Acórdão nº 00399/21.5BEAVR de Tribunal Central Administrativo Norte, 10 de Março de 2022

Magistrado ResponsávelRicardo de Oliveira e Sousa
Data da Resolução10 de Março de 2022
EmissorTribunal Central Administrativo Norte

Acordam, em conferência, os Juízes Desembargadores da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:* * I – RELATÓRIO A..., LDA., com os sinais dos autos, vêm interpor o presente RECURSO JURISDICIONAL da decisão judicial promanada pelo Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, que, em 14.12.2021, julgou improcedente a presente Ação de Contencioso Pré-Contratual, e, em consequência absolveu o Réu, aqui Recorrido, MUNICÍPIO (...) do pedido.

Em alegações, a Recorrente formulou as conclusões que ora se reproduzem, que delimitam o objeto do recurso: “(…) 1.

É o presente recurso interposto da douta Sentença do TAF do Porto, datada de 14/12/2021, e pela qual se decidiu julgar totalmente improcedente, e, em consequência, absolver o R. MUNICÍPIO (...) do pedido aí formulado pela A., a A..., Lda.

  1. E é-o, quer quanto à matéria de facto aí tida como provada, como quanto à sua matéria de subsunção jurídico-legal ou de Direito.

  2. A impugnação em apreço nos presentes autos contende com acto deliberativo praticado pelo órgão Câmara Municipal do MUNICÍPIO (...) que, em transcrição integral do mesmo, é o seguinte: “Em 03 de maio de 2021, na reunião ordinária da Câmara Municipal de (...), foi deliberado seguinte: 12 - Procedimento “Unidade de Saúde Familiar de Nogueira da Regedoura/São Paio de Oleiros” - Adjudicação A Câmara deliberou, por unanimidade, adjudicar a empreitada em epígrafe à sociedade “J..., Lda”, pelo valor de 1.582,240,44 E + IVA” 4.

    E impugnação que veio a ser judicialmente ampliada, ao sequente e respectivo contrato escrito celebrado em 29/06/2021.

  3. No tocante à matéria de facto, importa e solicita a Recorrente que venha a ser tido como provado, algo de teor ou conteúdo igual ou semelhante, ao seguinte: “na proposta adjudicatária não consta ou resulta sequência e prazos parciais de execução de cada uma das espécies de trabalhos previstas no concursado mas apenas um modo sintético ou resumido, englobado em categorias mais amplas desses mesmos trabalhos”.

  4. E ainda algo de teor ou conteúdo igual ou semelhante, ao seguinte (sugerindo-se que o seja, logo a seguir ao ponto 11 da matéria de facto tida como provada na Sentença em impugnação): “no mesmo documento de “Plano de Equipamentos” da proposta da Contra- interessada não constam os diversos tipos de equipamento e respetivas quantidades, com relação a inúmeras espécies de trabalhos, designadamente, quanto a “equipamento de cortar e dobrar”, “equipamento de perfuração”, “andaimes”, “equipamento especializado para as especialidades, etc.” 7.

    No tocando a imputado vício ao acto impugnado e constante de tal deliberação, quer da transcrição do mesmo, quer da factualidade que foi dada como provada, não consta, nem resulta, que, o mesmo, tenha aprovado, recaído ou homologado o que quer que seja, designadamente o aludido relatório final ou qualquer outro elemento ou peça procedimental do concursado.

  5. Pelo que, fez a Sentença em impugnação menos adequada ou errada interpretação e aplicação dos normativos legais aí mencionados, designadamente dos sob arts. 152°, n°. 1, al. c), 153°, n°. 1, do CPA, e arts. 73°, n°. 1, 124°, n°. 4, e 148°, n°. 4, do CCP, violando-os.

  6. Mas ainda que o acto em impugnação se tivesse apropriado do relatório final do concursado, ainda assim tal acto não deixava, como não deixou, de enfermar de falta de pronúncia fundamentada sobre as observações que a Recorrente apresentou, em sede de sua audiência.

  7. Salvo no tocante ao reconhecimento expresso de que a proposta adjudicatária da Contra-interessada não contemplava ““...expressa indicação dos rendimentos médios adotados para a execução dos diferentes tipos de trabalhos” 11. Porquanto se limitou a uma pronúncia genérica, obscura e insuficiente.

  8. Pelo que, fez também aqui a Sentença em impugnação menos adequada ou errada interpretação e aplicação dos normativos legais aí mencionados, designadamente dos sob art. 267°, n°. 5, da CRP, e art. 124°, n°s. 1 e 4, do CCP, violando-os.

  9. Da proposta adjudicatária não consta ou se encontra representada e em seu “Planeamento de Trabalhos” (ou Plano de Trabalhos) sequência e prazos parciais de execução de cada uma das espécies de trabalhos, mas apenas num modo sintético ou resumido, englobado em categorias mais amplas desses mesmos trabalhos. Ainda assim, sem os rendimentos médios para a execução dos diferentes trabalhos aí genericamente propostos, em manifesta afronta do disposto sob art. 361°, n°. 1, do CCP, art. 11°, n°1, als. g) e l), ponto i), do PP e art. 20°, n°. 4, al. b), do CE.

  10. No mesmo “Planeamento de Trabalhos” não consta ou resulta (e com exatidão) a data de início e fim de cada uma das espécies de trabalhos previstas da referida Lista de Espécies e Quantidades do concursado, nem as respetivas precedências respetivas.

  11. Nem poderia constar ou resultar, atento o referido na conclusão acima (13) e, assim, também com manifesta afronta dos normativos mencionados em tal conclusão.

  12. No mesmo “Planeamento de Trabalhos” consta que, o mesmo, tem por referência ou representação unidade temporal de 1 (um) mês (equivalente a 30 dias), o se traduz em flagrante e objetiva violação do disposto sob o art. 20°, n°.3, do CE 17.

    Ainda na proposta adjudicatária e em seu “Plano de Equipamentos” não constam os diversos tipos de equipamento e respetivas quantidades, com relação a inúmeras espécies de trabalhos, o que se traduz em manifesta violação do disposto do sob 361°, n°. 1, do CCP, art. 11°, n°.1, als. g) e l), ponto iii), do PP e art. 20°, n°. 4, al. d), do CE.

  13. O que - e inelutavelmente - deveria ter conduzido à exclusão da proposta adjudicatária, ainda em sede de análise da mesma, à luz do vertido e conjugado sob arts. 146°, n°.2, al. o), 70°, n°. 2, als. a) e b), 57°, n°. 2, al. b) e 361°, n°. 1, do CCP.

  14. Ao assim não ter entendido, fez a Sentença sob recurso menos adequada interpretação e aplicação dos normativos legais e regulamentares do concursado e aí mencionados, violando-os.

  15. Não fosse a ilegal admissão da proposta adjudicatária no concursado e a adjudicação incidiria sobre a proposta da Recorrente, por única validamente apresentada no mesmo (…)”.

    *Notificado que foi para o efeito, o Recorrido MUNICÍPIO (...) produziu contra-alegações, tendo defendido a manutenção do decidido quanto à improcedência da presente ação.

    *O Tribunal a quo proferiu despacho de admissão do recurso, fixando os seus efeitos e o modo de subida.

    O/A Digno[a] Magistrado[a] do Ministério Público silenciou quanto ao propósito a que se alude no nº.1 do artigo 146º do C.P.T.A.

    *Com dispensa de vistos prévios, cumpre, pois, apreciar e decidir, já que nada a tal obsta.

    * *II - DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO - QUESTÕES A DECIDIR O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das respetivas alegações, de acordo com o disposto nos artigos 144.º n.º 2 e 146.º n.º 4 do C.P.T.A. e dos artigos 5.º, 608.º n.º 2, 635.º n.ºs 4 e 5 e 639.º do novo CPC ex vi dos artigos 1.º e 140.º do CPTA.

    Neste pressuposto, a questão essencial a dirimir resume-se a saber se a sentença recorrida, ao julgar nos termos e com o alcance explicitados no ponto I) do presente Acórdão, incorreu em erro de julgamento de (i) facto e de (ii) direito, este último por errada interpretação e aplicação dos artigos 152°, n°. 1, al. c), 153°, n°. 1, do CPA, e arts. 73°, n°. 1, 124°, n°. 4, e 148°, n°. 4, 146°, n°.2, al. o), 70°, n°. 2, als. a) e b), 57°, n°. 2, al. b) e 361°, n°. 1, do CCP.

    Assim sendo, estas serão, por razões de precedência lógica, as questões a apreciar e decidir.

    * * III- DO MÉRITO DA INSTÂNCIA DE RECURSO*III.1 – DO ERRO DE JULGAMENTO DE FACTO * A primeira questão decidenda consubstancia-se em saber se deve ser alterada a decisão sobre a matéria de facto nos pontos indicados pela Recorrente.

    Vejamos.

    A lei processual, para facultar a reapreciação da decisão matéria da facto, exige, desde logo, o cumprimento do ónus processual preconizado no artigo 640º do CPC.

    De facto, e no que concerne à sua legal admissibilidade, ressuma com evidência do preceituado no nº. 2 do artigo 640º do CPC que, “sob pena de imediata rejeição do recurso”, deve o Recorrente “indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes”.

    Destaca-se, nesta problemática, o Acórdão produzido por este Tribunal Central Administrativo Norte de 04.12.2015, no processo nº. 418/12.6BEPRT, cujo teor ora parcialmente se transcreve:”(…) Como resulta do art.º 640, nºs. 1, b) e 2, a), do CPC, quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar (dá-se aqui uma “ênfase redundante” nas palavras de Cardona Ferreira in Guia de Recursos em Processo Civil, 5º edição, pág. 167), os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida, sendo que quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes.

    Tem por objectivo responsabilizar as partes (princípio da auto-responsabilidade das...

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