Acórdão nº 186/22 de Tribunal Constitucional (Port, 17 de Março de 2022

Magistrado ResponsávelCons. Joana Fernandes Costa
Data da Resolução17 de Março de 2022
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 186/2022

Processo n.º 153/2022

3ª Secção

Relator: Conselheira Joana Fernandes Costa

Acordam, em conferência, na 3ª Secção do Tribunal Constitucional

I. Relatório

1. No âmbito dos presentes autos, vindos do Supremo Tribunal de Justiça, em que é recorrente A. e recorrido o Ministério Público, foram interpostos dois recursos autónomos, ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei do Tribunal Constitucional (doravante, «LTC»), dos acórdãos proferidos por aquele Tribunal em 2 de dezembro de 2021 e em 13 de janeiro de 2022, respetivamente.

2. Através da Decisão Sumária n.º 126/2022, decidiu-se, ao abrigo do disposto no n.º 1 do artigo 78.º-A da LTC, não tomar conhecimento do objeto do recurso.

Tal decisão tem a seguinte fundamentação:

«6. Os recursos de constitucionalidade interpostos nos presentes autos fundam-se na alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC, nos termos da qual cabe recurso para o Tribunal Constitucional «das decisões dos tribunais (…) que apliquem norma cuja inconstitucionalidade haja sido suscitada durante o processo», e incidem sobre os acórdãos proferidos pelo Supremo Tribunal de Justiça em 2 de dezembro de 2021 e em 13 de janeiro de 2022.

7. Através do primeiro recurso interposto para este Tribunal, incidente sobre o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 2 de dezembro de 2021, o recorrente pretende ver reconhecida «a inconstitucionalidade do artigo 411.º, n.º 2 e n.º 3, do C.P.P., quando interpretado no sentido que “A lei só confere efeitos à intenção de recorrer nos casos em que é interposto recurso para a ata de decisão proferida em audiência”, Ou no sentido que, “Interposto recurso oral de um despacho, no qual o Recorrente se considera notificado no dia da audiência de julgamento, tal recurso não confere efeitos suspensivos a decisão”».

A forma como o recorrente delimitou o objeto do recurso é, no mínimo, questionável.

Ao invés de identificar, em termos claros e inequívocos, qual a norma que considera ter sido efetivamente extraída pelo Tribunal a quo do artigo 411.º, n.ºs 2 e 3, do CPP, o recorrente ¾ optou por indicar duas interpretações em alternativa ¾ é o que resulta do emprego da conjunção «ou» ¾ que não constituem, além do mais, verdadeiras alternativas uma da outra: enquanto a primeira diz respeito à decisão que pode ser objeto de recurso através de declaração na ata, a segunda prende-se com o efeito do recurso interposto oralmente sobre decisão que se considere notificada no dia da audiência.

Seja como for, certo é que, para julgar improcedente o recurso interposto do despacho proferido pelo Juiz Presidente do Tribunal Coletivo em 6 de setembro de 2021 (supra, 2.13.), o Supremo Tribunal de Justiça não aplicou os n.ºs 2 e 3 do artigo 411.º do CPP em qualquer dos sentidos impugnados pelo recorrente.

7.1. Nos seus n.ºs 2 e 3, o artigo 411.º do CPP dispõe o seguinte:

«Artigo 411.º

Interposição e notificação do recurso

1 – [...]

2 - O recurso de decisão proferida em audiência pode ser interposto por simples declaração na ata.

3 - O requerimento de interposição do recurso é sempre motivado, sob pena de não admissão do recurso, podendo a motivação, no caso de recurso interposto por declaração na ata, ser apresentada no prazo de 30 dias contados da data da interposição.

[...]»

O n.º 2 do artigo 412.º do mesmo Código estabelece, por sua vez:

«Artigo 414.º

Admissão do recurso

1 – [...]

2 - O recurso não é admitido quando a decisão for irrecorrível, quando for interposto fora de tempo, quando o recorrente não reunir as condições necessárias para recorrer, quando faltar a motivação ou, faltando as conclusões, quando o recorrente não as apresente em 10 dias após ser convidado a fazê-lo.

[...]»

Por fim, importa atentar ainda no artigo 42.º do CPP, que prevê o seguinte:

«Artigo 42.º

Recurso

1 - O despacho em que o juiz se considerar impedido é irrecorrível. Do despacho em que ele não reconhecer impedimento que lhe tenha sido oposto cabe recurso para o tribunal imediatamente superior.

2 - [...]

3 - O recurso tem efeito suspensivo, sem prejuízo de serem levados a cabo, mesmo pelo juiz visado, se tal for indispensável, os atos processuais urgentes.»

