Acórdão nº 068/21.6BALSB de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 10 de Março de 2022

Magistrado ResponsávelJOSÉ VELOSO
Data da Resolução10 de Março de 2022
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)
  1. Relatório A………… - magistrado do Ministério Público, com a categoria de Procurador da República, residente na rua do ….., nº…, Ericeira - demanda a PROCURADORA-GERAL DA REPÚBLICA - domiciliada na rua da Escola Politécnica, nº140, em Lisboa - «pedindo» a este Supremo Tribunal a declaração de nulidade, ou a anulação, do seu despacho de 17.12.2020, que lhe «indeferiu o pedido de ajudas de custo», bem como a condenação da demandada «a determinar a prática dos actos de processamento das ajudas de custo, no valor de 50.299,97€, acrescido de juros de mora já vencidos na presente data, à taxa legal, no montante de 2.739,63€, bem como os vincendos até efectivo e integral pagamento». Subsidiariamente, pede que a demandada seja condenada a indemnizá-lo em quantia equivalente ao pedido liquidado e respectivos juros [artigo 167º, nº5, do CPTA].

    Nesse sentido, e após ter articulado os factos que considera relevantes, o autor alega que a sua pretensão tem como fundamento o preceituado nos nºs 3 e 4 do artigo 148º do Estatuto dos Magistrados Judiciais então em vigor - EMJ aprovado pela Lei nº21/85, de 30.07, aplicável ex vi artigo 4º, nº1, da Lei nº143/99, de 31.08 -, bem como o nº9 do artigo 25º do Estatuto do Ministério Público [EMP], referentes às deslocações entre os seus domicílios e a sede da Procuradoria-Geral - artigo 28º da petição inicial. E alega que o acto impugnado é inválido: - porque foi praticado por órgão incompetente, uma vez que a demandada se imiscuiu em matéria que é da competência exclusiva do Conselho Superior do Ministério Público [CSMP]; - porque procede a uma interpretação inconstitucional e ilegal dos preceitos que são aplicáveis ao caso, desrespeitadora, além do mais, do princípio do paralelismo das magistraturas e realizada em manifesto abuso de direito - artigos 127º a 129º, 203º e 242º da petição inicial. Suporta o referido «pedido subsidiário» no artigo 167º, nº5, do CPA.

    A entidade demandada contesta, defendendo-se por vias exceptiva e impugnativa. No tocante à primeira, vem invocar a «caducidade do direito à liquidação, processamento, e pagamento das ajudas de custo», bem como a «prescrição dos créditos». No tocante à segunda, fundamentalmente reage à interpretação que o autor faz das normas legais que são chamadas a intervir, entendendo que não lhe assiste direito a ajudas de custo, tal como requeridas, e que o despacho impugnado não padece das ilegalidades que lhe são apontadas pelo autor.

    Replicando, o autor milita pelo julgamento de improcedência das excepções invocadas.

    Dispensada a realização de audiência prévia, foi proferido despacho saneador, no qual se consideram preenchidos os indispensáveis pressupostos processuais, se relega para a decisão final o conhecimento das duas questões de natureza exceptiva invocadas na contestação, e se entende desnecessária qualquer fase instrutória.

    As partes, notificadas para alegações facultativas, vieram exercer o respectivo direito.

    Colhidos que foram os «vistos» legais, cumpre apreciar e decidir a presente acção.

  2. De Facto Atendendo aos «factos» articulados, pertinentes, e provados, damos como assentes os seguintes: 1- O aqui autor – A……..….

    - é magistrado do Ministério Público, com a categoria de Procurador da República, exercendo as suas funções junto da Procuradoria da República do Tribunal Administrativo e Fiscal de ….. - pacífico nos autos; 2- No dia …….., o autor foi eleito Vogal do Conselho Superior do Ministério Público [CSMP] - pacífico nos autos; 3- Exerceu essas funções de Vogal do CSMP, como membro permanente, e de forma ininterrupta, entre ……… e ……. - pacífico nos autos; 4- Neste período temporal, o autor estava colocado no DIAP de …. - comarca de …… - residindo na Ericeira - rua ….., nº….

    - uma vez que estava devidamente autorizado a «residir fora da comarca» onde exercia funções - pacífico nos autos; 5- Durante esse período temporal - ………. a ……… - o autor exerceu diária e ininterruptamente as suas funções como membro permanente do CSMP, cuja sede se situa na rua da Escola Politécnica, Lisboa - pacífico nos autos; 6- Assumindo ele todas as despesas com as deslocações diárias entre o seu domicílio e o local de trabalho, sede do CSMP, nunca tendo recebido qualquer tipo de compensação a esse título - pacífico nos autos; 7- Em 10.09.2019, o Plenário do CSMP - pronunciando-se sobre requerimento apresentado pelos Senhores Drs. …….. e …….

