Acórdão nº 2094/18.3T8LRA.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 11 de Março de 2022

Magistrado ResponsávelJOAQUIM JOS
Data da Resolução11 de Março de 2022
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam, em conferência, no Tribunal da Relação de Coimbra: I – AA, residente na Rua ... ..., instaurou a presente acção para a efetivação de direitos resultantes de acidente de trabalho, contra: 1. “F..., SA”, pessoa coletiva nº ..., com sede no Largo ..., ...; e 2.

“D..., SA”, com sede no ..., em ...; pedindo, na respectiva procedência, a condenação de ambas as Rés: A) A pagar à trabalhadora a quantia de € 2.137,34, a título de indemnização devida pelas incapacidades temporárias sofridas; B) A pagar à trabalhadora uma pensão anual e vitalícia, de acordo com o grau e natureza da incapacidade que lhe vier a ser fixada no exame por junta médica, atualizável; C) A prestar à sinistrada todas as ajudas técnicas, medicamentos e tratamentos médicos ou fisioterapêuticos que vierem a ser determinados pela junta médica; D) A pagar a quantia de € 32.000,00 a título de danos patrimoniais, a fim de permitir à trabalhadora a aquisição de um veículo compacto ligeiro de passageiros com caixa de velocidades automática, e, E) A pagar a quantia de € 50.000,00 a título de danos não patrimoniais.

Para tanto, alegou, em síntese, tal como consta da sentença impugnada, que foi vítima de um acidente ocorrido em 18.07.2017, quando trabalhava como operadora de máquinas de componentes de 3ª por conta, sob a autoridade e direcção da 2ª Ré, ao tropeçar nuns cabos, seguido de queda, resultando as sequelas que descreve, tendo ficado afectada, a final, com incapacidade permanente para o trabalho, pelo que tem direito ao pagamento das quantias peticionadas, estando a responsabilidade do seu pagamento a cargo das Rés, sendo que 2ª Ré não cumpriu com as normas de segurança que lhe eram exigíveis, designadamente com o fornecimento de botas de protecção, nem acondicionou devidamente os cabos que passavam sobre o solo do corredor onde a Sinistrada desenvolvia a sua actividade, que foram causa directa e necessária do acidente ocorrido.

+ Regularmente citadas, as RR. apresentaram contestação: A 1ª Ré, declinou qualquer responsabilidade na reparação do acidente, por entender que o mesmo se deveu exclusivamente a violação culposa de regras de segurança pela Sinistrada, impostas pelo empregador, devendo ser descaracterizado como tal.

A 2º Ré, não aceitou o episódio descrito como acidente de trabalho, alegando que cumpriu com todas as regras de segurança e saúde no trabalho, tendo inclusive disponibilizado botas de protecção à Sinistrada, que se as não utilizou, tal consubstanciaria, outrossim, o incumprimento de ordens e directivas emanadas pela EP, e que à data da ocorrência inexistiam quaisquer cabos que passassem pelo solo, bem como fazia parte integrante da máquina junto à qual caiu um tapete antiderrapante, pelo que não tem qualquer responsabilidade na produção do acidente, tendo sido a Sinistrada que agiu com negligência grosseira ao não acondicionar devidamente as mangueiras nas quais tropeçou, fazendo igualmente um uso indevido do processo, por alegar factos que não correspondem à verdade e formular pedidos de valor extremamente elevado, concluindo, a final, pela improcedência da acção e pela condenação da Autora como litigante de má fé, em multa de valor não inferior a 1.000,00 €.

*** II – Foi proferido despacho saneador e, após selecção da matéria de facto assente e da matéria controvertida, prosseguiram os autos a sua normal tramitação com prolação de sentença cujo dispositivo se transcreve: “Pelo exposto, julga-se totalmente improcedente a presente ação para a efetivação de direitos resultantes de acidente de trabalho e, em consequência, absolvo as Rés “F..., SA” e “D..., SA”, dos pedidos contra si formulados pela Autora AA”.

*** (…) IV – Da 1ª instância vem assente a seguinte matéria de facto: 1) A Autora, AA, nasceu no dia .../.../1976 (certidão fls. 23); 2) A Ré “D..., SA” dedica-se à fabricação de injecção de plásticos, calçados e produtos para a sua protecção (certidão fls. 83 a 92); 3) No dia 18 de Julho 2017, a Autora trabalhava sob as ordens, direcção e fiscalização de “D..., S.A.”, com sede no ... - lote ...9, ...54 ..., detendo a categoria profissional de operadora de máquinas de componentes de 3º, e auferia o salário de 569,00 € x 14 meses +4,85 € x 22 dias x 11 meses de subsídio de alimentação + 142,25 € x 12 meses subsídio de turno, no total anual ilíquido de 10.846,70 €, tendo sido admitida ao serviço da Ré em 03 Julho 2017(docs. fls. 6 e 7); 4) A sociedade “D..., S.A.” tinha transferido, por contrato de seguro titulado pela apólice nº ...48, e em vigor na data referida em 3), para a Ré “F..., SA”, a responsabilidade emergente de acidentes de trabalho da Autora, pela retribuição de 569,00 € x 14 + 142,25 € x 12 meses de subsídio de turno, num total anual ilíquido de 9.673,00 €; 5) No âmbito das funções exercidas (enquanto operadora de máquinas de componentes de 3ª), competia à Autora operar uma máquina de produção de botins de borracha (apelidada de “...”), permanecendo em pé numa estação da linha de produção junto a tal máquina; 6) A sua tarefa consistia na pulverização de moldes com um produto desmoldante, para que o excesso de produto PU não se fixasse nos moldes aquando da confecção das botas de borracha, utilizando para tanto umas pistolas de pressão, que estão acopladas a umas mangueiras que se encontram presas na parte lateral da máquina através do encaixe das pistolas; 7) A actividade da máquina era suspensa de 45 em 45 minutos, por forma a proceder à substituição de um parafuso em cada um dos dois injectores da referida máquina; 8) Para esse efeito, a ora Autora (ou uma outra trabalhadora) suspendia a actividade da máquina e dirigia-se (a Autora) para o seu lado esquerdo, na direcção de uma bancada, a cerca de 1,5 metros da sua estação, onde se encontravam as luvas de protecção que era necessário calçar para proceder à substituição dos referidos parafusos; 9) De seguida, a Autora calçava as referidas luvas e dirigia-se para o lado direito, regressando à sua estação e posicionando-se junto o injector; 10) Aí chegada, abria a porta do injector e retirava o parafuso; 11) Após o que se dirigia à bancada onde se encontravam os parafusos limpos (novos), regressando de seguida ao injector onde colocava o novo parafuso; 12) De seguida, a Autora regressava à sua estação e iniciava o processo de produção; 13) Para o referido efeito, a Autora percorria um corredor de cerca de 10 metros de comprimento e 1,5 metros de largura; 14) As mangueiras referidas em 6) não atravessavam o corredor referido, em 13), nem total nem parcialmente; 14) Na ocasião referida em 8) a Autora deixava de laborar com as pistolas de pressão, acopladas às ditas mangueiras; 15) Na data referida em 3), a Autora iniciou o seu turno pelas 22 horas, e era ela a única trabalhadora a quem competia manusear as pistolas e mangueiras da “...”; 16) Antes de iniciar o procedimento para substituição do parafuso, competia à Autora arrumar e pendurar as pistolas de pressão, por forma a que as mangueiras ficassem devidamente acondicionadas na parte lateral da máquina; 17) Na data referida em 3), a Autora, desde as 22 horas, já havia utilizado por diversas vezes as pistolas de pressão; 18) Pelas 23:30 horas, a Autora iniciou o procedimento de substituição do parafuso do injector, sem que para o efeito acondicionasse as referidas mangueiras, onde estavam acopladas as pistolas de pressão, à parte lateral da máquina; 19) E ao iniciar a marcha, para o corredor, do seu lado esquerdo, na direcção da bancada onde se encontravam as luvas de protecção, tropeçou nas referidas mangueiras e caiu para a frente, resultando-lhe traumatismo do seu pé esquerdo; 20) Na sequência do traumatismo sofrido, a Autora continuou a trabalhar sentindo dores no pé esquerdo; 21) Cerca de uma hora depois, porque as dores se intensificaram, foi transportada por uma colega ao Hospital ..., onde deu entrada, apresentando, como lesões, hematoma ao nível do bordo interno do pé esquerdo, com impotência funcional e dor à apalpação, tendo sido encaminhada para o Hospital ..., para onde foi transportada a fim de ser avaliada pela urgência de ortopedia, para eventual RX e exclusão de fractura; 22) Observada no serviço de Ortopedia no Hospital ..., em episódio de urgência, e realizado exame radiológico, a Autora não apresentava sinais de fractura, tendo recebido alta medicada por contusão no pé (docs. fls. 225 a 229); 23) A Autora regressou transportada ao Hospital ..., de onde saiu cerca das 06:00 horas do dia 19.07.2017, deslocando-se no seu próprio pé para sua casa, percorrendo uma distância de cerca de 3 km; 24) No dia 21.07.2017, em exame de tomografia computorizada do pé esquerdo, efetuado no Centro de Saúde ..., em ..., a Autora apresentava fractura cominutiva da base do 2º metatársico e fractura recente e alinhada do cuneiforme médio (doc. fls. 10); 25) No dia 09.11.2017, em exame de tomografia computorizada do pé esquerdo, efetuado no Centro Hospitalar ... – ..., em ..., a Autora apresentava alterações morfológicas e estruturais da extremidade proximal do 2º metatársico compatível com fractura, ainda não totalmente consolidada, e pouca expressão da fractura do cuneiforme médio, identificando-se apenas um arrancamento ósseo (doc. fls. 9); 26) Em 30.04.2018, a Autora apresentava sequelas de fracturas H3-H4 e cuneiforme do pé esquerdo, com tratamento conservador, e alterações degenerativas que não justificavam cirurgia, com indicação para evitar carregar pesos moderados a intensos, evitar pisos irregulares e permanecer muito tempo em pé, podendo beneficiar de calçado adaptado mais confortável (doc. fls. 11); 27) As lesões referidas em 19 e 24 e 25 são consequência da queda referida em 19; 28) Em resultado das lesões descritas, na sequência da queda descrita em 19), a Autora esteve em situação de: incapacidade temporária absoluta desde o dia 19.07.2017 a 30.10.2017 (104 dias); incapacidade temporária parcial de 2% desde o dia 31.10.2017 a 06.11.2017 (7 dias); incapacidade temporária absoluta...

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