Acórdão nº 9629/20.0T8LSB-A.L1-4 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 23 de Março de 2022

Magistrado ResponsávelSÉRGIO ALMEIDA
Data da Resolução23 de Março de 2022
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Decisão Texto Parcial:


Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Lisboa Exequente, embargada e recorrente: AAA Embargante, Executada: BBB Tendo sido instaurada ação executiva, a executada BBB veio embargar, alegando que pagou a quantia exequenda, que consta no acordo judicial, quantia que é menor que o valor acordado, porquanto teve de proceder ao seu pagamento fazer recair os devidos impostos sobre ela. Nessa medida, tendo ficado acordado o pagamento de € 20.000, procedeu ao pagamento da quantia de € 10.722,96, posto que o remanescente da quantia em dívida até perfazer os € 20.000 são devidos a título de impostos. Nada dizendo o acordo sobre a natureza líquida do valor a pagar não pode eximir-se ao pagamento dos impostos que sobre tal montante recaem.

A exequente opôs-se, defendendo a improcedência dos embargos e referindo que, não obstante a condenação judicial se referir a um valor que não diz ser liquido, sempre foi isso o acordado entre as partes, e as negociações havidas e o espírito do acordo foram de igual modo nesse sentido. E pediu a condenação da executada por litigância de má fé.

A embargante respondeu a este pedido mantendo a sua posição, designadamente quanto à natureza ilíquida da compensação acordada.

Em saneador sentença o Tribunal julgou os embargos totalmente procedentes, declarou extinta a execução e absolveu a embargante da ação executiva.

* Inconformada, a embargada recorreu, concluindo: 1. Na acção é discutida a interpretação a dar ao n.º 1 da transação que está na base do título executivo, quanto a saber se o valor indicado é líquido ou ilíquido.

  1. A razão da pretensão da Recorrente, que defende que o valor em causa deve ser líquido, prende-se não tanto com a interpretação do texto, tal como foi vertido para o acordo transacional, mas por via do que foi o conteúdo das negociações que antecederam e plasmaram o referido acordo.

  2. Assim, a Recorrente juntou prova documental e indicou prova testemunhal a produzir em audiência de julgamento, tendente a comprovar que, não apenas o sentido dado pela Recorrente do valor indicado era que o mesmo era líquido, mas que este sentido era perfeitamente conhecido da Recorrida e que esta aceitou pagar o valor líquido, bem sabendo que, não fosse essa a circunstância, não haveria qualquer acordo.

  3. Aplicam-se as regras gerais, designadamente os art.º 236.º e seguintes do C.C.

  4. Dispõe o art.º 236.º/2 que “Sempre que o declaratário conheça a vontade real do declarante, é de acordo com ela que vale a declaração emitida”.

  5. O legislador valorizou a vontade real das partes, que se sobrepõe, dentro de determinados limites, à redação que tenha sido utilizado, prevalecendo aquela sobre qualquer interpretação que o texto possa suscitar.

  6. No caso vertente, a Recorrente fundou a sua interpretação na vontade real das partes – sendo esta a base da pretensão por si deduzida na execução e reiterada na resposta aos embargos.

  7. Qualquer decisão a proferir implica o conhecimento de factos relacionados com a negociação tal como alegados pela Recorrente, pelo que a questão não pode ser subsumida a uma mera de questão de direito, relacionada com a interpretação da cláusula em causa com recurso exclusivo a uma hermenêutica abstrata, antes implicando necessariamente um juízo fáctico referido à matéria alegada pela Recorrente – o qual implica a produção de prova.

  8. Na douta sentença recorrida, a Meritíssima Juíza a quo limitou-se a levar a cabo uma interpretação da cláusula em causa fundada na metodologia do declaratório normal, em linha com o disposto no artigo 236.º/1 do C.C.

  9. Não atendeu minimamente à questão relacionada com a vontade real das partes, tal como colocada pela Recorrente.

  10. Nesse contexto, a Recorrente viu uma questão por si colocada, por sinal fundamental para a sua posição de fundo, não ser apreciada pelo julgador.

  11. Entende-se que esta omissão por parte da Juiz a quo configura nulidade de sentença, por não ter havido “pronuncia sobre questões que devesse apreciar”.

  12. A benefício da argumentação, imagine-se que, em sede de audiência, a Recorrida viesse a confessar totalmente os factos ou viesse a ser produzida prova retumbante que pudesse conduzir à prova dos factos alegados pela Recorrente; tal implicaria necessariamente decisão de mérito diferente da que foi proferida, o que bem evidencia que a sentença não deveria ter sido proferida sem julgamento, mas também a nulidade que a mesma padece, por se ter abstido de conhecer aspecto fundamental controvertido.

  13. Atento o exposto, a decisão violou o art.º 608.º/2 do CPC e é nula, nos ter-mos do art.º 615/1/d do CPC, devendo, concomitantemente, ser revogada, ordenando-se a devolução dos autos ao Tribunal a quo, tendo em vista a realização de julgamento e a produção de prova, a fim de habilitar o Tribunal a pronunciar-se sobre a totalidade das questões colocadas pelas partes, nomeadamente a relativa à vontade real das partes subjacente à transação efectuada, tal como foi alegada pela Recorrente.

Remata pedindo a procedência do recurso e, em consequência, a revogação da sentença recorrida, ordenando-se a devolução dos autos ao Tribunal a quo, tendo em vista a realização de julgamento e a produção de prova, a fim de habilitar o Tribunal a pronunciar-se sobre a totalidade das questões colocadas pelas partes, nomeadamente a relativa à vontade real das partes subjacente à transação efectuada, tal como a mesma foi alegada pela Recorrente.

* A embargante contra-alegou, pediu a improcedência do recurso e concluiu:

  1. Pelo presente Recurso pretende a Embargada que seja reconhecida a nulidade da sentença e que esta seja revogada, ordenando-se a devolução dos autos ao Tribunal a quo com vista à realização de julgamento e à produção de prova, a fim de o habilitar a pronunciar-se sobre a vontade real das partes subjacente à transação efetuada.

  2. Os fundamentos do recurso não correspondem à realidade dos factos, sendo uma tentativa de simular e distorcer a realidade factual que, de modo correto, foi interpretada pelo Tribunal, pelo que não devem merecer acolhimento nestes autos pelo Tribunal ad quem.

  3. Face à factualidade apurada, o Tribunal a quo pronunciou-se sobre todos os factos relevantes para a decisão da causa, concretamente, (i) se o pagamento da quantia acordada pelas partes a título de compensação pecuniária de natureza global pela cessação do contrato de trabalho implicava o recebimento pela Apelante de uma quantia líquida e (ii) se devia ser apurada a vontade real das partes relativamente a esse pagamento, subjacente à transação efetuada; D) Tendo a Mmª Juiz a quo concluído pela natureza ilíquida do valor a pagar, o que fundamentou na circunstância de, não tendo as partes acautelado que a quantia a pagar era líquida, nem que se encontrava a coberto de isenção fiscal, “não pode a embargante deixar de proceder ao pagamento dos deveres fiscais e de segurança...

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