Acórdão nº 1071/21.1T8BRG.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 31 de Março de 2022

Magistrado ResponsávelMARIA LEONOR CHAVES DOS SANTOS BARROSO
Data da Resolução31 de Março de 2022
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

I – RELATÓRIO X – VIAGENS E TURISMO, S.A. intentou a presente acção declarativa, sob a forma de processo comum, contra T. A., A. R., S. F., D. S., M. J., A. O. e Y, LDA.

A acção deu entrada em 25-02-2021.

Pede-se a condenação dos réus a: (i)absterem-se da prática de novos atos de concorrência desleal; (ii) a pagar à autora, solidariamente, uma indemnização no valor de 147.000,00€ por prática de concorrência desleal e no que se vier a liquidar em execução de sentença; (iii) a pagar à autora, solidariamente, uma indemnização a título de danos morais, pelos danos causados à imagem da autora no valor de 3.000,00€; (iv) juros de mora.

Refere-se preliminarmente que, com base na mesma causa de pedir e pedido, instaurou contra os mesmos RR acção no foro cível, tendo o juiz a quo declarado a incompetência material desse foro, atribuindo-a aos juízos laborais (proc. 5985/19.0T8BRG, Juízo Central Cível de Braga - Juiz 3). A referida acção teve início em 19-11-2019 e a decisão de absolvição da instância transitou em julgado a 28-10-2020 (factos aceites pelos RR). A autora requereu a remessa do processo ao juízo competente, a qual foi indeferida por oposição da ré sociedade (99º do C.P.C).

Alega como fundamentos do direito arrogado: a ré sociedade dedica-se à actividade concorrente da exercida pela autora (viagem, turismo, hotelaria e transporte). Os RR pessoas singulares foram seus trabalhadores. Quando ainda se encontravam sob as suas ordens e orientações, inclusive no tempo e local de trabalho e em conluio com a ré sociedade, praticaram diversos actos de concorrências desleal, em especial desviando a sua principal cliente (W) para a sociedade ora ré, que deixou de prestar serviços para a autora em outubro/2017. A partir de novembro/2017, passou a ter uma queda brusca na facturação. Entre novembro e dezembro de 2017, os RR denunciaram os seus contratos de trabalho (em 2-12-2017, o R. T. A., em 15-11-2017 o R. A. R., em 17-11-2017, o R. S. F., em 15-11-2027 a R. D. S., em 12-12-2017 a R. M. J., em 22-11-2017 a R. A. O.). Depois, foram trabalhar para a ré sociedade, constituída pouco tempo antes. A ré sociedade não se limitou, assim, a aliciar a sua principal cliente por métodos concorrenciais leais, mas contratou todos os trabalhadores da autora, apropriando-se das bases de dados e informação de caracter sigiloso e relevante para o funcionamento da autora. Sofreu prejuízos que reclama equivalente à facturação que obteria caso não fosse a actuação dos RR., bem como danos na imagem.

Os RR contestaram e invocaram, entre o mais, a excepção de prescrição dos créditos da autora. Referem que todos os contratos de trabalho cessaram até 2-12-2017. A sétima ré nunca teve relação laboral com a autora. Já havia decorrido o prazo de um ano de prescrição para o exercício de direitos, previsto no artigo 337º do CT, que terminaria a 3-12-2018, quer aquando da apresentação da presente acção, quer aquando da citação dos RR na acção similar intentada em 19-11-2018, nos juízos cíveis. Ademais, a própria autora refere na p.i. que desde dezembro de 2017 tinha conhecimento das ditas pretensas circunstâncias em que funda a acção. No mais, impugnam a factualidade, referindo que os RR saíram por estarem descontentes com as condições de trabalho, que nessa altura o autora tinha pelo menos mais seis trabalhadoras ao seus serviço, que os trabalhadores que saíram não ocupavam cargos de cúpula, nem tinham acesso a informação privilegiada ( eram técnicos de turismo, motorista e funcionários administrativos, sem acesso aos segredos do negócio), que a maior parte dos trabalhadores, depois de saírem da autora e antes de ingressarem na a ré, passaram por outras experiências e estiveram no centro de emprego.

