Acórdão nº 170/22 de Tribunal Constitucional (Port, 11 de Março de 2022
Magistrado Responsável | Cons. Teles Pereira |
Data da Resolução | 11 de Março de 2022 |
Emissor | Tribunal Constitucional (Port |
ACÓRDÃO Nº 170/2022
Processo n.º 636/2021
1.ª Secção
Relator: Conselheiro José António Teles Pereira
Acordam, em Conferência, na 1.ª Secção do Tribunal Constitucional
I – A Causa
1. A., B. e C. (os ora recorrentes) intentaram contra D., S.A., uma ação declarativa, que correu os seus termos no Juízo Central Cível do Funchal com o número 2204/15.2T8FNC, pedindo a condenação do réu na restituição aos autores da quantia de €820.000,00 ou, em alternativa, no pagamento de indemnização de igual valor.
1.1. Por sentença de 27/06/2019, foi a ação julgada improcedente. Desta decisão recorreram os autores para o Tribunal da Relação de Lisboa, que julgou improcedente o recurso por acórdão de 14/07/2020.
Os autores interpuseram recurso de revista para o Supremo Tribunal de Justiça (STJ) desta decisão e arguiram a respetiva nulidade, por omissão de pronúncia. Por acórdão de 17/12/2020, o Tribunal da Relação de Lisboa indeferiu a arguição de nulidade da decisão.
Remetidos os autos ao STJ, o recurso de revista não foi admitido nos termos gerais e, por acórdão de 23/03/2021, também não foi admitido como revista excecional.
1.2. Os autores interpuseram, então, recurso do acórdão de 14/07/2020 (item 1.1,2., supra) do Tribunal da Relação de Lisboa para o Tribunal Constitucional, ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC – recurso que deu origem aos presentes autos.
1.2.1. No Tribunal Constitucional, foi proferida, pelo relator, a Decisão Sumária n.º 546/2021, no sentido do não conhecimento do objeto do recurso.
Inconformados com esta decisão, os recorrentes dela reclamaram para a conferência.
Foi, então, proferido o Acórdão n.º 804/2021, no sentido de indeferir a reclamação e manter a decisão reclamada de não conhecimento do objeto do recurso.
1.2.2. Na mesma data em que foi proferido o Acórdão n.º 804/2021, e antes de o mesmo lhes ser notificado, os recorrentes apresentaram um requerimento de “desistência do pedido”.
Sobre tal requerimento recaiu despacho do relator com o seguinte teor: “[considerando] que se trata de desistência do pedido (ou seja, da pretensão deduzida na ação que deu origem ao presente recurso, cuja natureza é caracteristicamente incidental), apresentada antes do trânsito em julgado do Acórdão n.º 804/2021 – logo, tempestiva –, caberá ao tribunal de primeira instância apreciá-la e, sendo caso disso, homologá-la, após os autos serem aí remetidos. No Tribunal Constitucional, proferida já decisão sobre a reclamação para a conferência, nada mais resta decidir”.
1.2.3. Posteriormente, os recorrentes arguiram a nulidade do Acórdão n.º 804/2021, invocando o seguinte:
“[…]
1. Com o devido respeito, o douto Acórdão de 26/10/2021, enferma de grave nulidade, que advém da "Decisão Sumária" e que se persistiu em manter.
2. Na verdade, está em causa, fundamentalmente, a adoção de uma interpretação do artigo 373.º, nº 3 do CC, por parte das instâncias, incluindo o Acórdão da Relação de Lisboa, de 19/07/2020, que inconstitucionaliza aquela disposição, designadamente, por violação dos artigos 71.º e 13.º da CRP.
3. A norma em questão (artigo 373.º do CC) visa assegurar a todo e qualquer cidadão portador de deficiência, que se traduza em grave limitação visual ou cegueira, que o incapacite de ler, impondo que quaisquer atos ou contratos, que assumam a forma escrita, com a sua intervenção, exigem a presença de notário que lhe leia e explique o conteúdo do respetivo documento, assegurando, assim, o seu exato conhecimento e a sua soberana decisão, ao subscrever, livre e conscientemente, o mesmo documento.
4. Acontece que o artigo 373.º do CC não distingue entre os casos de ser obrigatória a forma escrita para determinado ato, e os casos em que, facultativamente, as partes adotam tal forma, pelo que, verificando-se a cegueira de algum dos outorgantes, é sempre necessária a intervenção de notário, e o que está em causa nos autos, é que o "distinguo" que as instâncias introduziram inconstitucionaliza o referido artigo 373.º do CC.
5. Na verdade, tal interpretação, ao retirar a garantia que a Constituição da República Portuguesa confere ao deficiente visual, no seu artigo 71.º, viola aquela disposição e subtrai-o à igualdade com os não deficientes, violando-se, também, o artigo 13.º da Lei Fundamental.
6. Aliás, o artigo 393.º do CC ajuda a interpretar o alcance do artigo 373.º do mesmo Código, quando estabelece que, se "a declaração negocial por disposição da lei ou estipulação das partes, houver de ser reduzida a escrito ... não é admitida prova testemunhal", tornando evidente que, em nenhuma circunstância é possível interpretar o artigo 373.º, nº 3, sob pena de inconstitucionalidade, por violação dos artigos 71.º, e 13.º da CRP, da forma que as instâncias o fizeram.
7. Por ser assim, não tem sentido referir, como refere o acórdão em causa, que o presente recurso seria inútil, na medida em que as instâncias haviam decidido que, não estando o contrato em causa, vinculadamente sujeito à forma escrita, e sendo esta adotada por vontade das partes, não se verificaria a preterição de formalidade "ad substantiam" por não ser exigível a intervenção notarial prevista no n.º 3 do artigo 373.º do CC.
8. Por absurdo, parece entender-se que, sendo imperativa a forma escrita, o cego é...
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