Acórdão nº 02106/21.3BEBRG de Tribunal Central Administrativo Norte, 25 de Março de 2022
Magistrado Responsável | Rog |
Data da Resolução | 25 de Março de 2022 |
Emissor | Tribunal Central Administrativo Norte |
EM NOME DO POVO Acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte: M...
veio interpor RECURSO JURISDICIONAL da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga, de 05.01.2021, pela qual foi julgada (totalmente) improcedente a providência cautelar que intentou contra a Ordem dos Notários para autorização provisória para prosseguir o exercício da profissão de notária para além do limite de idade dos 70 anos, ou caso não se entenda, intimação para abstenção de uma conduta por parte da administração, a proibição de exercer a sua profissão além daquele limite de idade que já ultrapassou.
Solicitou a fixação de efeito suspensivo ao recurso face aos prejuízos consideráveis que decorrem para a Recorrente em virtude do levantamento da providência decretada provisoriamente.
Quanto ao recurso em si invocou, em síntese, que: a sentença é nula por preterição da prova testemunhal e por falta de fundamentação de facto e de direito e que, em todo o caso, errou na apreciação do caso concreto.
A Recorrida contra-alegou defendendo a manutenção da decisão recorrida.
O Ministério Público neste Tribunal emitiu parecer, também no sentido da improcedência do recurso.
A Recorrente pronunciou-se sobre este parecer, mantendo no essencial o teor das suas alegações.
*Cumpre decidir já que nada a tal obsta.
* I - São estas as conclusões das alegações que definem o objecto do presente recurso jurisdicional: I. Encontrando-nos no âmbito de um processo cautelar, e sem prejuízo do disposto no n.º 1 do artigo 143.º do CPTA, o efeito do recurso ora interposto é, à partida, meramente devolutivo.
-
Não obstante o exposto, prevê igualmente o n.º 4 do artigo 143.º do CPTA a possibilidade de o Tribunal, “Quando a atribuição de efeito meramente devolutivo ao recurso possa ser causadora de danos (…) determinar a adoção de providências adequadas a evitar ou minorar esses danos e impor a prestação, pelo interessado, de garantia destinada a responder pelos mesmos” (realce nosso).
-
No caso concreto, os prejuízos consideráveis para a Recorrente em virtude do levantamento da providência decretada provisoriamente decorrem, desde logo e de forma límpida, de tudo quanto se expendeu a propósito da verificação do requisito do periculum in mora, requisito a propósito do qual o Tribunal a quo não se pronunciou, considerado prejudicado o seu conhecimento em virtude do alegado não preenchimento do requisito do fumus boni iuris.
-
Tomando em consideração a factualidade carreada, e conforme se havia já referido, é por demais evidente que o efeito útil da decisão que venha a ser proferida em sede de causa principal só será acautelado pelo decretamento da providência requerida.
-
O propósito subjacente ao pedido de decretamento provisório da providência cautelar de autorização provisória para prosseguir o exercício da profissão de Notária era precisamente o de, mais do que acautelar o efeito útil da decisão que venha a ser proferida na causa principal, garantir a utilidade também do processo cautelar em causa.
-
Aqui chegados, e atendendo à decisão de indeferimento da providência cautelar – da qual se recorre –, apenas a atribuição de efeito suspensivo ao presente recurso – ou a adoção de providências que permitam igualmente evitar ou minorar os danos na esfera da Recorrente – permitirá a manutenção do propósito alcançado pelo decretamento provisório da providência, sendo certo, de todo o modo, que à Recorrente dificilmente será possível recuperar dos prejuízos já incorridos, decorrentes da decisão de indeferimento, pelo Tribunal a quo, da providência requerida.
-
Considerando o propósito da Recorrente, e todo o circunstancialismo fáctico que se lhe encontra adstrito, da mesma forma que a sua pretensão não se compadece da delonga na prolação de decisão definitiva em sede de causa principal – a qual poderá só vir a ser proferida no prazo de 6 a 10 anos, o mesmo se dirá da atribuição de efeito meramente devolutivo ao recurso ora interposto, na medida em que impedirá a Recorrente de se manter no exercício da profissão na pendência da causa principal, com todas as consequências daí advenientes.
-
A perfunctoriedade inerente ao juízo a formular em sede cautelar, e em que o Tribunal a quo se escuda para justificar a superficialidade – que é coisa distinta, e perigosa – com que se debruçou sobre a questão sub judice não poderá comportar, naturalmente, os prejuízos que inelutavelmente se verificarão na esfera da Recorrente no caso de não (i) não ser atribuído ao recurso interposto efeito suspensivo – ou não serem adotadas as providências adequadas –, que permitam a manutenção da produção de efeitos da decisão de decretamento provisório e (ii) de ser negado provimento ao recurso ora interposto.
