Acórdão nº 303/21.0T8PTG.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 07 de Abril de 2022

Magistrado ResponsávelANABELA LUNA DE CARVALHO
Data da Resolução07 de Abril de 2022
EmissorTribunal da Relação de Évora

Acordam no Tribunal da Relação de Évora: I Nos presentes autos vieram J… e E… intentar ação sob a forma de processo comum contra L… e mulher G…, P… e mulher A…, C… e M…, todos com os sinais dos autos.

Para tanto alegam que são proprietários de um imóvel sobre o qual existe, desde data anterior a 1998, em benefício do prédio dos Réus, uma servidão que consiste na colocação de um tubo de rega a enterrar a uma profundidade de um metro, que atravessará o prédio serviente no sentido Sul/Norte, para condução de água, com um caudal de sessenta litros por segundo, desde o módulo de saída do canal de rega de Campo Maior, integrado no Perímetro de Rega do Caia, e a utilização duma charca, a usar como ponto de bombagem, com cinco metros de profundidade e a extensão de vinte por cinquenta metros, em terra batida.

Os Réus intentaram uma ação, com o n.º …/5TBELV, a qual veio a proceder apenas quanto ao reconhecimento da existência da servidão constituída e favor do prédio dos RR.. Tendo a servidão sido constituída em 1998, sucede que desde essa data e até hoje os proprietários do prédio serviente nunca fizeram as obras que eram estritamente necessárias para poderem usar a servidão, pelo que a mesma se extinguiu pelo não uso.

Termina pedindo que se julgue procedente a ação e em consequência: os RR. condenados a reconhecer a extinção da servidão, o que deverá comunicar-se à competente Conservatória do Registo Predial para cancelamento da sua inscrição no registo.

Os Réus contestaram.

Reconhecem a existência da servidão e o seu não uso até 2007. Contudo, porque se colocavam questões de interpretação das declarações negociais que estiveram na origem da constituição da servidão foi intentada a aludida ação com o n.º …/5TBELV. Entendem assim que as condições para o exercício da servidão por parte dos aqui Réus só ficaram claramente definidas após o trânsito em julgado da sentença do Juízo Local Cível de Elvas (Juiz 2) no processo nº .../5TBELV. Alegam ainda que os aqui Autores, apesar de declararem que reconheciam a existência da servidão opunham-se a qualquer tentativa dos aqui Réus para usarem a servidão em causa. Consideram os Réus que o prazo de 20 anos previsto na alínea b) do nº 1 do artigo 1569º do Código Civil só começou a contar no dia do trânsito em julgado da sentença do Juízo Local Cível de Elvas (Juiz 2 – processo nº .../5TBELV) que foi confirmada pelo Acórdão de 30.05.2019 do Tribunal da Relação de Évora.

Mais invoca que sempre estaríamos perante uma situação de abuso de direito por parte dos Autores. Pede assim, que se considere improcedente a ação.

* Por despacho proferido nos autos foi designada data para a realização da audiência prévia, no âmbito da qual se concedeu aos Autores prazo para o exercício do contraditório, em relação à matéria de exceção invocada na contestação e se anunciou às partes a intenção do Tribunal conhecer, em despacho saneador, do mérito da causa, determinando a notificação das mesmas para, querendo, produzirem alegações de direito.

* Os Autores apresentaram articulado, ao abrigo do princípio do contraditório, tomando posição sobre os efeitos da sentença proferida no processo .../5TBELV, e bem assim, que só em 19/11/2020 é que os Réus tentaram fazer uso da dita servidão, a qual já se havia extinguido pelo não uso. Terminam requerendo a procedência da ação.

Considerando que os autos continham já os elementos necessários à prolação de decisão, o Mmº Juiz proferiu saneador-sentença, decidindo julgar improcedente por não provada, a presente ação e, em consequência, absolveu os Réus de todo o peticionado.

Inconformados com a decisão os AA. recorreram assim concluindo as suas alegações de recurso: 1º- A servidão em causa nestes autos foi constituída e registada em 18/09/1998.

  1. - Os AA. sempre reconheceram e a sentença proferida em ação que os aqui RR. moveram aos aqui AA. que a servidão existia e 3º - Que o seu conteúdo consistia na construção no prédio serviente duma nova charca, alimentada por novo tubo a enterrar e nova estação de bombagem para conduzir água do canal de Almadragueira do Perímetro de Rega do Caia destinada a regar o prédio dos RR..

  2. - Pelo contrário, os RR. sempre tentaram apropriar-se da charca, tubo e bombagem já existentes no prédio serviente propriedade dos AA. e assim 5º - Até 2007 nada fizeram, nesse ano tentaram colocar uma bomba na charca propriedade dos AA. e moveram em 2012 a estes ação em que pretendiam demonstrar que as infraestruturas da servidão eram as já existentes, o que 6º - sentença ali proferida veio a julgar não ser assim, confirmando a tese de sempre dos AA..

  3. - Por isso os RR. desde 1998 até hoje nunca fizeram as obras que lhes competia fazerem e nunca usaram a servidão.

  4. - Os AA. nunca praticaram um único ato que impedisse os RR. de fazerem as obras ou de usarem a servidão – o que nem poderiam ter praticado já que os RR. nada fizeram.

  5. - O Artigo 1570º do CC distingue entre servidões para fruição nas quais seja necessária ação do homem e aquelas em que não o seja.

  6. - Quando seja necessária a ação humana o início do prazo de não exercício considera-se como sendo aquele em que a servidão deixou de ser exercida.

  7. - Essa expressão tem de ser interpretada como sendo o momento em que, podendo ser exercida, a servidão o não foi, momento que coincidirá com o de constituição da servidão.

  8. - A interpretação que entende que esse início coincide com o momento em que foi praticado o último ato de exercício é absurda pois conduziria à conclusão de que, se a servidão nunca fosse usada, nunca poderia extinguir-se por não uso.

  9. - O não uso iniciou-se pois no nosso caso quando a servidão foi constituída e prolongou-se ininterruptamente até hoje, ou seja, por mais de vinte anos.

  10. - O Artigo 1569º, Nº 1, alínea b) do C.C. considera que a servidão se extingue pelo não uso por 20 anos “seja qual for o motivo”.

  11. - A sentença recorrida entendeu que o início do prazo de não uso será o do trânsito em julgado da sentença proferida na ação movida pelos aqui RR. aos aqui AA. pois só a partir desse momento eles saberiam como podiam usá-la e assim 16º - Viola o Artigo 1570º do CC ao admitir forma de determinar o início do prazo para além das que este prevê e viola também o Artigo 569º, Nº 1 do mesmo diploma ao admitir uma exceção justificativa do não uso quando a lei diz que este agirá “seja qual for o motivo”.

  12. - Aliás, também a douta sentença refere que é aplicável ao não uso o regime aplicável à caducidade mas depois viola o Artigo 331º, Nº 1 do CC ao admitir a interrupção do período de não uso por motivo que nem lei, nem convenção preveem.

  13. - Cita ainda a douta sentença recorrida dois Acórdãos mas o da Relação de Guimarães defende exatamente a posição dos AA. e não a da sentença recorrida e o da Relação do Porto refere-se a hipótese radicalmente diversa da dos presentes autos, já que 19º - Trata de caso em que a servidão em uso foi interrompida por ato do proprietário do prédio dominante, quando no caso dos nossos autos a ação movida pelos aqui RR. aos aqui AA. pretendia alterar as condições de servidão que os RR. nunca usaram.

  14. - Do mesmo modo, a decisão da sentença movida pelos aqui RR. aos aqui AA., considerando que estes não devem opor-se ao exercício da servidão, não obsta à procedência da presente ação, pois 21º - O encerramento da discussão naqueles autos ocorreu muito antes de se terem completado os 20 anos de não uso da servidão.

Nestes termos, 22º - Estando provado o não uso da servidão durante 20 anos ininterruptos após a sua constituição deve ser declarada a extinção da mesma o que reporá a Justiça.

Em contra-alegações concluem os Réus: 1. A questão que se discute neste recurso consiste em saber se a servidão que existe a favor dos Recorrentes já caducou ou, dito por outras palavras, a partir de quando deverá ser contado o prazo de 20 anos previsto na alínea b) do...

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