo a lei um conjunto de causas de cessação do RETGS, a AT pode considerar que há outras causas e fazer cessar o regime relativamente aos contribuintes com base nessas. E em segundo lugar, determinar se a passagem do RTLC para o RETGS implica uma revogação tácita da norma que prevê uma continuidade do grupo fiscal durante 5 anos, podendo a AT antes de terminar esse período, desconsiderar um grupo fiscal que tenha optado nos termos da lei pela continuidade dos regimes.

E. É fundamental a importância da pronúncia deste STA sobre a referida matéria. Como bem prescreve o artigo 285.º do CPPT, este recurso é interposto de decisões que pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental, ou, noutros casos, quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito.

F. Cabe então decifrar as razões pelas quais cremos que a decisão desta controvérsia pelo STA, não só se reveste de relevância jurídica como de relevância social, conferindo-lhe a importância fundamental exigida pela lei, como também é uma questão que, com vista a uma melhor aplicação do direito, necessita claramente da pronúncia do STA.

G. Desde logo porque, de acordo com as doutas palavras deste STA, este recurso é “uma “válvula de segurança” do sistema, pelo que só é admissível se estivermos perante uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental, ou se a admissão deste recurso for claramente necessária para uma melhor aplicação do direito, incumbindo ao recorrente alegar e demonstrar os requisitos da admissibilidade do recurso.

” (Acórdão do STA de 2 de Setembro de 2020 no processo n.º 03517/15.9BESNT 0278/17, destaque nosso).

Preenchimento dos pressupostos da revista na primeira questão, H. Deve considerar-se que a primeira questão a decidir no caso dos Autos, pela sua relevância jurídica ou social, se mostra de importância fundamental e merece, assim, a pronúncia deste douto Supremo Tribunal.

I. Neste ponto tem-se entendido que “a importância fundamental da questão há-de resultar quer da sua relevância jurídica quer social, aquela entendida não num plano meramente teórico mas prático em termos da utilidade jurídica da revista; e esta em termos da capacidade de expansão da controvérsia de modo a ultrapassar os limites da situação singular” – cf. acórdão do STA, de 4 de Outubro de 2006, emitido no processo n.º 0854/06, mas também o acórdão do STA, de 26 de Junho de 2008, proferido no processo n.º 0515/08 ou o acórdão do mesmo Tribunal de 2 de Julho de 2008, emitido no processo n.º 0173/08.

J. Mais tarde, o STA volta a pronunciar-se separando os dois tipos de relevância conferindo-lhes preenchimentos diferentes: “E como tem sido repetidamente explicado nos inúmeros acórdãos proferidos sobre a matéria e que nos dispensamos de enumerar, o preenchimento do conceito indeterminado de relevância jurídica fundamental verificar-se-á, designadamente, quando a questão a apreciar seja de elevada complexidade ou, pelo menos, de complexidade jurídica superior ao comum, seja por força da dificuldade das operações exegéticas a efectuar, de um enquadramento normativo especialmente intricado ou da necessidade de concatenação de diversos regimes legais e institutos jurídicos, ou quando o tratamento da matéria tem suscitado dúvidas sérias quer ao nível da jurisprudência quer ao nível da doutrina. Já relevância social fundamental verificar-se-á quando a situação apresente contornos indiciadores de que a solução pode constituir uma orientação para a apreciação de outros casos, ou quando esteja em causa questão que revele especial capacidade de repercussão social, em que a utilidade da decisão extravasa os limites do caso concreto das partes envolvidas no litígio.

” (cf. Acórdão do STA de 2 de Abril de 2014 no processo n.º 01853/13) K. A esta luz, é evidente a relevância jurídica da questão submetida à apreciação deste STA – bastará pensar na frequência com que ocorrem factos semelhantes aos dos autos: erros nas declarações, correcção de lapsos, e inquinações informáticas dos serviços… Serão certamente milhares as situações deste tipo que se verificam anualmente, tanto mais em tempos de crise pandémica como aqueles em que vivemos, e em que a legislação e a prática administrativa não são evidentes sequer para especialistas, quanto mais para o contribuinte médio.

L. Como bem ensina CASALTA NABAIS, cada vez mais se tem assistido a um fenómeno de “privatização” das tarefas de administração do imposto, que se tem instalado desde os anos oitenta de século passado, substituindo o sistema de “lançamento, liquidação, e cobrança” puramente administrativo – cf. Direito Fiscal, 2019, 11.ª edição, Almedina, p. 343 e ss.. Natural é que surjam com maior frequência problemas relacionados com as obrigações acessórias dos sujeitos passivos, já que vivemos verdadeiramente uma gestão partilhada do sistema fiscal.

M. Assim, do mesmo modo deve considerar-se que o caso presente cumpre também o requisito da clara necessidade da admissão para uma melhor aplicação do direito, como exige o artigo 285.º do CPPT. É que, nas palavras do STA, “a clara necessidade da admissão da revista para melhor aplicação do direito há-de resultar da possibilidade de repetição num número indeterminado de casos futuros e consequente necessidade de garantir a uniformização do direito em matérias...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT