Acórdão nº 27353/18.1T8LSB.L1-2 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 24 de Março de 2022

Magistrado ResponsávelANTÓNIO MOREIRA
Data da Resolução24 de Março de 2022
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Decisão Texto Parcial:


Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa os juízes abaixo assinados: D. e G intentou acção declarativa com processo comum contra I., S.A., pedindo a condenação desta no pagamento da quantia de USD 2.233.240,67, equivalente a € 1.923.550,00, acrescida de juros de mora vencidos e vincendos até ao efectivo e integral pagamento, à taxa de 9 pontos percentuais acima da taxa base, a contar desde a data de interpelação.

Alega para tanto, e em síntese, que em 14/12/2017 declarou vender à R., que por seu turno declarou comprar-lhe, as obrigações com a referência ARGENT 6 7/8 01/26/2027, ISIN USP04808AM60, com o valor nominal de USD 2.009.000,00, pelo preço de USD 2.233.240,67, sendo que a R. não pagou a referida quantia até ao presente, não obstante as solicitações da A.

Citada a R., apresentou contestação na qual, em síntese: · Admite a existência das declarações de compra e venda das obrigações e o não pagamento do preço das mesmas; · Invoca que as partes acordaram que a aquisição em causa ficaria sujeita à condição suspensiva de o cliente da R. pretender adquirir os títulos, o que não se veio a verificar; · Invoca, subsidiariamente, que o contrato é inválido por a R. ter declarado em erro quanto ao objecto do negócio, por não serem as preditas obrigações transaccionáveis nos Estados Unidos da América, ao contrário do que supunha, o que a A. sabia; · Invoca, subsidiariamente, que a A., ao exigir o pagamento do preço, actua em abuso de direito, por não ter cumprido o dever de informar a A. das características dos títulos em causa; · Invoca, subsidiariamente, que se extinguiu a sua obrigação de pagamento do preço em resultado da impossibilidade de a A. cumprir com a obrigação de entrega das obrigações, já que em 19/6/2018 trocou-as por outras transaccionáveis nos Estados Unidos da América.

Conclui pela procedência das excepções invocadas e, em qualquer caso, pela improcedência da acção, com a sua absolvição do pedido.

A A. respondeu às excepções invocadas, pugnando pela sua não verificação.

Em audiência prévia foi fixado o valor da causa e proferido despacho saneador, mais se identificando o objecto do litígio e enunciando-se os temas da prova.

Foi realizada a audiência final.

As partes juntaram pareceres aos autos.

Seguidamente foi proferida sentença com o seguinte dispositivo: “Face ao exposto, julgo a presente acção deduzida por (…) [D. eG] parcialmente procedente por parcialmente provada e, consequentemente, condeno a R. (…) a pagar à A. a quantia de 1.830.825,27 € (um milhão, oitocentos e trinta mil, oitocentos e vinte e cinco euros e vinte e sete cêntimos), acrescida de juros de mora, contados sobre tal quantia 07-03-2018 até integral pagamento, à taxa de nove pontos percentuais ao ano, contra a entrega das identificadas obrigações.

* Custas a cargo de A. e R. na proporção do decaimento”.

A R. recorre desta sentença, terminando a sua alegação com as seguintes conclusões, que aqui se reproduzem:

  1. Na sentença, devem especificar-se os factos que, em concreto, ficaram provados ao abrigo e em concretização de cada um dos temas da prova, tomando além do mais em conta também os factos instrumentais, complementares e concretizadores dos factos essenciais, que hajam resultado da instrução do processo e / ou que tenham resultado provados ou admitidos por acordo (cfr. artigos 5.º, n.º 2, alíneas a) e b) e 607.º, n.º 4 do CPC); b) Quando tal não ocorra, como é aqui manifestamente o caso, pode e deve o Tribunal da Relação intervir, ao abrigo dos seus poderes cognitivos e do princípio do duplo grau de jurisdição em matéria de facto, o que importará a alteração da matéria de facto provada nestes autos nos moldes adiante especificados; c) Efectivamente, na fixação da matéria de facto o tribunal de primeira instância (i) deixou-se prender excessivamente aos genéricos e conclusivos temas da prova, sem concretizar de forma detalhada e especificada, como lhe competia, cada um dos concretos factos que dentro de cada tema da prova haviam resultado provados e não provados da instrução do processo, tendo igualmente (ii) desconsiderado os factos instrumentais ou aqueles que constituíam complemento ou concretização daqueles que as partes haviam alegado, em violação do disposto no artigo 5.º, n.º 2, alíneas a) e b) do CPC e do espírito da reforma de 2013, expressa na exposição de motivos da Proposta de Lei n.º 113/XII; d) O que, além do mais, contende com o acesso à justiça e à tutela jurisdicional efectiva, já que tal deficiência é susceptível de, entre outros, comprometer o efectivo direito da ora Apelante ao recurso relativamente à matéria de facto; e) O Tribunal errou igualmente na valoração e apreciação da prova produzida, desconsiderando injustificadamente aquela produzida pela Ré e acolhendo de forma acrítica aquela produzida pelo Autor, em particular o depoimento da testemunha Patrick H., que considerou isento e credível, esquecendo que este, enquanto interveniente no negócio posto em crise, tinha interesse pessoalíssimo em que a versão dos factos trazida aos autos pelo Autor vingasse; f) Como se tal não bastasse, o Tribunal a quo permitiu que fossem formuladas repetidamente perguntas sugestivas à testemunha Patrick H., assim inquinando de forma irremediável as respostas por este fornecidas, suscitando legítimas e fundadas dúvidas sobre a sua credibilidade ou ao menos sobre o sentido do seu depoimento, justificando-se, em obediência ao princípio do apuramento da verdade material subjacente ao disposto no artigo 662.º, n.º 1, alínea a) do CPC, a anulação da decisão e a renovação desta parte da prova, o que se requer; g) Sem prescindir, a decisão recorrida enferma de falta de rigor e de clareza na redacção dos concretos pontos integradores da matéria de facto provada, a qual em alguns casos integra conclusões jurídicas, para além de ser confusa, sendo geradora de dúvidas interpretativas e até de contradições, que urge corrigir; h) Em resposta aos Temas da Prova 1 e 3 e em substituição do Facto Provado 1. e do Facto Não Provado a.

    , devem dar-se por provados os factos elencados sob as alíneas i. a xxxi. do artigo 25.

    supra, com base nos concretos meios de prova aí elencados, incluindo a prova gravada, para onde se remete e aqui se dão por integralmente reproduzidos; i) O Facto Provado 1 contém uma amalgama de factos e de conclusões jurídicas, que não capta minimamente a riqueza e profusão de factos alegados pelas partes, bem como os factos instrumentais, complementares ou concretizadores daqueloutros resultantes da instrução do processo, os quais devem ser fixados e ponderados na sentença, em obediência ao disposto no artigo 5.º, n.º 2, alíneas a) e b) do CPC; j) Já o Facto Não Provado a.

    contém uma conclusão jurídica, a formular a partir da ponderação dos factos provados a que se alude em h), pelo que deve igualmente ser eliminado da fundamentação de facto; k) Apesar de ter autonomizado sob Tema da Prova 4 “apurar se aquando da declaração o terceiro comprador retirou a declaração de compra à R. das preditas obrigações”, a verdade é que o Tribunal a quo nada referiu a tal respeito, quer nos Factos Provados, quer nos Factos Não Provados, o que configura uma omissão de pronúncia indesculpável, em face da prova abundante produzida a tal respeito; l) Ocorreu aqui um erro grosseiro por parte do Tribunal a quo na fixação dos factos provados, a justificar nova intervenção deste Venerando Tribunal, ao abrigo dos seus poderes cognitivos em matéria de facto plasmados no artigo 662.º do CPC, para dar por provados, em resposta ao Tema da Prova 4, os factos elencados sob as alíneas xxxii. a xxxix. do artigo 30.

    supra, com base nos concretos meios de prova aí elencados, incluindo a prova gravada, para onde se remete e aqui se dão por integralmente reproduzidos; m) Se, conforme decorre da fundamentação da decisão em relação ao Tema da Prova 2, não só estamos perante um caso de “insuficiência da prova produzida quanto a tal” por parte do Autor, mas antes perante a “existência de prova em contrário” oferecida pela Ré, deveria o Tribunal a quo ter incluído entre os factos provados aqueles elencados sob as alíneas xl. a xlii. do artigo 33.

    supra, com base nos concretos meios de prova aí elencados, incluindo a prova gravada, para onde se remete e aqui se dão por integralmente reproduzidos; n) A respeito da (in)existência de um erro por parte da Ré - entenda-se por parte da Senhora Sandra P. - na identificação da natureza e características das obrigações com o ISIN USP04808AM40 - Tema da Prova 5 -, em lugar de dar por provados factos a partir dos quais fosse possível concluir num ou noutro sentido, a Meritíssima Juiz simplesmente formulou um juízo conclusivo a tal respeito na fundamentação da resposta aos factos não provados; o) A respeito das características e natureza das obrigações com o ISIN US04808AM60, por comparação com as das obrigações com o ISIN US040114HL72 - Temas das Prova 7 e 8 - , o Tribunal apenas levou aos factos provados que “tais obrigações não eram transaccionáveis nos Estados Unidos da América a não ser por comprador institucional qualificado” (facto provado 2.) e que “em 18-06-2018, os referidos títulos foram convertidos em obrigações livremente transaccionáveis para investidores dos EUA, às quais foi atribuído o ISIN US040114HL72” (facto provado 4.), nada dizendo sobre a sua manifesta falta de liquidez (artigos 85.º a 94.º da contestação) e consequente falta de cotação em mercado (artigos 101.º, 103.º, 104.º da contestação), nem sobre os termos e condições em que se deu a respectiva troca (que não conversão) em 18 de Junho de 2018 (artigos 146.º a 148.º da contestação), o que é tanto mais estranho quanto nesta parte constam dos autos cópias dos documentos de emissão, oferta de troca e troca das obrigações aqui em causa, através dos quais os factos pertinentes ficam devidamente provados; p) Acresce que a sentença é também completamente omissa sobre as condições em que, em 14 de Março de...

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