Acórdão nº 242/22 de Tribunal Constitucional (Port, 31 de Março de 2022

Magistrado ResponsávelCons. António José da Ascensão Ramos
Data da Resolução31 de Março de 2022
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 242/2022

Processo n.º 970/21

2.ª Secção

Relator: Conselheiro António José da Ascensão Ramos

*

Acordam na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional,

I. Relatório

1. A. (de ora em diante A.) interpôs recurso de fiscalização concreta para o Tribunal Constitucional ao abrigo do artigo 70.º, n.º 1, alínea b) da Lei n.º 28/82 de 15.09 (LTC) do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 14.07.2021 a fls. 641-664.

2. Os presentes autos têm origem na ação declarativa de condenação proposta por B. contra A. no Tribunal do juízo do Trabalho de Matosinhos da comarca do Porto. O Tribunal julgou a acção parcialmente procedente, decidindo (fls. 311v):

1. ser de aplicar uma regra pro rata temporis (ou regra de três simples pura) no apuramento de parte da pensão do CNP a entregar à ré, com respeito aos descontos efetuados pelo autor enquanto trabalhador bancário;

2. condenar a ré a reconhecer ao autor o direito a receber a pensão completa do CNP, deduzido do valor referente à percentagem de 27,27%, correspondente a 2 anos, 4 meses e 21 dias (o qual, em 2019, se cifrava em 41,36€);

3. condenar a ré a pagar ao autor todos os montantes retidos em excesso e que não respeitavam a regra descrita no ponto 1, desde a instauração da presente ação até ao trânsito em julgado desta sentença, acrescida dos respetivos juros de mora, a liquidar posteriormente.”

3. Desta decisão A. interpôs recurso para o Tribunal da Relação do Porto que, por acórdão de 22.03.2021, negou provimento ao recurso, confirmando integralmente a sentença em 1.ª instância.

Ainda inconformada, A. interpôs recurso para o Supremo Tribunal de Justiça que, pelo acórdão de 14.07.2021 supra citado e ora recorrido, negou provimento à revista.

4. O recurso para fiscalização concreta desta última decisão que acima relatámos foi interposto nos seguintes termos:

“notificada do douto Acórdão proferido nestes autos, que negou provimento à Revista, mas com ele não se conformando, vem do mesmo interpor recurso para o Tribunal Constitucional, nos termos e ao abrigo do disposto nos artigos 280.º, n.º 1, alínea b) da Constituição da República Portuguesa e dos artigos 70.º, n.º 1, alínea b), 71.º, 12º, n.º 1, alínea b), 75.º, e 75.º-A, n.ºs 1 e 2 da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, o qual tem efeito suspensivo nos termos do disposto no artigo 78.º, n.º 4 da mesma Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro.

O Recurso é admissível porquanto:

a) A decisão recorrida aplicou as cláusulas 136.ª do Acordo Coletivo de Trabalho do sector bancário (BTE n.º 3 de 22/01/2011 - data de distribuição: 24/01/2011) e a cláusula 98.ª do Acordo Coletivo de Trabalho do A. (BTE n.º 8, de 28/2/2017) que a veio substituir, cuja inconstitucionalidade, na interpretação dada pelo Tribunal de 1.ª instância e acolhida pelo Tribunal da Relação do Porto e pelo Supremo Tribunal de Justiça, foi suscitada pela ora Recorrente no ponto III (pág.ª 16 e ss) e nas conclusões 23 a 26 (pág.ª 22) do recurso de Apelação e no ponto IV (pág.ª 25 e ss) e nas conclusões 26 a 29 (pág.ª 31) do recurso de Revista e pretende ver apreciada por esse Venerando Tribunal Constitucional;

b) A decisão recorrida não é passível de recurso ordinário.

Decidindo como decidiu, o douto Acórdão acolheu interpretação das citadas cláusulas 136.ª e 94.1\ que viola o disposto no artigo 63.º, n.º 4 da Constituição da República Portuguesa.

O que está em causa nestes autos é a interpretação dos n.ºs 1 e 2 das citadas cláusulas 136.ª do Acordo Coletivo de Trabalho do sector bancário (BTE n.º 3 de 22/01/2011 - data de distribuição: 24/01/2011) e a cláusula 98,a do Acordo Coletivo de Trabalho do A. (BTE n.º 8, de 28/2/2017) que a veio substituir, quando, como sucede com a Recorrida, a pensão a pagar pela Segurança Social considera, além do tempo de serviço no Banco, também tempo de serviço extra-banco.

Recorde-se a redação daquelas cláusulas:

"Cláusula 136.º

Âmbito

1. As Instituições de Crédito, por si ou por serviços sociais privativos já existentes, continuarão a garantir os benefícios constantes desta Secção aos respectivos trabalhadores, bem como aos demais titulares das pensões e subsídios nela previstos. Porém, nos casos em que benefícios da mesma natureza sejam atribuídos por Instituições ou Serviços de Segurança Social a trabalhadores que sejam beneficiários dessas Instituições ou seus familiares, apenas será garantida, pelas Instituições de Crédito, a diferença entre o valor desses benefícios e o dos previstos neste Acordo.

