Acórdão nº 0162/17.8BALSB de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 24 de Março de 2022

Magistrado ResponsávelCLÁUDIO RAMOS MONTEIRO
Data da Resolução24 de Março de 2022
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

ACORDAM NO PLENO DA SECÇÃO DO CONTENCIOSO ADMINISTRATIVO DO SUPREMO TRIBUNAL ADMINISTRATIVO I. Relatório 1.

A………… – identificada nos autos – recorreu para o Pleno da Secção do Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo, nos termos do artigo 25º, n.º 1, alínea a), do ETAF, do acórdão proferido em conferência na referida Secção, em 18 de fevereiro de 2021, que julgou totalmente improcedente a ação que intentara contra o CONSELHO SUPERIOR DO MINISTÉRIO PÚBLICO (CSMP), absolvendo-o do pedido, relativo à anulação da decisão da Secção Disciplinar do CSMP, de 27 de setembro de 2016, que lhe aplicara «a pena de inatividade de um ano, cumulada com a pena de transferência, logo que terminado o período de inatividade…» bem como da deliberação, por acórdão do Plenário do CSMP, de 24 de janeiro de 2017, que, confirmou a deliberação do acórdão da Secção Disciplinar, que lhe aplicara essas penas disciplinares, e, procedendo ainda ao cúmulo jurídico destas penas disciplinares «com aquela outra que lhe foi aplicada no processo nº ......... – RMP – PD, [decidiu] aplicar-lhe a pena disciplinar de inatividade por um ano e seis meses, cumulada com a pena de transferência …» 2.

Nas suas alegações, a Recorrente formulou as seguintes conclusões: «1.º O presente recurso jurisdicional foi interposto contra o acórdão de 18 de Fevereiro de 2021, que julgou totalmente improcedente a acção de impugnação da decisão do Plenário do Conselho Superior do Ministério Público (CSMP) que, em sede de reclamação e em cúmulo jurídico, aumentou a pena disciplinar de um ano de inactividade aplicada pela Secção para a pena de um ano e cinco meses de inactividade.

  1. O aresto em recurso enferma de nulidade por omissão de pronúncia prevista na alínea d) do n.º 1 do art.º 615º do CPC, uma vez que deixou de se pronunciar sobre a questão do erro nos pressupostos decorrente de haver uma impossibilidade fáctica de um magistrado que passava sete horas diárias em sessão e tinha a seu cargo uma filha menor despachar o volume processual que lhe fora atribuído, assim como sobre a questão do erro nos pressupostos resultante de para efeitos de cúmulo e de aplicação de uma só pena se ter considerado que a arguida praticara seis infracções e não apenas uma infracção continuada (e o tribunal a quo até considerou que em causa estava uma infracção continuada).

  2. O aresto em recurso incorreu ainda na nulidade prevista na alínea b) do n° 1 do art° 615° do CPC por não ter especificado os fundamentos de facto que justificam a decisão alcançada, uma vez que para que pudesse concluir pela legalidade do acto impugnado e pela improcedência do vício de violação do princípio da presunção da inocência era absolutamente essencial que, no mínimo, tivesse dado por provado quais os atrasos imputados à arguida e ainda qualquer outro facto que permitisse concluir que esses mesmos atrasos eram censuráveis, designadamente que o volume processual que lhe fora atribuído era o volume processual que um magistrado normalmente diligente colocado na sua situação teria conseguido despachar.

    Por outro lado, 4.° O aresto em recurso incorreu em erro de julgamento ao ter considerado improcedente o vício de violação do princípio constitucional da presunção da inocência, uma vez que, não tendo especificado nem dado por provado um só facto que comprovasse quais os valores processuais de referência ou, pelo menos, qual o número de processos que um magistrado normalmente diligente teria ou conseguiria de despachar diariamente, não possuía base factual que lhe permitisse afastar a presunção de inocência de que a arguida beneficiava e considerar que a simples existência de atrasos processuais constituía um acto culposo e censurável, sobretudo quando a própria arguida alegara que tais atrasos se deviam a um volume processual excessivo para quem passava sete horas diárias em sessão e tinha uma filha menor a seu cargo e a própria entidade demanda reconheceu que “os valores de referência processual” ainda estavam em estudo.

  3. Na verdade, só se pode afastar a presunção de inocência constitucionalmente reconhecida quando houver uma certeza preponderante sobre a sua culpabilidade (v. AUGUSTO OLIVEIRA e ALBERTO ESTEVES REMÉDIO, Sobre o direito disciplinar da Função Pública. Estudos em Homenagem a Cunha Rodrigues, 2001, Vol.2, pág. 641), pelo que, sabendo-se que a simples existência de atrasos processuais não significa por si só que haja uma infracção disciplinar e que a negligência pressupõe um tertium comparationis, muito naturalmente o aresto em recurso só poderia considerar legal a decisão punitiva se e na medida em que se soubesse e estivesse minimamente comprovado que o volume processual atribuído à arguida não era excessivo e que um magistrado normalmente diligente que estivesse colocado na posição da arguida não teria incorrido e tais atrasos processuais.

  4. Contudo, não só a entidade demandada reconheceu que os valores processuais de referência ainda se encontravam em estudo, como o Tribunal a quo nem sequer deu por provado que o volume processual atribuído à arguida era o normal para um magistrado do Ministério Público normalmente diligente despachar atempadamente, pelo que o aresto em recurso baseou-se exclusivamente na existência de atrasos ao longo dos tempos sem sequer curar da razão de tais atrasos, deixando funcionar uma presunção de culpa - há atrasos, logo há culpa - em vez de presunção da inocência que constitucionalmente estava vinculado a respeitar e fazer cumprir.

    Acresce que, 7.° Ao julgar improcedente o vício de violação de lei por erro nos pressupostos de facto, o aresto em recurso incorreu em erro de julgamento, violando frontalmente o direito fundamental à tutela judicial efectiva e o princípio da igualdade das partes, consagrados no art.º 268.º/4 da Constituição e no art.º 6.º do CPTA.

  5. Com efeito, o vício de violação de lei por erro nos pressupostos fundamentava-se na alegação de que os atrasos processuais verificados eram apenas fruto da sucessiva atribuição de um volume processual excessivo à arguida, que a impossibilitava, a ela e a um magistrado normalmente diligente, de despachar atempadamente todos os processos atribuídos.

  6. Contudo, ao arrepio das mais elementares garantias inerentes ao direito fundamental à tutela judicial efectiva - que asseguram um processo paritário e com amplas possibilidades de defesa e obriga o Tribunal a controlar a materialidade dos pressupostos de facto em que se baseou a decisão punitiva -, o Tribunal a quo não abriu um período de prova destinado a comprovar a existência ou não existência de um volume processual excessivo e depois decide que os atrasos processuais são censuráveis por constar do processo administrativo que anteriormente já haviam sido efectuados alertas e avisos à arguida.

  7. Ora, não só processo administrativo não tem força probatória plena como, em qualquer dos casos, a circunstância de haver atrasos processuais e alertas anteriormente efectuados não comprova minimamente que haja um volume processual normal atribuído e consequente negligência da arguida, pelo que o aresto em recurso atentou frontalmente contra o direito fundamental à tutela judicial efectiva quando decide haver culpa da arguida e julgar improcedente o vício de violação de lei por erro nos pressupostos sem permitir comprovara e sem que estivesse comprovado o facto que era absolutamente essencial para concluir pela culpabilidade e...

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