-
Enquanto não seja proferida decisão sobre o recurso ora apresentado, relevará, aprioristicamente, garantir que as lesões sofridas pela Recorrente não se avultam e tornam irreversíveis, motivo pelo qual, reitera-se, deverá ser àquele atribuído efeito suspensivo, ou, subsidiariamente, adotadas as providências adequadas a obviar a produção de danos avultados e irreversíveis para a Recorrente.
-
Isto porque, permitindo-se que à Recorrente seja imposto o limite de idade para o exercício da profissão na pendência do processo cautelar – acarretando a inibição de desenvolvimento da mesma –, a mesma redundará, inelutavelmente, na constituição de uma situação de facto consumado, da qual a Recorrente não poderá, de forma alguma, recuperar.
-
No caso concreto, mais do que fundado receio, há absoluta certeza de que, não sendo atribuído efeito suspensivo ao recurso interposto – nem adotadas as providências adequadas a salvaguardar os direitos e interesses da Recorrente, ou decretada a providência cautelar requerida –, a Recorrente se verá afastada da profissão que vem exercendo ao longo dos últimos 16 anos sem que para tanto haja qualquer fundamento razoável ou atendível, atendendo à parca bondade da imposição do limite de idade sindicado.
-
A manter-se o efeito meramente devolutivo do presente recurso, pressupondo-se que a decisão proferida no seu âmbito será favorável à Recorrente, a mesma ver-se-á, contudo, e, no mínimo, até ao trânsito em julgado daquela decisão, impedida de exercer a profissão de Notária.
-
Até esse momento, a Recorrente deverá manter o seu cartório desmantelado – tendo-lhe já sido imposta essa determinação –, com a inerente cessação dos vínculos laborais dos seus colaboradores, a impossibilidade de acesso ao seu arquivo e a perda de clientela – tudo consequências naturais e evidentes da cessação coativa da atividade, mas nem por isso menos gravosas.
-
Por outro lado, numa hipotética situação em que a Recorrente reiniciasse as suas funções apenas após a proferição de decisão favorável em sede cautelar – não se equacionando sequer, neste âmbito, os prazos estimados para a obtenção de uma decisão definitiva em sede de causa principal – decerto aquela deparar-se-ia com a ausência de clientela, outrora fidelizada, que entretanto, e em face das necessidades sentidas, já terá procurado a prestação dos serviços outrora assegurados pela Recorrente por parte de outro Notário, ficando a credibilidade e bom nome da Recorrente comprometidos, já que sempre existiria o sentimento de desconfiança face ao seu afastamento compulsivo.
-
Desconsiderando, por ora, os efeitos económicos advenientes do impedimento de continuação do exercício da profissão de Notária, os efeitos psicológicos e mentais assumem, para a Recorrente, proporções inestimáveis, prefigurando-se, a este ensejo, como essencial para a reversão da situação emocional e anímica da Recorrente, a permissão para a continuação do exercício da profissão, lograda através da atribuição de efeito suspensivo ao recurso ora interposto.
-
É já claro que a não atribuição de efeito suspensivo ao presente recurso – ou a não adoção das providências necessárias à continuação do exercício da profissão de Notária na pendência do Recurso – impedirá a Recorrente de exercer funções como Notária – situação que se verifica já, sendo evidentes os danos já sofridos –, mantendo-se a mesma numa situação de incerteza e indefinição quanto ao seu futuro profissional enquanto aguarda a proferição de uma decisão judicial, com as consequências naturalmente daí advenientes, para si e para aqueles que dependem da sua prestação de serviços.
-
Pelo que, nesta perspetiva, em face das concretas circunstâncias do caso, dúvidas não restam de que, in casu, se encontra demonstrada a necessidade imperiosa de atribuição de efeito suspensivo ao recurso ou, no limite, a essencialidade da adoção de providências adequadas a acautelar a evitar ou minorar os danos decorrentes da atribuição de efeito meramente devolutivo ao recurso interposto.
-
Sendo certo, de todo o modo, que empreendida uma análise ao nível da ponderação de interesses em análise, não se perscruta qualquer prejuízo para a Recorrida que obste à atribuição de efeito suspensivo ao presente recurso.
-
ENQUADRAMENTO E OBJETO DO RECURSO XIX. Vem o presente recurso interposto da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga, notificada à Recorrente em 10.01.2022, que julgou improcedente o presente processo cautelar, absolvendo a Recorrida do pedido.
-
-
Cumpre, em face do sobredito, recordar que a Recorrente lançou mão da presente ação cautelar com vista a obter autorização provisória para prosseguir o exercício da profissão de Notário depois de ultrapassado o limite de idade de 70 anos previsto na alínea b) do artigo 41.º e no artigo 43.º do Estatuto do Notariado (EN), ou, caso assim não se entendesse, a intimação para abstenção de condutas por parte da Recorrida, concretamente das diligências tendentes à cessação da atividade notarial por parte da Recorrente.
-
Para o efeito, invocou a Recorrente a violação, com a fixação do limite de idade para o exercício da profissão de Notário a que acima se fez referência, de...
Para continuar a ler
PEÇA SUA AVALIAÇÃO