Acórdão nº 249/21.2T8STR.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 24 de Março de 2022

Magistrado ResponsávelM
Data da Resolução24 de Março de 2022
EmissorTribunal da Relação de Évora

Sumário: (…) Acordam os Juízes da 2.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora: No Juízo Local Cível de Santarém, a Digna Magistrada do Ministério Público instaurou acção especial de acompanhamento de maior, com pedido de nomeação provisória de acompanhante, relativamente a (…), nascida em 23-06-1967.

Requereu o acompanhamento daquela, com aplicação das seguintes medidas, a rever com periodicidade de 3 anos: Ser aplicado o regime da representação especial, devendo ser substituída pelo acompanhante: a) No consentimento para tratamento/internamento médico urgente, em caso de descompensação aguda grave clinicamente verificada, consentimento este que, em todo o caso, carecerá da validação judicial a que alude o artigo 148.º do Código Civil; b) Perante instituições públicas designadamente na Segurança Social, Registos Civil e Predial e Autoridade Tributária; Ser aplicado o regime da Administração total de bens e em consequência: i) Todos os actos de disposição e administração extraordinária e ordinária da acompanhada caberão ao acompanhante, sem prejuízo deste poder conceder autorização prévia ao beneficiário para a celebração de contratos que impliquem concessão de crédito ou contracção de dívidas, movimentação de contas bancárias e gestão de aplicações financeiras; Serem limitados os direitos pessoais de: i) De testar; ii) De ser tutor, vogal do conselho de família e administrador de bens de incapazes; iii) Quaisquer outros que se venham a revelar necessários em função das necessidades que vierem a ser apuradas após a realização das diligências requeridas, designadamente do exame a solicitar ao IML, tais como, prestação de consentimento para tratamento e internamento urgentes em caso de descompensação aguda verificada clinicamente e dependente de validação judicial, fixar domicílio e residência sem consentimento do acompanhante e restrição do exercício da condução de veículos automóveis.

Não foi possível a citação pessoal da beneficiária, por estar impossibilitada de a receber.

Foi nomeada Ilustre Defensora à beneficiária, a qual apresentou contestação, sustentando que o diagnóstico de transtorno bipolar não lhe retira capacidade para decidir a sua própria vida e gerir a mesma sem recurso a um terceiro. Mais disse estar estabilizada, tomar a medicação, não ser agressiva, não ter gastos desnecessários, ter sido bancária durante vários anos, saber gerir o seu dinheiro e ter contraído empréstimos para equilibrar as suas contas, uma vez que ajudou a família, sendo seu desejo voltar à sua vida independente e viver sozinha sem pressões dos seus familiares.

Realizou-se exame pericial de psiquiatria forense e, produzido o respectivo relatório, foram solicitados esclarecimentos à perita médica psiquiatra que o realizou.

Procedeu-se à audição da Requerida e inquiriram-se as testemunhas arroladas.

A sentença julgou a acção procedente e proferiu o seguinte dispositivo: a) “decreto o acompanhamento de (…); b) declaro que a beneficiária não pode exercer livremente os direitos de testar, casar, constituir situações de união, fixar domicílio e residência e deslocar-se para o estrangeiro, carecendo de autorização do acompanhante para o efeito; c) designo como acompanhante da beneficiária, (…), cometendo-lhe as seguintes funções: - assistir a beneficiária nos actos de alienação, disposição, oneração e administração de todos os seus bens, autorizando-a a praticar tais actos; - assistir a beneficiária na contracção de empréstimos, autorizando-a a praticar tais actos; - representar a beneficiária junto de instituições públicas, designadamente Segurança Social, Registos Civil e Predial e Autoridade Tributária, quando seja necessário praticar actos relacionados com os actos supra; - movimentar a(s) conta(s) bancária(s) da beneficiária, procedendo ao pagamento das suas despesas correntes e assegurando que, após tal pagamento, lhe seja disponibilizado o valor que exceder entre 10% a 15% do montante da sua pensão, com o mínimo de € 300,00, sendo o remanescente reservado para constituir uma poupança; - autorizar a beneficiária a movimentar a(s) sua(s) conta(s) bancária(s); - supervisionar a frequência de consultas pela beneficiária e o cumprimento do esquema terapêutico prescrito; - em lugar da beneficiária, aceitar ou recusar os tratamentos medicamente indicados e propostos pelo médico psiquiatra que a acompanhar, bem como substituir a sua vontade na prestação de consentimento para internamento em caso de descompensação aguda, que deverá ser atestada por dois médicos psiquiatras e comunicada ao tribunal em 48 horas; d) designo como acompanhante substituta (…); e) fixo como data desde a qual as medidas de acompanhamento agora definidas se tornaram convenientes 31/12/2016; f) nomeio para integrarem o conselho de família … (protutor) e … (vogal); g) consigno não haver em nome da beneficiária registo de testamento vital ou procuração para cuidados de saúde; h) determino a revisão da presente decisão no prazo de 2 anos.” Inconformada, a beneficiária recorre e apresenta as seguintes conclusões: 1. Vem o presente recurso interposto da sentença que decidiu julgar a acção provada e Procedente.

  1. Na área da psiquiatria é afirmado que é possível levar uma vida normal e bastante produtiva mesmo com o transtorno bipolar, sendo o tratamento feito correctamente, em todos os seus aspectos, o que no caso da beneficiária está a acontecer.

  2. A beneficiária encontra-se estabilizada estando a tomar a medicação devida tal como fora dito pelos seus familiares e perita médica.

  3. A toma da injecção é feita devidamente, tendo a beneficiária dito em audiência que finalmente encontrou a medicação certa que a deixa bem, que até à data todas as medicações prescritas a tinham deixado mal.

  4. Infelizmente relatos iguais se vão ouvindo por quem padece desta doença, encontrar a medicação certa na dose certa é um caminho longo e árduo.

  5. O facto de padecer de doença bipolar por si só não faz com que esteja a beneficiária impossibilitada de gerir a sua vida devidamente e com independência.

  6. Desde que devidamente acompanhada medicamente, que está, pode fazer uma vida perfeitamente normal, possível de constatar isso é proceder a leitura científica acerca da doença que nos evidencia isso mesmo.

  7. O coarctar diversos direitos, designadamente de casar, constituir situações de união, fixar domicílio e residência, são medidas deveras pesadas e desadequadas, com o devido respeito, à situação em questão.

  8. Veja-se a beneficiária foi muitos anos trabalhadora da banca.

  9. Do seu discurso em sede de audiência o mesmo foi claro, esclarecedor, estruturado, respostas concretas e acertadas, apura-se que a beneficiária está bem capaz de tratar da sua vida.

  10. Dívidas infelizmente muitos cidadãos vão contraindo, não é por padecer da doença bipolar que faz com que a beneficiária seja diferente nesse ponto.

  11. Mesmo sem a dita doença muitos são os que vão contraindo empréstimos e não é por isso que estão incapazes, e que devem ser sujeitos a medidas de acompanhamento de terceiro.

  12. Quanto à restrição de liberdade na livre circulação para o estrangeiro, a beneficiária tendo total discernimento, total capacidade intelectual ou volitiva a aplicação desta medida é inconstitucional, a beneficiária não prestou consentimento para tal, aliás como até é referido na sentença, conclui-se esse facto.

  13. Qualquer restrição à sua liberdade está a ferida de inconstitucionalidade.

  14. Quanto à limitação de direitos pessoais de testar, casar e constituir união, fixar domicílio e residência e deslocação para o estrangeiro, não se entende a razão e onde se pode assentar com o devido respeito o tribunal a quo, estando a coarctar direitos de todos os cidadãos previsto na Constituição da República Portuguesa.

  15. Considerando como se considerou pelo douto tribunal que capacidade para perfilhar e adoptar a beneficiária tem não se entende a razão para que a beneficiária veja excluído do seu âmbito o exercício do seu direito de testar, casar e constituir união, fixar domicílio e residência e deslocação para o estrangeiro.

  16. Caso o tribunal considerasse que o perigo existente por parte da beneficiária era tal que lá está seja considerado como necessário não poder casar, juntar-se com um companheiro, acharia que poderia perfilhar e adoptar?? 18. Quanto à necessidade de internamento em caso de surto, a verdade é que foi necessário o seu internamento no ano que passou, momento anterior ao encontro da medicação certa que...

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