2. Para efeitos da segunda parte do número anterior, apenas serão considerados os benefícios decorrentes de contribuições para Instituições ou Serviços de Segurança Social com fundamento na prestação de serviço que seja contado na antiguidade do trabalhador nos termos das Cláusulas 17.º e 143.ª.

3. As Instituições adiantarão aos trabalhadores abrangidos pelo Regime Geral da Segurança Social as mensalidades a que por este Acordo tiverem direito, entregando estes à Instituição a totalidade das quantias que receberem dos serviços de Segurança Social a título de benefícios da mesma natureza."

(bold e sublinhado nossos)

E:

"Cláusula 98.º

Garantia de benefícios e articulação de regimes

1. As instituições subscritoras garantem os benefícios constantes da presente secção aos trabalhadores referidos no número 3 da cláusula 96", bem como aos demais titulares das pensões e subsídios nela previstos. Porém, nos casos em que benefícios da mesma natureza sejam atribuídos por instituições ou serviços de Segurança Social a trabalhadores que sejam beneficiários dessas instituições ou seus familiares, apenas é garantida pelas instituições de crédito a diferença entre o valor desses benefícios e o dos previstos nesta secção.

2. Para efeitos da segunda parte do número anterior, apenas são considerados os benefícios decorrentes de contribuições para instituições ou serviços de Segurança Social com fundamento na prestação de serviço que seja contado na antiguidade do trabalhador nos termos da cláusula 107."

3. Os trabalhadores ou os seus familiares devem requerer o pagamento dos benefícios a que se refere o número 1 da presente cláusula junto das respectivas instituições ou serviços de Segurança Social a partir do momento em que reúnam condições para o efeito sem qualquer penalização e informar, de imediato, as instituições de crédito logo que lhes seja comunicada a sua atribuição, juntando cópia dessa comunicação.

(...)"

(bold e sublinhado nossos)

Está, pois, em causa saber como se apura a "pensão de abate", que é a parte da pensão que o Centro Nacional de Pensões paga ao Recorrido, que respeita ao tempo de serviço no Banco e que este, ao abrigo das citadas cláusulas convencionais, deve abater à pensão que paga ao Recorrido.

Considerando que a pensão de velhice paga pela Segurança Social é calculada de acordo com o previsto no artigo 28.º do Decreto-Lei n.º 187/2007, de 10 de maio, que atende à remuneração de referência e ao número de anos de serviço, ao submeter-se o cálculo da "pensão de abate" a uma "regra de três simples" que reparte o benefício exclusivamente em função do tempo, como interpreta o douto Acórdão recorrido, está-se, inevitavelmente, a transferir para o pensionista parte do benefício que o Banco deve abater à mensalidade que está obrigado a pagar, potenciando, ilegalmente, em afronta àquele comando constitucional e à custa do Banco, o benefício que o pensionista teria a receber se isoladamente lhe fosse considerada apenas a carreira contributiva extra-banco.

O efeito de tal interpretação é, efetivamente, a violação do preceito constitucional vertido no artigo 63.º, n.º 4 da Constituição da República Portuguesa que determina que "Todo o tempo de trabalho contribui, nos termos da lei, para o cálculo das pensões de velhice e invalidez, independentemente do setor de atividade em que tiver sido prestado”.

A interpretação da cláusula 136.ª do ACT do sector bancário e da cláusula 98.ª do ACT do A., acolhida no douto Acórdão recorrido é, assim, materialmente inconstitucional por violação do artigo 63.º, n.º 4 da Constituição.

Como bem assinala o PROFESSOR DOUTOR BERNARDO LOBO XAVIER, no douto Parecer de Direito junto aos autos (pág.ª 50):

"Afastados esses aspectos constitucionais das alegações dos trabalhadores, por não terem sido relevantes para o STJ, como a invocação dos princípios de igualdade e da confiança, não é sustentável dizer-se, como no acórdão do Supremo aqui analisado se chega a sugerir, que a posição da Instituição se não conforma com o art. 63º, 4, da Const.. De facto, a invocação, que tem surgido na posição dos trabalhadores e até na argumentação judicial, do art. 63.º, 4, da Const., que só assim seria respeitado, é em absoluto irrelevante. Na verdade, não se vê em ambas as interpretações como qualquer tempo, na Banca e fora da Banca, deixe de contribuir para a reforma. O tempo conta sempre e proporcionalmente quando se considera a carreira contributiva, que é expressa em descontos. Ultrapassa-se a Constituição quando se entende que o n.º 4 do art. 63.º da Lei Fundamental exige que as normas sobre a coordenação das pensões sejam interpretadas no sentido de só ser ponderado o tempo da carreira contributiva, mas não o volume das contribuições descontadas e pagas . Como é fácil de verificar, tal preceito apenas se refere à necessária contagem de todos os tempos de serviço e, no caso da Consulente, para esse cômputo consideraram-se as fórmulas legais, que têm como fatores as percentagens decorrentes do tempo de serviço e o volume das remunerações registadas."

(sublinhado nosso)

A repartição que considere os "(...) benefícios decorrentes de contribuições para instituições ou serviços de segurança social (...)" como preveem as...

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