Acórdão nº 00662/13.9BEAVR de Tribunal Central Administrativo Norte, 25 de Março de 2022
Magistrado Responsável | Helena Ribeiro |
Data da Resolução | 25 de Março de 2022 |
Emissor | Tribunal Central Administrativo Norte |
Acordam, em conferência, os juízes desembargadores da Secção Administrativa do Tribunal Central Administrativo Norte: I. RELATÓRIO 1.1.
D...
e I...
, casados, residentes na Rua (…), moveram a presente ação administrativa especial contra o Município (...), indicando como contrainteressados: (i) R..., casado com I...
( 1.ºs CI), residentes na Praceta (…); (ii) P...., casada com P--- ( 2.ºs CI), residentes da Rua (…); (iii) M…, casado com M--- ( 3.ºs CI), residente da Rua (…), e (iv) A…, casado com C… ( 4.ºs CI), residentes na Rua (…). Constitui objeto da presente ação a impugnação do despacho do Senhor Vereador do Pelouro das Obras Particulares da Câmara Municipal (...), de 08/05/2013, notificado em 15/05/2013, que determinou a cessação da utilização do sótão para fins habitacionais e a reposição da sala comum em relação à fração “D” de que os Autores são proprietários.
Como fundamento da sua pretensão, alegam, em síntese, que compraram a fração designada pela letra “D” ao construtor do prédio, em 05/03/1985, e que o direito de propriedade se encontra inscrito a seu favor na CRP de (...); A referida fração destina-se a habitação, situa-se no 1.º andar, lado esquerdo, e no sótão do prédio; no 1.º andar é composta por hall de entrada, hall interior, sala comum, três quartos, dois quartos de banho, despensa, cozinha e marquise, com a área de 124 m2, e terraço com 149 m2; no sótão é composta por arrumos, com a área de 189 m2.
Mais alegam que a fração em causa tem composição e configuração exatamente igual à que tinha em 1979, quando acabou de ser construído o prédio e sujeito ao regime de propriedade horizontal, e a que tinha quando por eles foi adquirida em 1985.
Os Autores não lhe fizeram nenhuma alteração, supondo que o que aconteceu é que o proprietário e morador da fração “F”, correspondente ao 2.º andar esquerdo, andou a fazer medições e chegou à conclusão que a sala comum da fração “D” dos Autores tinha cerca de 8m2 a mais, ocupando uma parcela equivalente do terraço da mesma fração, para o lado da lavandaria, e que o filho dos Autores pernoitava no espaço do sótão, que estava destinado a arrumos, tendo denunciado essas situações à CM.
E foi nessa sequência, que o Senhor Vereador das Obras Particulares da CM_, proferiu o despacho impugnado ordenando a cessação da utilização do sótão para fim habitacional e a reposição da sala comum, sendo que, não é pelo facto de o filho de ambos ter pernoitado no sótão da fração “D” que o destino da mesma foi alterado, para além de que na data do dito despacho já o seu filho ali não dormia nem pernoitava, tendo emigrado para França.
No que concerne à reposição da sala, consideram que a mesma tem as dimensões com que inicialmente foi construída, designadamente, tem a configuração e as dimensões que tinha no momento em que adquiriram a fração “D”.
Observam que em 05/07/1979 a fração em causa foi sujeita a vistoria pelos serviços da CM_, e nenhum reparo foi efetuado, pelo que agora será abusivo (supretio) exigir a reposição pretendida, tanto mais que, também os condóminos sempre aceitaram, pacificamente, a situação existente sem qualquer reparo, continuando a maioria a aceitar, com exceção apenas do proprietário da fração “F”, a que corresponde a permilagem de 0,114.
Sustentam que as situações em causa são legalmente permitidas pelo artigo 1425.º do CPC, e o cumprimento do despacho impugnado ocasionaria obras de demolição das paredes e pisos da sala da fração dos autores, cuja despesa excederia 5.000,00€, sem daí resultar nenhum benefício para ninguém, sendo a demolição, nos termos do art.º 106.º do RJEU a última ratio, e no caso as obras sempre seriam legalizáveis.
Por fim, afirmam que o despacho impugnado não lhes foi notificado para efeitos de audiência prévia, pelo que o mesmo é nulo.
Concluem pedindo que o despacho seja julgado nulo ou, subsidiariamente, anulado.
1.2. Citado, o Réu contestou a presente ação, defendendo-se por impugnação, alegando, em síntese, que nas plantas de projeto que instruíram o pedido de licenciamento do prédio em causa e que traduzem o projeto aprovado e licenciado, resulta a inexistência do avanço das salas comuns das frações “C” e “D” ( direito e esquerdo do 1.º andar) sobre o terraço a tardoz, cuja parede sul passou a ser contígua com a parede sul da lavandaria.
Também não resultam das ditas plantas a existência de casas de banho, cozinhas ou dependências diversas no sótão, destinadas a habitação, não tendo sido atribuída ao sótão utilização habitacional mas somente para arrumos.
O imóvel em crise foi visitado por cinco técnicos diferentes, em duas datas distintas e todos atestaram a composição das frações conforme o projeto aprovado.
Independentemente da data da execução das obras, as mesmas permanecem ilegais enquanto não forem legalizadas.
