Acórdão nº 230/22 de Tribunal Constitucional (Port, 31 de Março de 2022

Magistrado ResponsávelCons. José Eduardo Figueiredo Dias
Data da Resolução31 de Março de 2022
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 230/2022

Processo n.º 1193/2021

2.ª Secção

Relator: Conselheiro José Eduardo Figueiredo Dias

Acordam, em conferência, na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional

I – Relatório

1. Nos presentes autos, vindos do Supremo Tribunal de Justiça, A. interpôs recurso para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do artigo 70.º, n.º 1, alínea b), da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro (Lei da Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional, doravante designada por LTC), do acórdão prolatado por aquele Tribunal, em 14 de setembro de 2021, que negou revista ao acórdão do Tribunal da Relação de Évora, de 11 de fevereiro de 2021. Este Tribunal, por acórdão de 11 de fevereiro de 2021, julgou parcialmente procedente o recurso da decisão da primeira instância (Tribunal Judicial da Comarca de Santarém – Juízo de Competência Genérica do Entroncamento – Juiz 1), de 9 de julho de 2020, que concluiu pela inutilidade superveniente da lide – e consequente extinção da instância – quanto à cessação do contrato de arrendamento e restituição do imóvel, por satisfação extrajudicial dos pedidos, julgando a ação parcialmente procedente, com a condenação solidária das Rés no pagamento aos autores de € 3.310,00 referentes a rendas e juros de mora. Na decisão da apelação, o Tribunal da Relação de Évora julgou a mesma procedente apenas no tocante ao valor das rendas a pagar pelas rés, reduzindo-o de € 3.310,00 para € 2.660,00.

2. Pela Decisão Sumária n.º 62/2022, decidiu-se, nos termos do disposto no artigo 78.º-A, n.º 1, da LTC, não conhecer do objeto do recurso interposto, pelos seguintes motivos:

«4. Seguindo a ordem dos pressupostos de admissibilidade do recurso, previsto na alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC, elencados no ponto anterior, sobressaem desde logo as dificuldades em discernir a existência de um objeto normativo – norma ou interpretação normativa – como alvo de apreciação deste Tribunal.

Na verdade, a recorrente erige como objeto do recurso a interpretação, extraída dos artigos 1084.º, n.º 2, do Código Civil (CC) e 14.º, n.º 1, do Novo Regime do Arrendamento Urbano (NRAU), segundo os quais o procedimento especial de despejo constitui um meio processual alternativo em relação à ação declarativa de despejo, sob a forma de processo comum. Ora, do enunciado da questão de constitucionalidade constata-se, desde logo, que o mesmo não tem correspondência na literalidade dos preceitos selecionados pela ora recorrente como seu suporte legal, não se consubstanciando, em rigor, num sentido interpretativo dos mesmos extraível.

De facto, o artigo 1084.º, n.º 2, do CC, sob a epígrafe “Modo de operar” dispõe, no seu n.º 2, que «A resolução pelo senhorio quando fundada em causa prevista nos n.ºs 3 e 4 do artigo anterior bem como a resolução pelo arrendatário operam por comunicação à contraparte onde fundamentadamente se invoque a obrigação incumprida». O artigo 14.º, n.º 1, do NRAU, pelo seu lado, estabelece: «A ação de despejo destina-se a fazer cessar a situação jurídica do arrendamento sempre que a lei imponha o recurso à via judicial para promover tal cessação e segue a forma de processo comum declarativo.»

Verifica-se, nestes termos, uma falta de correspondência entre o enunciado apresentado e o teor literal dos preceitos legais invocados, sendo que a incongruência entre a base legal e o enunciado que, da mesma a recorrente extrai, gera a inidoneidade do objeto do recurso, porquanto constitui um elemento essencial integrante desse objeto.

Como se pode ler no Acórdão n.º 175/06 deste Tribunal Constitucional (disponível em www.tribunalconstitucional.pt ) «[a] indicação do concreto preceito legal sob cuja veste a norma aparece no nosso sistema jurídico é elemento essencial para o conhecimento da questão de constitucionalidade, (…) em virtude de, no nosso sistema de fiscalização concreta de constitucionalidade, apenas poderem constituir objeto do recurso normas jurídicas que estejam recortadas em disposições ou preceitos que resultem do exercício de um poder normativo (conceito funcional de norma)». Ainda nas palavras do mesmo aresto a «identificação da base legal à qual se imputa a norma cuja constitucionalidade se pretende ver apreciada é, pois, um momento insuprível do controlo de constitucionalidade, na medida em que importa saber se essa base legal elegida para a fiscalização de constitucionalidade se apresenta como idónea a suportar esse sentido (…)».

A respeito da exigência de uma conexão mínima entre o enunciado interpretativo sindicado e o preceito legal (ou preceitos legais) selecionado(s) pelo recorrente como respetiva fonte normativa é ainda de convocar o Acórdão n.º 106/99, no qual se afirmou o seguinte:

«(…) só pode apresentar-se como sendo interpretação de uma determinada norma jurídica, mesmo quando ela seja lida conjugadamente com outra ou outras normas jurídicas, um sentido que seja referível ao seu teor verbal: é que, o intérprete não pode considerar "o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso" e deve presumir "que o legislador [...] soube exprimir o seu pensamento em termos adequados" (cf. artigo 9º, nºs 2 e 3, do Código Civil).

A este propósito, escreveu-se no acórdão nº 367/94, publicado no Diário da República, II série, de 7 de setembro de 1994, o seguinte:

Ao suscitar-se a questão de inconstitucionalidade pode questionar-se todo um preceito legal, apenas parte dele ou tão-só uma interpretação que do mesmo se faça.

Como toda a interpretação tem que ter na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente...

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