Acórdão nº 37/18.3T8GMR.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 10 de Março de 2022

Magistrado ResponsávelRAQUEL BAPTISTA TAVARES
Data da Resolução10 de Março de 2022
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES I. Relatório A. T.

, residente na avenida …, n.º …, …, Fafe, intentou contra A. M.

e mulher R. S.

, com domicílio profissional no largo …, Guimarães a presente ação declarativa, sob a forma comum, pedindo que se declare a nulidade do contrato de mútuo celebrado entre aquele e os Réus e que, em consequência, estes sejam condenados a restituir-lhe a quantia de €290.532,50, acrescida de juros contratualizados à taxa de 6% ao ano, vencidos e vincendos, ascendendo os vencidos a €21.252,65.

Para tanto, alegou, em síntese, que por documento particular de 14/08/2013, o Autor declarou ter emprestado aos Réus, que aceitaram ter recebido daquele, a quantia de €290.532,50, acrescida de juros à taxa contratual de 6% ao ano, não tendo sido acordado qualquer prazo para que os Réus restituíssem a mencionada quantia; Mais alega que o Autor já instou os Réus para que lhe fizessem essa restituição, mas sem sucesso e que o empréstimo de dinheiro que fez aos Réus não foi celebrado através de escritura pública, sendo, por isso, nulo.

Tendo vindo ao processo o conhecimento sobre o falecimento do Réu A. M., foram habilitados, como seus sucessores, F. M.

, residente na rua …, Guimarães, e C. A.

, residente na rua …, Guimarães.

Os Habilitados e a Ré mulher contestaram, defendendo-se por exceção e impugnação e deduzindo reconvenção.

Em síntese, impugnaram a generalidade dos factos alegados pelo Autor, embora tenham admitido a existência de um empréstimo e a celebração de duas escrituras públicas de compra e venda, mediante o qual os Réus transmitiram para aquele as frações designadas pela letra B, correspondente a um ginásio, I, J, O, P, Q e R, estas correspondentes a dois apartamentos e duas garagens, de prédios constituídos em regime de propriedade horizontal, que identificaram, para garantia da obrigação de restituição.

Mais alegaram o pagamento parcial da dívida, de modo que ela se cifra, hoje, no montante de €83.961,00, que reconheceram.

Mais referiram que, não obstante as entregas parcelares efetuadas, o Autor emitiu sucessivas declarações de dívida, em que esta foi aumentando, explorando a necessidade da Ré e do seu falecido marido e aproveitando-se da inexperiência dos mesmos, excecionando, assim, a sua anulabilidade por dolo e usura.

Invocaram também a nulidade das convenções celebradas quanto a juros, por dolo, usura e anatocismo, sustentando que o valor constante da declaração de dívida junta aos autos pelo Autor contém juros capitalizados, à taxa de 7% ao ano e, por isso, usurários, e que os Réus nunca convencionaram com o Autor que os juros vencidos venciam, por sua vez, juros, não tendo sido notificados pelo último para que lhes pagasse os juros alegadamente vencidos, sob pena da respetiva capitalização.

Bem assim, arguiram a nulidade das declarações de dívida, incluindo da junta aos autos, por vício de forma, por terem subjacente um contrato de mútuo em relação ao qual não foi observada a forma legal e prevaleceram-se da exceção da falta de prazo para a restituição da quantia emprestada ao Autor, sustentando que, não tendo sido convencionado prazo entre o último e os Réus para a restituição, impõe-se que esse prazo seja fixado judicialmente.

Por fim, invocaram a exceção da prescrição quanto aos juros vencidos há mais de cinco anos por referência à data da sua citação para os termos da presente ação.

Concluíram pedindo que: a) sejam absolvidos do pedido; b) se proceda à redução do pedido à quantia de €83.961,18; e c) seja o Autor condenado como litigante de má-fé.

Deduziram ainda reconvenção, pedindo a condenação do Autor-reconvindo a restituir as frações objeto das escrituras públicas, com fundamento em dolo e em simulação.

O Autor replicou sustentando que a reconvenção deduzida é legalmente inadmissível, dado que o pedido reconvencional não emerge do facto jurídico que serve de fundamento à ação, sequer tende a conseguir, em benefício dos Réus-reconvintes, o mesmo efeito jurídico que o Autor-reconvindo se propõe obter.

Subsidiariamente, invocou a exceção da prescrição do direito dos Réus-reconvintes em obterem a declaração da invalidade daquelas escrituras públicas com fundamento em dolo e usura.

Impugnou ainda parte da matéria alegada pelos Réus em sede de exceção (admitindo, contudo, a existência de entregas anteriores de dinheiro do Autor à Ré e ao falecido marido e destes em relação àquele), invocou o abuso de direito quanto à pretensão de aqueles verem imputadas no capital as quantias por si pagas e concluiu pela sua improcedência, pedindo ainda a condenação dos Réus como litigantes de má fé.

Os Réus deduziram incidente de intervenção principal provocada da sociedade A. M. & Filhos, Lda., como Ré-reconvinte e associada daqueles.

Em 1.ª Instância, o incidente de intervenção de terceiros foi admitido, tendo essa decisão sido revogada em sede de recurso pelo Tribunal da Relação de Guimarães.

Foi deduzido o incidente de oposição pela sociedade A. M. & Filhos, Lda, com sede no largo …, s/n.

Dispensada a realização de audiência prévia, foi proferido despacho saneador, não tendo sido admitida a reconvenção, nem o incidente de oposição.

Foi fixado o objeto do litígio e enunciados os temas da prova, sem que tenha havido reclamação das partes.

Veio a efetivar-se a audiência de discussão e julgamento com a prolação de sentença nos seguintes termos, no que concerne à parte dispositiva: “Nos termos expostos: 1.º- Julga-se a ação parcialmente procedente e, em consequência, condena-se os Réus na restituição ao Autor da quantia de € 95.080,30 (noventa e cinco mil e oitenta euros e trinta cêntimos), sobre a qual incidem juros de mora sobre a citação até integral pagamento, à taxa legal de 4%, sem prejuízo de ulterior alteração legislativa; 2.º- Julga-se improcedente o pedido de condenação das partes como litigantes de má-fé.

As custas da presente ação são da responsabilidade de ambas as partes, na proporção do seu decaimento (cfr. artigo 527º/1/2, do CPCiv).

Valor da ação: o fixado a fls. 267/verso.

Registe, notifique e dê baixa.” Inconformado, apelou o Autor da sentença concluindo as suas alegações da seguinte forma: “1. Na fixação da matéria de facto provada, não pode o Julgador atender apenas aos factos que suportam a versão que considera aplicável, mas sim a todos os factos relevantes, para a boa decisão da causa.

2. A douta sentença recorrida viola o art.º 607.º, n.º 4 do CPC, na medida em que não dá resposta (nem de provado, nem de não provado) a inúmera matéria de facto alegada na réplica, mormente os artigos 28.º a 115.º da Réplica, a respeito da “novação objetiva” da obrigação dos RR. e do “abuso de direito” destes ao pretender imputar no capital mutuado os pagamentos que, ao longo de mais de 18 anos, fizeram para abater aos juros convencionados e vencidos, a qual é relevante atentas todas as soluções de direitos plausíveis; 3. De outra forma, não está garantido e nem salvaguardado o direito, o pleno direito ao recurso pois, se de acordo com o disposto no art.º 640.º, n.º 1 do CPC, a parte que impugne em recurso a decisão da matéria de facto, tem de especificar os concretos pontos de factos que considera incorretamente julgados, não lhe é sequer possível cumprir tal ónus quando a matéria por si alegada e carreada para os autos não consta sequer dos factos não provados; 4. A interpretação do art.º 607.º, n.º 4 do CPC no sentido de que a sentença só é obrigada a conter os factos essenciais e fundamentais à decisão a proferir, não carecendo de conter, sequer nos factos não provados, os demais factos alegados pelas partes, ainda que relevante de acordo com todas as soluções de direito plausíveis, é claramente violadora do artigo 20.º, n.º 4 da Constituição, da tutela dos direitos humanos, decorrente dos artigos 10.º da Declaração Universal dos Direitos Humanos, do artigo14.º do Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos e do artigo 6.º da Convenção Europeia dos Direitos Humanos: 5. Sem prescindir, o Autor impugna a decisão da matéria de facto da alínea q) dos factos provados e dos pontos 1 e 2 dos factos não provados, na medida em que a prova produzida foi abundante, segura e conclusiva no sentido de impor que a sua redação fosse a seguinte: q-) PROVADO QUE, nas declarações aludidas em a) e d) a p), o A., a Ré e o autor da Herança, M. M., incluíram no capital mutuado (capitalizaram) os juros que consideravam se terem vencido e que não foram pagos.

1. PROVADO QUE, em 14/08/2013, através do escrito que consta de fls. 5/verso, o A., a Ré e o autor da Herança, M. M., acordaram em fixar em €290.532,50 o valor do capital mutuado pelo A., no qual foram incluídos (capitalizados) os juros vencidos e não pagos ao longo dos autos.

“2. PROVADO QUE por carta registada com aviso de receção enviada pela mandatária do A. e recebida pelos RR. em 12/10/2015, o A. solicitou aos RR. o pagamento da quantia de €290.537,50, titulada pelo documento particular (declaração) descrito em a) dos factos provados.” 6. A prova do ponto 2 emana do documento junto pelo A. na petição inicial sob o n.º 2, porquanto não há nos autos alegação ou sequer indício de que, entre o A. e os RR. existisse outra pendência que não fosse a do empréstimo titulado pelas inúmeras declarações cujos teores se encontram plasmadas nos factos provados, donde, atentas as regras da experiência e da normalidade, não há qualquer dúvida de que o A., através daquela carta, solicitava aos RR. a restituição da quantia mutuada, acrescida dos juros, titulada pelas preditas declarações, cuja última é datada de 14/08/2013; 7. A impugnação da decisão da matéria de facto, no que concerne à alínea q) dos factos provados e ponto 1 dos factos julgados não provados, sofre as limitações resultantes da nulidade supra alegada nas conclusões 1.ª a 4.ª; 8. Porém e sem prescindir, a prova produzida, quer testemunhal, quer documental (mencionada nas conclusões 9.ª a 16.ª), é segura e conclusiva no sentido de que o A. e os RR. quiseram, de...

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