Já em 06/08/1990, o réu enviara ao autor um ofício onde se reportava que o sótão estava a ser utilizado como habitação, e que essa utilização deveria cessar, no prazo de 30 dias sob pena de aplicação das sanções legais, que o autor acatou, pelo que o réu não foi complacente com esta situação.
Entretanto, a 04/09/2012 o Réu recebeu uma outra denúncia do morador no 2.º andar esquerdo do mesmo prédio, e após deslocação da polícia municipal ao local, foi elaborado auto de notícia, por se ter verificado que: (i) ao nível do 1.º andar, fração “D”, houve ampliação, em aproximadamente 8m2, da sala comum contígua à lavandaria, no alçado posterior ( terraço); (ii) e ao nível do sótão, utilizado como habitação e com um maior número de compartimentos, encontrando-se em desacordo com o projeto, nomeadamente, por ter dois WC, duas cozinhas e sete arrumos.
O autor foi notificado para se pronunciar em sede de audiência previa, da intenção do Réu ordenar a cessação da utilização do sótão como habitação e a reposição da sala comum, o que também foi efetuado em relação à fração “C”.
O autor exerceu esse direito de audiência prévia.
Considerando que as medidas de tutela da legalidade urbanística previstas no art.º 102.º e ss do RJUE não estão sujeitas a prazo de prescrição e que a obra só não será demolida se for legalizável, o autor foi notificado por ofício do Réu de 09/01/2013 para no prazo de 60 dias apresentar pedido de licenciamento das alterações levadas a cabo em desconformidade com o projeto.
A essa notificação, o autor contrapôs que nada podia fazer e que o processo deveria ser arquivado.
O Réu entende que foi cumprida a audiência de interessados prevista no art.º 100.º do CPA, sendo irrelevante que a autora não tenha sido expressamente identificada na notificação, uma vez que nos termos do n.º 3 do art.º 1678.º o autor marido, só por si, pode aceitar o ato.
A utilização do sótão para fins habitacionais não depende do consentimento dos condóminos, uma vez que essa utilização autónoma na prática traduz uma alteração da natureza do sótão, destinado a arrumos, sem a devida licença.
O Réu entende que não se verifica o abuso de direito, na modalidade de supressio, não tendo pactuado com a situação, estando-se perante medidas que são adequadas e proporcionais ao fim visado, as quais não contendem com o direito de habitação dos autores.
Conclui pela improcedência da ação.
1.3. A Contrainteressada C.... contestou por impugnação, subscrevendo a contestação apresentada pelo Réu. Acrescentou, porém, ter constatado que os Autores, a partir de certa data, encetaram obras na fração D, alterando o sótão e constituindo uma fração, que chegou a ser dada de arrendamento a terceiros.
Refere que o ramal de distribuição de água foi construído à vista, em plena caixa de escada, a partir do contador da fração propriedade dos Autores e que fizeram outras obras clandestinas nos terraços posteriores, com a colocação de coberturas com chapas metálicas e fibrocimento que alteraram a fachada original do prédio, provocando forte depreciação estética e económica.
Afirma ainda que em consequência das dessas obras, resultaram danos na sua fração.
Conclui pugnando pela manutenção do despacho impugnado.
1.4. Proferiu-se despacho saneador de fls. 226 do SITAF, em que se fixou o valor da causa, dispensou-se a realização de diligências de prova, por a decisão da causa se dirigir a questões de direito e notificaram-se as partes para alegarem, querendo.
1.5. Os Autores e a Contrainteressada apresentaram alegações escritas, mantendo a posição assumida nos respetivos articulados. O Réu não apresentou alegações.
1.6. Proferiu-se sentença, que julgou a presente ação improcedente, constando essa sentença da seguinte parte dispositiva: «Com base nos fundamentos que antecedem, julgo improcedente a presente ação e em consequência absolvo a Entidade Demandada do pedido.
Custas pelos AA. (artigo 527.º, n.º 1 e 2 do CPC).
Registe e notifique.» 1.7. Inconformados, com o assim decidido, os Autores interpuseram o presente recurso de apelação, em que formulam as seguintes Conclusões: «i – Os artºs. 79º e 80º do RGEU estabelecem que os sótãos não possam constituir frações isoladas e independentes ou locais de utilização autónoma para habitação; daí que só os sótãos com as condições de habitabilidade previstas no mesmo diploma possam ter acesso pela escada principal do edifício ou por ascensor – Cf. artº 80º, citado.
II- O sótão em causa é apenas um compartimento integrado na fração pertencente aos Autores, destinada a habitação, pelo que não está abrangido pelas citadas normas, que assim, foram erradamente interpretadas e aplicadas ao caso da presente ação; III- Os factos alegados em 24. e 25. da petição inicial (“24....a sala tem a dimensões com que inicialmente foi construída” e “25. Sobretudo, tem a configuração e as medidas que tinha no momento em que os autores compraram a fração” são relevantes e essenciais para o apreço e decisão questão do abuso de direito invocado na ação e a douta sentença não se pronuncia, especificadamente, se os considera provados ou não provados, o que constitui omissão de pronúncia, tornando a sentença nula, de...
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