Tendo em conta o regime extraível do conjunto dos referidos preceitos, o Supremo Tribunal de Justiça entendeu o seguinte: «uma mera manifestação de vontade prestada pelo arguido [...] aquando do início da audiência de julgamento, de recorrer de uma decisão proferida em momento processual anterior» «sem que tivesse sido apresentada a motivação do respetivo recurso» não «consubstanci[a] a interposição de um recurso», não equivalendo por isso a «um recurso [...] interposto [...] por declaração em ata, cuja motivação poderia ser diferidamente apresentada até 30 dias após essa declaração (art. 411º, nº 2, do Cod. Proc. Penal)»; não consubstanciando um recurso interposto por declaração em ata, aquela «manifestação de vontade deveria ter sido concretizada através de um requerimento de interposição do recurso devidamente motivado»; não o tendo sido, o recurso não é admissível por força do disposto no «art. 414º, nº 2, do Cod. Proc. Penal», ficando «prejudicada a apreciação de saber se lhe deveria ter sido atribuído o efeito suspensivo, nos termos do disposto no art. [42.º], nº 3, do Cod. Proc. Penal».

7.2. Assim sintetizado o essencial do juízo decisório subjacente ao acórdão proferido em 2 de dezembro de 2021, é fácil de verificar que o Supremo Tribunal de Justiça não aplicou os n.ºs 2 e 3 do artigo 411.º do CPP, no sentido de que «[a] lei só confere efeitos à intenção de recorrer nos casos em que é interposto recurso para a ata de decisão proferida em audiência». Com efeito, apesar de ter feito notar que o recorrente manifestara, em sede de audiência de discussão e julgamento, vontade de «recorrer de uma decisão proferida em momento anterior à audiência de julgamento (em 01/09/2021)», não foi nessa anterioridade que o Supremo Tribunal de Justiça que fundou a improcedência do recurso. O que levou o Tribunal a quo a não valorar o ato praticado em sede de audiência de discussão e julgamento foi o facto de o recorrente não ter concretizado a manifestação de vontade de recorrer «através de um requerimento de interposição de recurso devidamente motivado».

Tendo sido esse o fundamento que conduziu à improcedência do recurso interposto pelo ora recorrente, sem dificuldade se verifica que Supremo Tribunal de Justiça também não aplicou os n.ºs 2 e 3 do artigo 411.º do CPP no sentido de que, «interposto recurso oral de um despacho, no qual o Recorrente se considera notificado no dia da audiência de julgamento, tal recurso não confere efeitos suspensivos a decisão”». Tal interpretação pressupõe necessariamente que foi interposto (e admitido) um recurso, premissa que, como se viu, o acórdão recorrido expressamente afastou.

Ambas as interpretações questionadas não integram, pois, a ratio decidendi do acórdão recorrido, o que torna inútil o conhecimento do objeto do recurso.

8. Através do segundo recurso interposto, incidente sobre o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 13 de dezembro de 2021, o recorrente pretende que este Tribunal aprecie «a inconstitucionalidade dos arts. 40.º, al. a) e 379.º, n.º 1, al. c), ambos do Cod. Proc. Penal», interpretados no sentido de que, «[t]endo sido decidido, por acórdão transitado em julgado, que o Juiz presidente do Tribunal coletivo, que iria julgar o arguido, estava impedido de determinar a aplicação ao mesmo da medida de coação de prisão preventiva e, em consequência, revogou esse despacho, não está o Tribunal que aprecia o recurso apresentado do incidente que suscitou o impedimento de juiz obrigado a declarar esse impedimento”; ou no sentido que: Pode o Supremo Tribunal de Justiça, na apreciação de um recurso apresentado pelo arguido sobre o indeferimento do incidente de impedimento do juiz presidente do tribunal que o julgou ignorar um Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação, transitado em julgado, que considerou que esse mesmo juiz aplicou ilegalmente a medida de coação de prisão preventiva”».

8.1. O recorrente optou uma vez mais pela enunciação de duas interpretações alternativas dos mesmos preceitos legais, recuperando as formulações com que procedera à suscitação perante o Supremo Tribunal de Justiça da(s) correspondente(s) questão(ões) de constitucionalidade.

Sem prejuízo de o procedimento uma vez mais adotado ser incompatível com o ónus de delimitação do objeto do recurso, verifica-se que nenhuma das interpretações impugnadas reveste caráter normativo.

Para além de exprimirem as incidências da situação sub judice em termos incompatíveis com as características de generalidade e abstração próprias dos enunciados normativos, as interpretações impugnadas pelo recorrente relevam exclusivamente da crítica de que o recorrente considera merecedora a decisão proferida pelo Supremo Tribunal de Justiça, por não ter valorado, no juízo que alegadamente formulou sobre o impedimento do Juiz Presidente do Coletivo formado em primeira instância, o decidido no Acórdão do Tribunal da Relação proferido em 26 de outubro de 2021.

Sucede que esta discussão não cabe na competência do Tribunal Constitucional.

Por força do caráter estritamente normativo do sistema de fiscalização concreta da constitucionalidade, encontra-se vedada a este Tribunal a apreciação dos concretos atos de julgamento expressos nas decisões dos outros órgãos jurisdicionais, ainda que questionados na perspetiva da sua conformidade a regras e princípios constitucionais (cf. Decisão Sumária n.º 23/2017). Nestes termos, o objeto do recurso é inidóneo, o que obsta ao respetivo julgamento por parte deste Tribunal.

8.2. Ex abundantis , sempre se dirá que as interpretações impugnadas pelo recorrente não integram o fundamento decisório subjacente ao acórdão...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT