Acórdão nº 0372/15.2BEAVR de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 09 de Março de 2022

Magistrado ResponsávelARAGÃO SEIA
Data da Resolução09 de Março de 2022
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam os juízes da secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo: O REPRESENTANTE DA FAZENDA PÚBLICA, não se conformando com o teor da douta sentença proferida no processo à margem referenciado, vem, nos termos do n.º 1 do artigo 280.º e do artigo 281.º, ambos do Código de Procedimento e de Processo Tributário, interpor o competente RECURSO para o SUPREMO TRIBUNAL ADMINISTRATIVO, com efeito meramente devolutivo e com subida nos próprios autos.

Alegou, tendo concluído: I. A Fazenda Pública, inconformada com a douta sentença proferida nos autos em epígrafe, que julgou procedente a impugnação judicial deduzida por A…………… LDA, relativamente às liquidações adicionais de IVA, referentes aos anos de 2012 e 2013, entendeu dever recorrer da mesma, pretendendo a sua revogação e substituição por decisão que considere tal impugnação totalmente improcedente.

  1. Compulsado o teor da sentença ora posta em crise, constata-se que o douto Tribunal a quo decidiu anular as liquidações em causa por ter considerado que elas resultam de uma incorreta interpretação e aplicação do n.º 15 do art. 9.º do CIVA, operada pelos serviços de inspeção tributária, de acordo com a qual o conceito de “promotor” implica ter a qualidade de sujeito passivo de imposto.

  2. O entendimento que está na génese das liquidações anuladas pelo Tribunal a quo brota, em parte, de instruções contidas no Ofício-circulado n.º 30109/2009, segundo as quais a isenção prevista no referido dispositivo legal só poderá produzir efeitos nas situações em que os “promotores” atuem enquanto sujeitos passivos de imposto.

  3. O Tribunal a quo considera que esta visão não é consentânea com a “interpretação devida” do preceito legal em causa, na medida em que impõe uma “restrição administrativa contrária à Lei e como tal dela violadora” (cfr. página 26).

  4. Conforme vem aludido no Relatório de Inspeção Tributária (RIT), os serviços consideraram que “promotor” será “qualquer entidade, singular ou coletiva, sujeito passivo de imposto, que no exercício da sua atividade económica tributada promova ou organize espetáculos de natureza artística, financiando a sua produção e assumindo as responsabilidades inerentes à realização dos espetáculos, garanta a divulgação e exibição dos artistas junto do público espetador (consumidor final do espetáculo, ainda que este seja de acesso livre)” – página 20 do RIT, reproduzida na letra D dos factos dados como provados.

  5. As razões aduzidas pelos serviços de inspeção tributária para exigir a qualidade de sujeito passivo ao “promotor”, vêm explicitadas na página 21 do mesmo documento: “Aliás, compreende-se que assim seja porquanto, sendo o promotor um sujeito passivo de imposto que pratique operações económicas tributadas, ele é obrigado a liquidar IVA, logo no circuito económico ocorre a liquidação de imposto, apenas se verifica uma exceção ao mecanismo normal do IVA (IVA liquidado – IVA dedutível). Se o contrário fosse possível, ie se pudessem ser considerados promotores entidades que não fossem sujeitos passivos de imposto, assimilados a consumidores finais, permitiria que parte do circuito económico fosse desonerada de IVA; 8. Da mesma forma, a inexistência de NIF das faturas inviabiliza qualquer controlo e responsabilização pelo incumprimento das obrigações fiscais, nomeadamente as previstas no Despacho Normativo 118/85. Aliás este Despacho Normativo tem como finalidade o eventual controlo das atividades desenvolvidas (cfr. Letra D dos factos dados como provados – negrito e sublinhado nossos).

  6. Em síntese, a motivação avançada pelos serviços, vem assim espelhada na factualidade apurada em sede inspetiva: “Não foi liquidado IVA nas faturas emitidas em 2012 com a seguinte fundamentação (embora errada): “Isento de IVA (art.º 9º, nº 16) b) do CIVA”. Também para 2013 não foi liquidado IVA com mesma a fundamentação; A maioria dos espetáculos (em 2012 foram faturados 81 espetáculos a clientes sem indicação do NIF sendo ainda que num caso foi indicado o NIF de pessoa singular para referir a Comissão de Festas) foram faturados a não sujeitos passivos de imposto, como o demonstra a inexistência nas faturas do número de identificação” (cfr. Letra D dos factos dados como provados – negrito e sublinhado nossos).

  7. A mesma explicação é renovada no âmbito dos factos evidenciados em sede do exercício do direito de audição (cfr. Letra D dos factos dados como provados): [Imagem] IX. Numa primeira avaliação da factualidade dada como provada, o douto Tribunal a quo até aparenta acompanhar o entendimento que subjaz às correções operadas pelos serviços, na medida em que parece conceder que, caso a isenção funcionasse em situações como as acabadas de descrever, uma parte substancial do circuito económico ficaria desonerado de IVA.

  8. Na verdade, consta da douta sentença recorrida que, “Sendo estes os fins visados pela isenção, poder-se-ia defender que a liquidação do IVA tem de recair sobre um sujeito passivo de imposto na medida em que só este poderá efetuar a respetiva liquidação e, por conseguinte, apenas as prestações de serviços efetuadas a um promotor sujeito passivo daquele imposto se encontram isentas. De outro modo, ficaria a prestação de serviço isenta e, simultaneamente, não ficaria assegurada a liquidação de IVA que fosse devida em razão da realização do evento cultural por este não ser sujeito passivo do imposto” (cfr. páginas 24 e 25).

  9. Todavia, o Tribunal a quo, em face de algumas incongruências que, na sua ótica, inquinam de ilegalidade a solução preconizada pelos serviços, acaba por se afastar desta posição.

  10. A primeira das ditas incongruências assacadas pelo Tribunal a quo às correções que estão na base das liquidações impugnadas reside no seguinte conjunto de asserções (cfr. página 25): [Imagem] XIII. É consensual que, para que haja tributação em sede de IVA, deverá existir uma contraprestação que se assuma como a remuneração de um serviço que haja sido prestado, sendo certo que tal contraprestação, imprescindível à sujeição a este imposto, deverá integrar-se numa relação jurídica da qual decorrerão prestações recíprocas.

  11. Porém, o facto de o “promotor” realizar um “espetáculo cultural de acesso livre” não retira carácter oneroso à relação que se estabeleceu a montante, isto é, à relação entre aquele e a agora Recorrida.

  12. O conceito de "prestação de serviços efetuada a título oneroso" pressupõe a existência de um nexo direto entre a prestação de serviços e a contrapartida recebida pelo sujeito passivo, ou seja, a noção de prestação de serviços efetuada a título oneroso, antevê sempre, para efeitos de IVA, a existência de um nexo direto entre o serviço prestado e o contravalor recebido.

  13. Mesmo perante a existência de um “espetáculo cultural de acesso livre”, na relação que se estabeleceu em fase anterior, não deixa de existir um nexo direto entre o serviço prestado pela Recorrida e o contravalor recebido do “promotor”.

  14. Afigura-se-nos inquestionável a existência de uma prestação de serviços efetuada a título oneroso, materializada numa transação entre as partes, à qual corresponde um preço ou um contravalor, pois a anteceder o dito “espetáculo cultural de acesso livre”, foi prestado um serviço pela Recorrida ao “promotor”, praticando este um ato de consumo no exercício de uma atividade de inegável substância económica.

  15. O Tribunal a quo ao concluir que “inexiste qualquer serviço oneroso prestado pelo “promotor” e, consequentemente, IVA”, envereda por um entendimento que não concede qualquer relevo à relação de onde emerge o verdadeiro “valor acrescentado”, isto é, a relação entre a Recorrida e o “promotor”, enquanto intermediário dos...

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