Acórdão nº 00949/17.1BEAVR de Tribunal Central Administrativo Norte, 25 de Março de 2022

Magistrado ResponsávelRicardo de Oliveira e Sousa
Data da Resolução25 de Março de 2022
EmissorTribunal Central Administrativo Norte

Acordam, em conferência, os Juízes Desembargadores da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:* * I – RELATÓRIO M..., com os sinais dos autos, vem intentar o presente RECURSO JURISDICIONAL da sentença promanada pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Aveiro no âmbito da presente ação que, em 15.10.2021, julgou totalmente improcedente a presente ação, e, em consequência, absolveu o Réu, aqui Recorrido, MUNICÍPIO (...) do pedido.

Em alegações, a Recorrente formulou as conclusões que ora se reproduzem, que delimitam o objeto do recurso: “(…) A.

Destarte, o acto administrativo de que se recorre e que, por erro de julgamento, o tribunal a quo não anulou, padece de vício de forma, por falta de audiência prévia, anulável nos termos do artigo 135.° do CPA, por violação do n.° 1 do artigo 100.° do CPA.

B.

Apesar de ter considerado a douta sentença do Tribunal a quo que efectivamente “revela-se inequívoco que não foi dada à Autora a oportunidade de se pronunciar, no exercício do direito de audiência prévia, com fornecimento de todos os elementos para o efeito”.

C.

E que “no caso dos autos, entre o momento em que foi concedida a oportunidade à Autora se pronunciar sobre a intenção de determinar a ordem de cessação da utilização das construções em questão e a decisão final foram levados factos ao procedimento - que também constituíram os fundamentos de facto da decisão final - relativamente aos quais a Autora não se pôde pronunciar”.

D. Bem como que “não tendo sido conferida a possibilidade à Autora para se pronunciar sobre os fundamentos da ordenar a cessação da utilização antes de concluídas as diligências instrutórias, mostra-se incumprida a determinação ínsita no art.° 121, n.° 1, do CPA".

E. Estranhamente, decidiu que o acto em apreço não é anulável, com base na teoria da “princípio do aproveitamento do acto", por entender que “não se produz o efeito anulatório quando o conteúdo do ato não possa ser outro, por o ato ser de conteúdo vinculado", assim como que “o Demandado atuou no exercício de poderes vinculados, pelo que não deve ser compelido a tomar actos ou a prosseguir com procedimentos inúteis, sendo de aplicar no caso em análise o princípio do aproveitamento dos actos administrativos e, em consequência, manter na ordem jurídica o acto impugnado tal como proferido".  F.

Contudo, decidir sobre o “princípio do aproveitamento do acto” como base na conclusão de que o acto não poderia ter conteúdo e sentido diverso, exige certezas evidentes quanto a este aspeto, às quais não chegou o Tribunal a quo, no nosso entendimento.

G. Não fundamentando a razão pela qual a única conclusão a tirar de todos os factos carreados para os autos ser a de que a decisão final do Demandado não poderia ser outra, mesmo que tivesse havido audiência prévia.

H. Tendo em conta que, face aos factos dados como provados, e considerando a subsunção dos mesmos ao respectivo enquadramento legal, se impunha uma decisão vinculada à partida.

I.

E, tivesse havido lugar a audiência prévia na altura da emanação do acto, teria a Recorrente tido a oportunidade de esclarecer e provar alguns aspetos contundentes com as edificações em causa e apresentar a documentação alegadamente em falta.

J.

Permitindo, desse modo, influenciar o sentido da decisão final, como é escopo da figura da audiência prévia.

K. Não tendo havido audiência prévia, a Recorrente ficou privada de exercer um direito seu, privação essa que a prejudicou, não podendo desse modo proceder a teoria do “princípio do aproveitamento do acto”.

L.

Com base nestes fundamentos, deverá a sentença recorrida ser revogada, e na sua sequência proceder a anulação do acto de que se recorre, a qual se impõe, nos termos do artigo 135.° do CPA, por violação do n.°1 do artigo 100.° do CPA (…)”.

* Notificado que foi para o efeito, o Recorrido MUNICÍPIO (...) apresentou contra-alegações - as quais integram, a título subsidiário, um pedido de ampliação do objeto do recurso - que rematou da seguinte forma: “(…) 1ª - O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações da Recorrente.

  1. - A Recorrente reduziu o objecto do presente recurso à parte da douta sentença que decidiu não julgar procedente a ação com base no aproveitamento do acto.

  2. - Nos termos da douta sentença o acto seria anulável por violação do direito de audiência prévia.

  3. - O acto impugnado é apenas o acto de 14.03.2017 na parte em que ordenou a cessação da utilização das construções ilegalmente erigidas no prédio pela Recorrente.

  4. - A Recorrente não impugnou o acto na parte respeitante à legalização das construções ilegais.

  5. - O n° 1 do art° 109° do RJUE impõe ao presidente da câmara municipal a cessação de utilização de edifícios quando sejam ocupados sem a necessária autorização de utilização.

  6. - O despacho impugnado foi proferido ao abrigo dessa disposição legal.

  7. - Resulta dos autos que a Recorrente não tem autorização de utilização dessas edificações que foi desordenadamente construindo em zona habitacional e, atenta a utilização que é feita, causa graves prejuízos aos moradores da localidade.

  8. - Face à ausência de autorização de utilização o Recorrido só podia ordenar a cessação dessa utilização. Por esse motivo o despacho recorrido não podia ser outro.

  9. - O n° 5 do art° 163° do CPA prevê as situações em que não se produz o efeito anulatório do acto. É a consagração do princípio do aproveitamento do acto ou da inoperância dos vícios.

  10. - Para que tal aconteça é necessário apurar, no caso concreto, se o cumprimento do vício que levaria à anulação do acto tinha a possibilidade de alterar a decisão proferida.

  11. - No caso concreto tal possibilidade não existia, como bem refere a douta sentença recorrida.

    Ampliação do âmbito do recurso 13ª - Verificam-se os pressupostos do n° 1 do art° 636° do CPC (aplicável face ao disposto no art° 1° do CPA). A douta sentença recorrida considerou ter havido violação do direito de audiência prévia. Tal invalidade não operou face ao aproveitamento do ac to. No entanto, se tal aproveitamento do acto não vier a ser julgado procedente, o Recorrido requer que seja apreciada a questão da violação do direito de audiência prévia que foi julgado existir.

  12. - Com o devido respeito, o Recorrido considera que foi concedido à Recorrente a audiência prévia; foi-lhe conferida a possibilidade de se pronunciar sobre os fundamentos da proposta de decisão de ordenar a cessação da utilização.

  13. - A concessão dessa audiência prévia resulta dos factos provados sob os n°s 7, 8, 10, 18 e 19 da douta sentença.

  14. - Do despacho proferido e impugnado fazem parte duas questões autónomas: - uma é a cessação da utilização das edificações construídas ilegalmente - outra é a reposição da legalidade urbanística através da apresentação dos projetos e demais elementos.

  15. A Recorrente apenas impugnou nesta ação o despacho de 14.03.2017 na parte que integra o acto administrativo que ordenou a cessação da utilização das construções ilegalmente erigidas.

  16. - E é apenas em relação a esse acto assim delimitado que deve ser apreciado se foi concedido à Recorrente a audiência prévia.

  17. - Como resulta dos factos provados foi concedido à Recorrente o prazo de 15 dias úteis para se pronunciar sobre a proposta de decisão de cessação da utilização das edificações construídas ilegalmente (…)”.

    *O Tribunal a quo proferiu despacho de admissão do recurso, fixando os seus efeitos e o modo de subida.

    *O/A Digno[a] Magistrado[a] do Ministério Público junto deste Tribunal Superior emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso, conforme se alcança de fls. 320 e seguintes dos autos [suporte digital], cujo teor se dá por integralmente reproduzido.

    *Com dispensa de vistos prévios, cumpre, pois, apreciar e decidir, já que nada a tal obsta.

    * * II - DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO - QUESTÕES A DECIDIR O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das respetivas alegações, de acordo com o disposto nos artigos 144.º n.º 2 e 146.º n.º 4 do C.P.T.A. e dos artigos 5.º, 608.º n.º 2, 635.º n.ºs 4 e 5 e 639.º do novo CPC ex vi dos artigos 1.º e 140.º do CPTA.

    Neste pressuposto, as questões essenciais a dirimir resumem-se a determinar: (i) Quanto ao recurso interposto por M...

    , se a sentença recorrida, ao não conferir eficácia invalidante ao detetado vício de preterição de audiência prévia de interessados com base no princípio de aproveitamento do atos administrativos, incorreu em erro de julgamento de direito, por violação do disposto nº.1 do artigo 100º do CPA.

    (ii) Quanto à ampliação de recurso pretendida nos autos, se a decisão judicial posta em crise no presente recurso, ao julgar verificada a preterição de audiência prévia de interessados, incorreu em erro de julgamento de direito.

    Assim sendo, estas serão, por razões de precedência lógica, as questões a apreciar e decidir.

    * * III – FUNDAMENTAÇÃO III.1 – DE FACTO O quadro fáctico [sem reparos] apurado na decisão judicial recorrida foi o seguinte: 1.

    Em 14.01.2016, a Autora requereu, novamente, junto da Câmara Municipal (...) um pedido de licenciamento (legalização) de um coberto (parque de recria), relativo ao prédio sito na Rua (…), distrito de Aveiro, descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.° 5947/20080122 e inscrito na matriz predial urbana sob o artigo 4131, no âmbito do processo n.° 33849/2014 - cf. requerimento, a fls. 302 e segs. do processo administrativo; 2.

    Através de ofício datado de 25.05.2016, a Autora foi notificada para apresentar projeto retificado - cf. ofício, a fls. 149 do processo administrativo; 3.

    Não tendo conseguido reunir a documentação necessária em tempo útil, a Autora requereu, em 28.07.2016 um prazo adicional de 60 dias, alegando para tal que “a técnica se encontra em período de férias” - cf. requerimento, a fls. 143 do processo administrativo; 4.

    Em 3.08.2016, a Divisão de Urbanismo e Planeamento da Câmara Municipal (...) elaborou informação, na qual propôs a fixação de um prazo de 20 dias à Autora...

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