Quanto à prescrição a autora respondeu o seguinte: a ré Y nunca foi trabalhadora da autora, consequentemente a sua responsabilidade não advém de uma relação laboral, mas sim da prática de factos ilícitos e da violação das normas relativas à concorrência desleal previstas no Código Civil e da Propriedade Industrial. A causa de pedir da autora, formulada contra todos os réus, reside na responsabilidade civil por factos ilícitos e na violação das normas relativas à concorrência desleal, responsabilidade esta que é autónoma e independente da responsabilidade laboral. O prazo de prescrição é de 5 anos por se tratar de ação em indemnização por ilícito da concorrência, contado a partir do conhecimento ou do momento em que se possa razoavelmente presumir que teve conhecimento da infração ou da identidade do infrator (Artigo 6°, 1°, a) e b) 6°, 1° da Lei 23/2018), ou no mínimo de 3 anos (483º CC). Ademais, sempre beneficiaria da interrupção da prescrição advinda da instauração da acção no foro cível.

Seguiu-se a prolação de despacho saneador apreciando-se oficiosamente a excepção de incompetência material e, ainda, a excepção de prescrição invocada pelos RR, nos seguintes termos: “Pelo exposto, decido: 1. Julgar este juízo do trabalho incompetente em razão da matéria para apreciar a presente acção relativamente aos réus T. A., A. R. e M. J. e à sociedade comercial Y, Ldª e, em consequência, absolvê-los da instância; 2. Julgar procedente a excepção peremptória de prescrição que foi invocada relativamente aos réus S. F., D. S. e A. O. e, em consequência, absolvê-los dos pedidos formulados pela autora.” FOI INTERPOSTO RECURSO PELA AUTORA. CONCLUSÕES: 1. Vem o presente recurso de apelação interposto da sentença na parte em que: 1.1. Julga a incompetência do juízo do trabalho em razão da matéria para apreciar a acção relativamente a parte dos réus, absolvendo-as da instância.

1.2. Julga procedente a excepção peremptória de prescrição, relativamente aos demais réus, absolvê-los dos pedidos formulados pela autora.

  1. Na douta sentença recorrida o Tribunal a quo faz uma distinção entre os réus cujo contrato de trabalho contém cláusula de pacto de não concorrência e aqueles cujo contrato não dispõe da referida cláusula, em nosso modesto entendimento, é neste ponto que reside o equivoco da douta sentença.

  2. A presente acção não se baseia na violação do pacto de não concorrência, mas na prática de actos de concorrência desleal, actos contrários aos usos honestos do comércio, repudiados pela boa consciência dos agentes do mercado e capazes de causar prejuízos.

  3. Na petição inicial a autora alegou que os actos de concorrência desleal foram praticados, em conjunto e de forma concertada, por todos os réus, como se percebe, entre outros aspectos, pelo tempo e o modo como tudo aconteceu — a saída quase simultânea de todos os trabalhadores e a perda da melhor cliente da autora, que coincide com a saída do último grupo de trabalhadores.

  4. É certo que existe uma cláusula de pacto de não concorrência nos contratos de trabalho de parte dos ex-trabalhadores, porém a autora não invocou a violação do pacto de não concorrência, até porque, como decorre do art. 136.º, n.º 2. al. c) do C.T. não foi atribuída a estes trabalhadores, durante o período de limitação da actividade, uma compensação.

  5. Sucede que, não é pelo facto de autora não ter procedido ao pagamento de uma compensação que os réus (que celebraram pacto de não concorrência) podem praticar concorrência desleal ao empregador, pois esta, como refere a própria sentença, é proibida por igual a ex-trabalhadores e a todos os que nunca tiveram essa qualidade relativamente a uma certa empresa.

  6. Perante a atuação grave de todos os ex-trabalhadores é legítimo e adequado invocar a prática de actos de concorrência desleal quanto a todos em detrimento de invocar a violação do pacto de concorrência quanto a uns e a concorrência desleal quanto a outros.

  7. A doutrina considera que o trabalhador poderá inclusive, responder pela prática de concorrência desleal e, simultaneamente, pelo incumprimento do pacto de não concorrência, caso este exista.

  8. Assim, se a autora configurou a sua ação na prática de actos de concorrência desleal, não se compreende porque motivo o Tribunal do Trabalho entendeu que quanto aos réus que celebraram pacto de não concorrência não se pode aplicar a responsabilidade civil por factos ilícitos, em concreto actos de concorrência desleal! 10.

    A conduta dos ex-trabalhadores foi de tal forma grave que os réus antes de cessarem os seus contratos, dentro do plano que articularam, contactaram com fornecedores da autora (através de emails juntos aos autos) a quem transmitiram que a partir de novembro de 2017 passariam a trabalhar sobre outro nome, mas que a equipa era a mesma e que tudo se processaria do mesmo modo.

  9. Se o instituto da concorrência desleal não fosse...

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