    - deliberou reconhecer aos seus membros «o direito a receberem ajudas de custo pelo exercício de funções de vogal do CSMP em regime de tempo integral, como deslocações diárias ou por dias sucessivos, nos termos dos artigos 4º, 5º e 8º, do DL nº106/98, de 24.04, conforme o período de tempo das deslocações em serviço do CSMP desde os seus domicílios, sem o limite temporal a que alude o artigo 12º, nº1, do mesmo diploma, em caso de deslocações por dias sucessivos, nos termos das disposições conjugadas constantes dos artigos 25º nºs 7 a 9, do EMP, 75º nº1 do mesmo diploma legal, 148º, nºs 3 e 4, do EMJ, por força do disposto no artigo 4º, nº1, da Lei nº143/99, de 31.08» - deliberação publicada no Boletim Informativo nº12/2019 do CSMP, documentos 3 e 4 juntos com a petição inicial cujo conteúdo se dá por reproduzido; 8- Votou contra o Dr. ……., que apresentou declaração de voto - a qual foi subscrita também pela Dra. …… - e abstiveram-se a Senhora Procuradora Geral da República, a Dra. ……, a Dra. ……. e o Dr. ……. - documento 4 junto com a petição inicial; 9- Tal deliberação do Plenário do CSMP não foi objecto de impugnação - pacífico nos autos; 10- Em 16.12.2019, o autor apresentou requerimento, junto do Senhor Secretário da Procuradoria-Geral da República, a peticionar o pagamento das ajudas de custo respeitantes ao período em que exerceu funções como membro permanente do CSMP, ou seja, entre ………. e ……… - documento 5 junto com a petição inicial e se dá por reproduzido; 11- Em ordem a tal, apresentou 35 boletins de itinerário - modelo 683 da Imprensa Nacional Casa da Moeda - em formato digital, deduzindo os valores dos subsídios de refeição, já recebidos, e um mês por cada ano, relativo ao período de férias, tudo ascendendo ao montante de 50.299,97€ - documentos 7 e 8 juntos com a petição inicial e dado por reproduzido; 12- Em 03.07.2020, o Senhor Secretário-Geral da PGR propôs o indeferimento da pretensão do autor - documento 8 junto com a petição inicial, dado por reproduzido; 13- Em 14.07.2020 a Senhora PGR proferiu despacho por meio do qual expressou a sua concordância com essa proposta; 14- O autor foi notificado do projecto de decisão de indeferimento proferido pela PGR, tendo apresentado oportunamente a sua pronúncia sobre o mesmo, em sede de audiência prévia - documento 10 junto com a petição inicial, dado por reproduzido; 15- Por despacho de 17.12.2020, a Senhora PGR indeferiu a pretensão do autor, despacho do qual ele, autor, foi notificado - documento 11 junto com a petição inicial, dado por reproduzido.

    E é tudo.

  3. De Direito 1. Vem pedida pelo autor - Procurador da República - a declaração de nulidade ou a anulação do despacho - datado de 17.12.2020 - pelo qual a Senhora Procuradora-Geral da República lhe indeferiu «pedido de pagamento de ajudas de custo», no montante de 50.299,97€, respeitantes ao período em que exerceu as funções de «Vogal do Conselho Superior do Ministério Público» [CSMP] como membro permanente, e de forma ininterrupta, ou seja, o período compreendido entre …….. e ……...

    Sustenta, para tal, que tem direito a receber tais ajudas de custo ao abrigo dos artigos 4º, 5º e 8º, do DL nº106/98, de 24 de Abril, pois que isso mesmo foi expressamente reconhecido pela deliberação do CSMP, de 10.09.2019, sendo que «este órgão colegial dispõe de competência exclusiva para interpretar a lei no que respeita ao estatuto dos seus membros e à conformidade legal da despesa» e que a recusa em reconhecer esta competência, e esse direito, por parte da Senhora Procuradora-Geral da República, se traduz num abuso de direito, e numa interpretação inconstitucional e ilegal das normas jurídicas aplicáveis.

    Essa «deliberação do CSMP de 10.09.2019» deferiu requerimento apresentado por dois membros do CSMP «em regime de tempo integral» - um vogal não magistrado e outro vogal magistrado - reconhecendo-lhes «o direito a receberem ajudas de custo pelo exercício de funções de vogal do CSMP em regime de tempo integral, como deslocações diárias ou por dias sucessivos, nos termos dos artigos 4º, 5º e 8º, do DL nº106/98, de 24.04, conforme o período de tempo das deslocações em serviço do CSMP desde os seus domicílios, sem o limite temporal a que alude o artigo 12º, nº1, do mesmo diploma, em caso de deslocações por dias sucessivos, nos termos das disposições conjugadas constantes dos artigos 25º, nºs 7 a 9, do EMP, 75º, nº1, do mesmo diploma legal, 148º, nºs 3 e 4, do EMJ por força do disposto no artigo 4º, nº1, da Lei nº143/99, de 31.08» [ver ponto 7 do provado].

    E foi na sequência da mesma [em 16.12.2019], e com base nela, que o ora autor - então ex-membro do CSMP - apresentou requerimento junto do Secretário da Procuradoria-Geral da República a peticionar «o pagamento das ajudas de custo» respeitantes ao período em que exerceu funções como membro permanente do CSMP, ou seja, entre ……. e ……..

    [pontos 10 e 11 do provado], requerimento esse que - após proposta de indeferimento e audiência prévia do requerente [pontos 12 a 14 do provado] - terminou «indeferido» pelo despacho impugnado [ponto 15 do provado].

    1. O autor começa por alegar, e defender, que o acto impugnado padece de «vício de incompetência relativa», porque a Senhora Procuradora-Geral da República se imiscuiu em matéria jurídica da «competência exclusiva» do CSMP. E, nessa base, deverá ser anulado - artigo 163º, nº1, do actual CPA.

      Alega que a interpretação da lei, no que respeita ao «estatuto» dos membros do CSMP e à «conformidade legal da despesa», apenas cabe a esse órgão colectivo, de tal modo que a decisão jurídica ínsita na dita...

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